Células de meduloblastoma mantidas em cultura 3D (esferoide tumoral) ou 2D no laboratório do grupo de pesquisa (crédito: Amanda Faria Assoni) |
Pesquisa desenvolvida na USP relacionou, pela primeira vez, VAPB à proliferação de células tumorais em casos de meduloblastoma, responsável por um dos tipos mais comuns e agressivos de tumor em crianças
Uma proteína que tem sido
amplamente estudada por estar associada a doenças neurodegenerativas, como a
esclerose lateral amiotrófica, também tem ligação com um tipo de câncer do
sistema nervoso central, o meduloblastoma. Esse tumor no cérebro é um dos mais
comuns e agressivos em crianças e surge de células indiferenciadas durante o
desenvolvimento neuronal.
Estudo liderado por um grupo de
cientistas brasileiros demonstrou, in vitro e in vivo,
que o gene VAPB está relacionado à proliferação dessas células
tumorais. A descoberta foi publicada em artigo na revista Scientific
Reports.
O resultado aponta um potencial
marcador para avaliar a gravidade desse tipo de câncer e, com novas
investigações, até mesmo um futuro alvo terapêutico. Atualmente, o tratamento
de meduloblastoma requer uma combinação de cirurgia, para a retirada do tumor,
com radioterapia ou quimioterapia, geralmente agressivo e que pode deixar
sequelas nos pacientes.
A VAPB (sigla em inglês
para Vesicle-associated membrane protein-associated protein B/C) é
uma proteína de membrana do retículo endoplasmático que desempenha um papel
importante em processos celulares, especialmente no metabolismo lipídico e no
transporte intracelular.
A pesquisa concluiu que a alta
expressão de VAPB no meduloblastoma se correlaciona com a
diminuição da sobrevida dos pacientes. Isso porque a proteína se mostrou
necessária para a proliferação de células do câncer – um aumento exacerbado
pode levar a uma doença ainda mais agressiva. Por outro lado, a inativação
de VAPB por meio de um processo chamado nocaute, via
tecnologia de edição gênica CRISPR/Cas9, atrasou a progressão do ciclo celular.
“Esses resultados trazem um
novo tema para melhor compreensão das bases moleculares de doenças
neurológicas. A pesquisa tem uma grande novidade que é a ligação dessa proteína
associada à neurodegeneração também com desenvolvimento de tumor. Havia estudos
mostrando a expressão dela em tumor de mama, mas ainda não ligada a câncer do
sistema nervoso central”, diz o professor Oswaldo Keith Okamoto,
do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP).
Juntamente com o professor
Floris Foijer, do Instituto Europeu de Pesquisa para a Biologia do
Envelhecimento, da Universidade de Groningen (Países Baixos), Okamoto é autor
correspondente do paper e coorientador da primeira autora, Amanda Faria Assoni,
durante seu doutorado com
apoio da FAPESP.
O trabalho foi realizado
no Centro de Estudos do Genoma Humano
e Células-Tronco, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID)
financiado pela FAPESP e coordenado pela professora Mayana Zatz, que também assina o paper.
“Na esclerose lateral
amiotrófica, essa proteína tem a expressão diminuída, causando degeneração. Por
outro lado, conseguimos verificar que a alta expressão de VAPB no
meduloblastoma se correlaciona com a redução de sobrevida do paciente. E,
quando retiramos a expressão da proteína em células tumorais, o ciclo celular
fica mais lento, mas a célula não morre. Demos os primeiros passos
identificando algumas vias que são alteradas pela falta de VAPB, mas agora
precisamos entender melhor quais vias são as mais importantes”, explica Assoni
à Agência FAPESP.
Existem poucos dados sobre
casos de meduloblastoma no Brasil, mas estima-se que um terço dos pacientes não
consiga se curar. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), os tumores do
sistema nervoso central representam cerca de 20% dos casos de neoplasia maligna
infantil, atingindo sobretudo crianças de até 5 anos.
Na população brasileira em
geral, o número estimado de novos registros de tumores do sistema nervoso
central é de 11.490 casos a cada ano no triênio 2023-2025. De acordo com o
relatório “Estimativa 2023: incidência de
câncer no Brasil”, seriam 6.110 novos casos em homens e 5.380 em
mulheres – um risco estimado de 5,8 novos casos a cada 100 mil homens e de 4,85
a cada 100 mil mulheres. Mundialmente, são 310 mil registros novos de câncer do
sistema nervoso central por ano, ou 1,6% do total de todos os outros tipos.
Técnicas
avançadas
Para desenvolver o estudo, os
pesquisadores usaram esferoides tumorais desenvolvidos a partir de linhagens
celulares de meduloblastoma, incluindo uma linhagem recém-estabelecida por eles
a partir de amostra tumoral de paciente. Para servir como controle, foram
utilizadas células neuroprogenitoras derivadas de uma linhagem de
células-tronco pluripotentes induzidas (iPSC, do inglês induced
pluripotent stem cells).
Trabalharam ainda com
sequenciamento de RNA e aplicaram a técnica de biologia molecular CRISPR para
modificação gênica, que é capaz de “editar” sequências de DNA localizadas em
qualquer região do genoma, podendo removê-las, adicioná-las ou trocá-las.
Foram feitos testes em
camundongos. Para informações clínicas relativas à sobrevida global e dados de
expressão gênica, os cientistas recorreram a uma coorte de 632 pacientes com
meduloblastoma disponível em banco científico.
“Quando modulamos VAPB, apesar
de não ser uma proteína geralmente ligada a câncer, percebemos que, ao
retirá-la das células, ela modulou várias vias classicamente estudadas em
tumores. São mecanismos celulares já bastante testados e usados como marcadores
de agressividade. Acredito que isso pode incentivar pesquisas sobre outras proteínas
como a VAPB nesse contexto dos tumores, já que atualmente não temos tratamentos
ideais para todos eles”, afirma Assoni.
Em 2020, um trabalho sob a
orientação de Okamoto e publicado na revista Brain Research havia
identificado moléculas, entre elas uma outra proteína (a OCT4), com potencial
para serem biomarcadores de meduloblastoma usando linhagens celulares
cultivadas em laboratório (leia em https://agencia.fapesp.br/34506).
“Muitos pesquisadores estudam
câncer no mundo todo. Porém, os tumores que afetam o sistema nervoso central,
por serem mais raros, são menos representados nesses estudos. Por outro lado, é
um grupo de câncer associado à alta mortalidade, com grande relevância do ponto
de vista clínico e sem novas terapias. Por isso, acho que qualquer avanço no
conhecimento sobre os tumores do sistema nervoso central é muito importante do
ponto de vista da comunidade, pacientes e familiares, por exemplo”, destaca
Okamoto.
Uma ação que partiu de
familiares de pacientes foi a Medulloblastoma
Initiative, criada em 2021 para articular apoio financeiro a
um consórcio de 13 laboratórios de pesquisa sobre o tema. Chamado Cure
Group 4 Consortium, reúne pesquisadores de vários países. O primeiro
trabalho foi publicado no ano passado, na revista Nature,
identificando um provável mecanismo de desenvolvimento da célula que dá origem
ao meduloblastoma (mais informações em https://www.nature.com/articles/s41586-022-05215-w).
O artigo Neurodegeneration-associated
protein VAPB regulates proliferation in medulloblastoma pode ser lido
em https://www.nature.com/articles/s41598-023-45319-5.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/proteina-ligada-a-doencas-neurodegenerativas-pode-ser-caminho-para-apontar-gravidade-de-cancer-no-cerebro/50418
Nenhum comentário:
Postar um comentário