Pesquisador da Cátedra da Unesco do Oceano alerta para a perda de biodiversidade na Amazônia Azul
Mero, o “gigante dos mares”, é uma das espécies brasileiras ameaçadas
A rica biodiversidade animal nos cerca de 5,7 milhões de km²
do território marítimo brasileiro – também chamado de Amazônia Azul – enfrenta
ameaças crescentes ocasionadas pela ação humana, alerta o Prof. Dr. Alexander
Turra, coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano e
conselheiro da Conselho Regional de Biologia da 1ª Região (CRBio-01).
O Biólogo aponta as cinco principais pressões sobre as
espécies nativas que habitam a região. A primeira é a supressão de habitats na
costa brasileira, por exemplo, com a degradação de áreas de restingas e dunas
para urbanização. Os casos ainda mais graves são os de supressão de áreas de
manguezal para a construção de portos, marinas, fazendas de produção de
camarão, áreas de produção de sal e outras atividades econômicas.
Alexander Turra, que também é professor titular do Instituto
Oceanográfico da USP (IOUSP), ressalta que os manguezais servem de berçário
para inúmeras espécies marinhas, que passam ali parte do seu ciclo de vida. O
mero, conhecido como “gigante dos mares”, um peixe que pode chegar a até 3m de
comprimento e 300kg, é uma das espécies brasileiras ameaçadas pela combinação
da supressão dos manguezais e sobrepesca.
A sobrepesca, por sua vez, é um fenômeno de escala mundial.
A captura além da capacidade de reposição reduz as populações de diferentes
espécies. Nos últimos anos, a comunidade científica, ONGs e grupos de pressão
elevaram o tom das críticas contra a pesca industrial e a discussão chegou ao
público por meio de documentários e da imprensa. Mas a pressão por restrições
enfrenta o lobby sólido da indústria pesqueira e argumentos sobre a importância
dos pescados em um mundo onde ainda há insegurança alimentar e fome.
Alexander Turra lembra que há uma série de regulamentações
para a pesca no Brasil. O defeso proíbe a captura de algumas espécies durante
determinados meses do ano. Há unidades de conservação com restrições à pesca ou
onde não se pode fazer qualquer tipo de captura, que acabam funcionando como
áreas de produção de pescado – cerca de um quarto da Amazônia Azul é protegida
por unidades de conservação.
O Biólogo cita também legislações regionais que proíbem
certas práticas, como no estado do Rio Grande do Sul, que estabeleceu uma área
de exclusão de arrasto de até 12 milhas da costa.
No entanto, ele ressalta, o desafio é conseguir que a regulamentação
seja efetivamente respeitada. As atividades pesqueiras comumente acontecem
distante da costa e dos olhos das autoridades, o que dificulta a fiscalização.
A terceira ameaça às espécies marinhas brasileiras – e
planetárias – é a poluição do oceano. O esgoto residencial e industrial lançado
no mar contém poluentes como óleo e metais pesados, além de material orgânico.
Alexander Turra chama a atenção em particular para o dano
causado aos animais pela poluição por plásticos. A partir de meados do século
passado, com a chamada Revolução dos Plásticos, o lançamento de lixo plástico
no oceano cresceu exponencialmente. Ao contrário de outros materiais, o
plástico demora um longo tempo para se degradar e fica acumulado na água.
Quando o plástico finalmente se degrada, origina pequenas
partículas, os microplásticos, que são ingeridos por peixes, tartarugas,
mamíferos, aves marinhas e invertebrados, muitos deles consumidos pelos seres
humanos, que podem se contaminar ao comer os pescados.
“Os animais marinhos sofrem também com a chamada pesca
fantasma, que é acarretada pelos petrechos de pesca perdidos ou abandonados no
oceano pelos barcos pesqueiros. Armadilhas, linhas e redes deixadas na água
continuam capturando os animais, que com frequência morrem”, relata Alexander
Turra.
A invasão de espécies exóticas também representa um risco
para os animais marinhos que ocorrem na Amazônia Azul. Como acontece em terra,
as espécies exóticas invasoras podem predar as nativas e provocar
desequilíbrios nos ecossistemas marinhos.
É o caso do peixe-leão, espécie exótica que se instalou em
águas brasileiras, principalmente no litoral da Região Nordeste. A população de
peixe-leão cresceu rapidamente nesses locais, porque eles não têm predadores
naturais. Por sua vez, eles se alimentam de espécies de peixes menores, cujas
populações vêm se reduzindo.
Alexander Turra explica que as espécies exóticas chegam aqui
por meio do transporte marítimo, na água de lastro e casco das embarcações. A
água de lastro é a água do mar bombeada para tanques no interior do navio, que
tem por finalidade estabilizar a embarcação. Ela contém organismos em estágios
iniciais de desenvolvimento, que são introduzidos aqui quando os barcos
despejam a água de lastro na região costeira.
Outras espécies exóticas chegam aqui incrustadas no casco
das embarcações e nas plataformas de petróleo. O Biólogo ressalta que o Brasil
segue protocolos internacionais de prevenção às duas ocorrências. No caso da
água de lastro, um dos procedimentos é trocar o conteúdo dos tanques antes de a
embarcação estar próxima da costa e assim evitar a introdução nos portos de
organismos de ecossistemas distantes. Quanto aos cascos e plataformas, o
protocolo é minimizar as incrustações por meio da manutenção adequada e
pintura.
Por fim, as mudanças climáticas são uma ameaça comum à fauna
e flora terrestre e marinha, alerta Alexander Turra. Os impactos negativos
sobre as espécies marinhas são diversos.
O aumento da temperatura da água leva à morte de animais,
principalmente em águas rasas e em baías. O derretimento da calota polar e
geleiras provoca a elevação do nível do mar, o que afeta os habitats costeiros,
como praias e manguezais, que podem desaparecer em algumas localidades.
Outra consequência da elevação da temperatura da água é a
migração de parte dos indivíduos de algumas espécies marinhas em direção aos
polos. A chegada dessas espécies em novos locais causa desequilíbrios. Numa
situação mais extrema de aquecimento global, poderia haver uma redução da
biodiversidade nas áreas mais quentes do oceano.
O aquecimento das águas está provocando também o
branqueamento dos corais. O fenômeno ocorre porque os organismos unicelulares
que vivem dentro dos corais e os alimentam acabam se desalojando. Como
resultado, os corais perdem a coloração característica e tendem a morrer, se as
condições não voltarem à normalidade rapidamente. O branqueamento acontece em
regiões tropicais do planeta, inclusive nos recifes de corais no litoral do
Nordeste brasileiro.
Alexander Turra destaca também que o excesso de CO2
na atmosfera, que causa o efeito estufa, também provoca a acidificação das
águas, uma vez que boa parte desse gás é absorvida pelo oceano. O fenômeno tem
consequências dramáticas para organismos marinhos com estruturas calcárias,
como esqueletos e conchas, pois compromete a calcificação.
“A ação extremamente urgente é reduzir as emissões de gases
de efeito estufa. O aquecimento global intensifica as pressões causadas por
outros estressores. Mas não dá para desconsiderar os outros agressores. Precisamos
também fortalecer o licenciamento ambiental para diminuir as emissões de
poluentes e ampliar e melhorar a gestão das unidades de conservação. É
necessário ainda controlar a supressão de habitats, a pesca e a invasão de
espécies exóticas”, afirma o Biólogo.
A nova edição da revista O Biólogo, do
CRBio-01, traz um dossiê completo sobre a perda da biodiversidade no Brasil.
Leia AQUI.
Alexander Turra - Biólogo da Cátedra da Unesco e Conselho de
Biologia
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