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sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Até quando seremos falas interrompidas?

 Em tempos de equidade de gênero, ainda nos deparamos com uma questão que vai além das diferenças salariais e desenvolvimento de carreira profissional no mundo corporativo: “Por que, apesar de tudo, as mulheres ainda não são escutadas ou são interrompidas por homens numa reunião?” 

A procura por treinamentos e estratégias focadas em se fazer ouvida só tem aumentado, mesmo quando as mulheres alcançam cargos de alta liderança. ‘Como faço para ser escutada numa reunião?’ é mais um desafio que a mulher precisa driblar. 

Essa história de que o mundo está mudando é mesmo fato e as demandas por justiça e igualdade estão na pauta. Quando um homem interrompe a fala de uma mulher, ou pior ainda, não a deixa falar, está revelando algo muito além do perfil profissional. Ele se mostra incapaz de lidar com a diversidade de ideias e aponta sua predileção por repetir comportamentos machistas no trabalho, no bar, na escola, em casa. É uma opressão contra a mulher e tem nomes variados. Alguns deles são:
 

Gaslighting - quando o homem invalida a fala da mulher
 

Manterrupting - quando o homem interrompe uma mulher mudando de assunto ou para explicar o que ela está falando.
 

Mansplaining – quando o homem resolve dar uma palestra sobre um tema que ela domina, como se ela não soubesse de nada.
 

Cometer essas opressões é um comportamento que, cada vez mais, vem sendo combatido porque as mulheres estão se preparando e desenvolvendo técnicas e estratégias para lidar com as interrupções, os adjetivos que as anulam e as diminuem como: bonitinha, fofinha, lindinha e todas as outras opressões cometidas pelos homens para neutralizar ou invalidar a participação de uma mulher quando ela fala. 

Não se trata de uma guerra declarada, mas é preciso pôr fim ao machismo que muito fala e pouco ouve nas corporações. A tentativa é de desqualificar a fala da mulher. Nem sempre intencionalmente, mas causa dor do mesmo jeito. É uma opressão. Porque parte dela é a repetição de comportamentos que não podem mais ocorrer. Não dá mais para continuar a normalizar qualquer tipo de violência contra a mulher. 

Um estudo com o título “Eles não nos deixam falar”, feito pela professora de direito da Universidade Central Europeia de Viena e da UFMG, Juliana Cesario Alvim Gomes, com a gerente de Políticas Públicas do Nubank e economista-chefe da Zett, Rafaela Nogueira, Diego Werneck, professor de direito do Insper, e Henrique Wang, pesquisador do Insper, analisou discursos entre 1999 e 2018 e concluiu que a probabilidade de ministras serem interrompidas era de 75% a 100% superior à dos ministros. O estudo ainda traz uma reflexão sobre se os resultados das decisões mudariam se não houvesse as interrupções. 

Já outra pesquisa da Universidade George Washington, dos Estados Unidos, feita em 2014, comprovou que mulheres são duas vezes mais interrompidas que homens em conversas neutras. 

A infeliz realidade que vem ocorrendo nas empresas é que quando a mulher fala, a equidade para. A mulher precisa ser ouvida nas empresas e quem não está atento a isso, seja CPF ou CNPJ, está conivente com uma violência que interfere e atrapalha o desenvolvimento profissional e pessoal de uma mulher. 

Há uma série de técnicas que podem ajudá-las a falar de forma mais incisiva, usar a linguagem corporal, com entonação e expressões adequadas, ocupar mais espaço na reunião colocando seus pertences sobre a mesa, abrir o ombro demonstrando imagem de poder e muitas outras. 

Mas, na verdade, a luta é para ser considerada e não apenas vista. As mulheres aceitaram a interrupção das suas falas pelos homens desde sempre, desde em casa com seus pais, irmãos, tios e avós. Agora não aceitam mais. E estão fazendo isso sem briga, sem embate, porque ainda lidam com os julgamentos quando falam de formas mais incisivas. Enquanto o homem que fala da mesma forma é visto como firme, inspirador, seguro. 

As mulheres aprenderam a buscar pessoas aliadas. São aquelas verdadeiramente comprometidas com a diversidade, com a justiça, com a equidade, que identificam quando uma mulher está em apuros, tentando falar e não consegue, sendo interrompida sistematicamente por um homem ou tem a sua fala oprimida de alguma forma. Essa pessoa aliada sinaliza ao agressor que a mulher está com a palavra e deve ser ouvida. 

Um homem que não consegue respeitar a liderança e a fala feminina não consegue respeitar também o meio ambiente, a diversidade de pessoas, de ideias, a governança. Não pode sequer humanizar sua própria gestão e suas relações. 

Precisamos de mais pessoas aliadas. Entre as próprias mulheres inclusive. Aprender a dar voz às mulheres é um cuidado de todos. Não se trata de um Fla X Flu de meninas versus meninos. É um convite para nos conscientizarmos de que interromper falas femininas diz mais sobre quem interrompe do que quem é interrompida.

  

Juliana Algodoal - PhD em Análise do Discurso em Situação de Trabalho – Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem e fundadora da empresa Linguagem Direta

 

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