Em tempos de equidade de gênero, ainda nos deparamos com uma questão que vai além das diferenças salariais e desenvolvimento de carreira profissional no mundo corporativo: “Por que, apesar de tudo, as mulheres ainda não são escutadas ou são interrompidas por homens numa reunião?”
A
procura por treinamentos e estratégias focadas em se fazer ouvida só tem
aumentado, mesmo quando as mulheres alcançam cargos de alta liderança. ‘Como
faço para ser escutada numa reunião?’ é mais um desafio que a mulher precisa
driblar.
Essa
história de que o mundo está mudando é mesmo fato e as demandas por justiça e
igualdade estão na pauta. Quando um homem interrompe a fala de uma mulher, ou
pior ainda, não a deixa falar, está revelando algo muito além do perfil
profissional. Ele se mostra incapaz de lidar com a diversidade de ideias e
aponta sua predileção por repetir comportamentos machistas no trabalho, no bar,
na escola, em casa. É uma opressão contra a mulher e tem nomes variados. Alguns
deles são:
Gaslighting - quando o
homem invalida a fala da mulher
Manterrupting - quando o
homem interrompe uma mulher mudando de assunto ou para explicar o que ela está
falando.
Mansplaining – quando o
homem resolve dar uma palestra sobre um tema que ela domina, como se ela não
soubesse de nada.
Cometer essas opressões é um comportamento que, cada vez mais, vem
sendo combatido porque as mulheres estão se preparando e desenvolvendo técnicas
e estratégias para lidar com as interrupções, os adjetivos que as anulam e as
diminuem como: bonitinha, fofinha, lindinha e todas as outras opressões
cometidas pelos homens para neutralizar ou invalidar a participação de uma
mulher quando ela fala.
Não
se trata de uma guerra declarada, mas é preciso pôr fim ao machismo que muito
fala e pouco ouve nas corporações. A tentativa é de desqualificar a fala da
mulher. Nem sempre intencionalmente, mas causa dor do mesmo jeito. É uma
opressão. Porque parte dela é a repetição de comportamentos que não podem mais
ocorrer. Não dá mais para continuar a normalizar qualquer tipo de violência
contra a mulher.
Um estudo com o título “Eles não nos deixam falar”, feito pela
professora de direito da Universidade Central Europeia de Viena e da UFMG,
Juliana Cesario Alvim Gomes, com a gerente de Políticas Públicas do Nubank e
economista-chefe da Zett, Rafaela Nogueira, Diego Werneck, professor de direito
do Insper, e Henrique Wang, pesquisador do Insper, analisou discursos entre
1999 e 2018 e concluiu que a probabilidade de ministras serem interrompidas era
de 75% a 100% superior à dos ministros. O estudo ainda traz uma reflexão sobre
se os resultados das decisões mudariam se não houvesse as interrupções.
Já
outra pesquisa da Universidade George Washington, dos Estados Unidos, feita em
2014, comprovou que mulheres são duas vezes mais interrompidas que homens em
conversas neutras.
A
infeliz realidade que vem ocorrendo nas empresas é que quando a mulher fala, a
equidade para. A mulher precisa ser ouvida nas empresas e quem não está atento
a isso, seja CPF ou CNPJ, está conivente com uma violência que interfere e
atrapalha o desenvolvimento profissional e pessoal de uma mulher.
Há
uma série de técnicas que podem ajudá-las a falar de forma mais incisiva, usar
a linguagem corporal, com entonação e expressões adequadas, ocupar mais espaço
na reunião colocando seus pertences sobre a mesa, abrir o ombro demonstrando
imagem de poder e muitas outras.
Mas,
na verdade, a luta é para ser considerada e não apenas vista. As mulheres
aceitaram a interrupção das suas falas pelos homens desde sempre, desde em casa
com seus pais, irmãos, tios e avós. Agora não aceitam mais. E estão fazendo
isso sem briga, sem embate, porque ainda lidam com os julgamentos quando falam
de formas mais incisivas. Enquanto o homem que fala da mesma forma é visto como
firme, inspirador, seguro.
As
mulheres aprenderam a buscar pessoas aliadas. São aquelas verdadeiramente
comprometidas com a diversidade, com a justiça, com a equidade, que identificam
quando uma mulher está em apuros, tentando falar e não consegue, sendo
interrompida sistematicamente por um homem ou tem a sua fala oprimida de alguma
forma. Essa pessoa aliada sinaliza ao agressor que a mulher está com a palavra
e deve ser ouvida.
Um
homem que não consegue respeitar a liderança e a fala feminina não consegue
respeitar também o meio ambiente, a diversidade de pessoas, de ideias, a
governança. Não pode sequer humanizar sua própria gestão e suas relações.
Precisamos
de mais pessoas aliadas. Entre as próprias mulheres inclusive. Aprender a dar
voz às mulheres é um cuidado de todos. Não se trata de um Fla X Flu de meninas
versus meninos. É um convite para nos conscientizarmos de que interromper falas
femininas diz mais sobre quem interrompe do que quem é interrompida.
Juliana
Algodoal - PhD em Análise do Discurso em Situação de Trabalho – Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem e fundadora da empresa Linguagem Direta
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