Estava guiando numa manhã de domingo quando vi um
casal correndo nas ruas ainda frescas do começo do dia. Eles estavam
razoavelmente acima do peso, sobretudo a senhora, que se movia com grande
esforço e dificuldade. Mal conseguia levantar os joelhos na corrida, mas
progredia com coragem até a avenida. Tive vontade de parar e aplaudir. Gritar
palavras de incentivo. Fazer os dois se sentirem na reta final da São
Silvestre. Prossegui o meu caminho, aplaudindo mentalmente o casal e desejando
que eles não desanimem.
Nas últimas semanas, tive uma experiência nova e algo assustadora, onde
um corte de uma entrevista que eu fiz viralizou de maneira bastante inesperada
para o staff do podcast e para mim, então, nem se fala. A frase que marcou esse
corte foi uma que eu falo para meus clientes, no dia a dia: “O melhor
psiquiatra que tem é a academia.” Os entrevistadores concordaram, e eu
expliquei: o exercício físico não só contribui para o aumento da produção de
substâncias importantes para reverter, por exemplo, uma depressão ou um
Burnout, como também libera substâncias chamadas Miocinas, que estimulam o
crescimento de novas conexões nas redes neurais desgastadas pelas doenças. A
analogia que eu usei foi: “O neurônio que estava careca fica de novo cabeludo.”
Tenho a impressão que a frase de efeito circulou por circuitos de
fitness e marombeiros em geral nas redes sociais. Pacientes receberam esse
corte de familiares e personal trainers. Um rapaz repostou no seu Instagram e
lá se foram mais alguns milhões de likes e views. Teve gente também criticando
e xingando, dizendo que eu estava sendo simplista e desvalorizando o trabalho
do médico psiquiatra. Espera aí, pessoal, eu sou um médico psiquiatra. Na
entrevista, em sua íntegra, conversamos sobre a importância do tratamento
medicamentoso, da psicoterapia (sou psicoterapeuta também), dos cuidados com o
sono, os exercícios físicos e a meditação. Minha imagem circula sem
necessariamente as pessoas saberem do contexto. Provavelmente, estou muito
popular entre a turma da maromba e pouco popular entre meus colegas
psiquiatras. Como quem entra na chuva é para se molhar, fico mais feliz do que
triste com toda essa repercussão e o corte ter sido veiculado para tanta gente.
Falaram em vinte milhões de reproduções. Ninguém tentou me contratar como
personal trainer, mas espero que a frase ajude esses profissionais no difícil
trabalho de criar o hábito dos exercícios físicos.
Exercícios físicos são préditores estabelecidos de longevidade. A falta
de exercícios físicos regulares é um fator de redução de expectativa de vida de
magnitude próxima ao diabetes, obesidade, nicotina e hipertensão arterial, até
porque a falta de atividade física contribui para todas doenças e muitas
outras, como as doenças atendidas todos os dias no meu consultório e de outros
colegas.
Uma música antiga de Beto Guedes tinha um belo verso: “A lição sabemos
de cor/Só nos resta aprender”. Sabemos muitas lições de cor, como a necessidade
de uma alimentação mais saudável, a necessidade de cuidar de nosso sono e do
manejo do estresse, todos esses pilares da saúde mental e da longevidade da
população. O que nos impede de aprender, então, a lição que sabemos de cor?
A modificação de comportamento é um sistema de aprendizado. Deve ser
feito gradualmente, como todo processo de aprendizagem. Se nas suas resoluções
de fim de ano estiverem incluídos itens como: vou perder peso, vou me
exercitar, vou parar de ficar rolando a tela do celular nas redes sociais antes
de dormir, vou diminuir a bebida e o consumo de comida lixo, bem, você já deve
ter notado que a chance de conseguir cumprir essas resoluções não é muito alta
não. Aí, o dileto leitor ou leitora, põe a mão na barriga e suspira: “Sabe o
que é, não tenho força de vontade.”
Quem é o melhor psiquiatra? O melhor psiquiatra é você. Não é a
academia. E você pode se tornar melhor psiquiatra de si mesmo se começar a
organizar mudanças de hábitos pontualmente. Não tente começar na academia,
fazer dieta e organizar seus horários tudo de uma vez. Não vai funcionar. Faça
ajustes na sua rotina que você possa manter e aprofundar. Durma e acorde nos
mesmos horários. Ao acordar, abra a janela e deixe a luz do dia incidir sobre
seus olhos. O melhor hábito de se criar é o hábito de estar atento a você e seu
corpo. Vivemos uma vida muito mental, com sobrecarga de estímulos, e uma
distância cada vez maior do corpo e de sua necessidade de repouso e nutrição.
Uma outra frase destacada no corte que viralizou foi: “Cuidar da sua
fragilidade é o melhor jeito de ser forte.” Pena que não foi essa que bombou
nas redes.
Cuide de seu corpo e proteja suas fragilidades. Isso vai melhorar a sua
vida e saúde mental.
Marco Antônio Spinelli - médico, com mestrado em
psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação
younguiano e autor do livro Stress o coelho de Alice tem sempre muita
pressa.
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