Segundo a psicóloga
e arteterapeuta Cecília Rocha, para lidarem com a culpa materna, mulheres
precisam, em primeiro lugar, conscientizarem-se de que o ideal de maternidade é
irreal e opressor
A mãe é a peça-chave para o desenvolvimento
emocional dos filhos. Isto porque ela é a grande responsável por fornecer o
cuidado necessário para que a criança se sinta acolhida em seus sentimentos e
adquira confiança em sua autoimagem e autoestima, características fundamentais
à vida adulta. Por desempenharem esse importante papel é comum que muitas mães
se sintam culpadas quando algo sai diferente daquilo que elas imaginaram no que
diz respeito à criação de seus filhos.
Para a psicóloga e arteterapeuta Cecília Rocha,
porém, a origem da culpa materna vai além. Ela tem raízes profundas no que a
sociedade projeta como sendo a imagem de uma mãe ideal e nas exigências
impostas à função de mãe. Segundo Cecília, é vendida a ideia de que ser mãe é
completude, mas o puerpério caracteriza-se por mudanças hormonais e sentimentos
ambivalentes, sendo muito comum, nesta fase, surgirem pensamentos ligados a
arrependimento e raiva. “Tendo sentimentos que dizem a elas que não 'deveriam'
ter, muitas mães desenvolvem culpa”, explica.
Favorece também o sentimento de culpa, o fato de as
mães serem julgadas enquanto mulheres. Conforme a psicóloga, na sociedade
atual, a mãe precisa ter inteira responsabilidade pela maternagem e ainda ser
uma boa esposa, não abandonar a carreira, ser ótima profissional, cuidar da
aparência, da autoimagem e da autoestima, ler, fazer cursos, praticar atividade
física e ter vida social. “Quando a mulher percebe que não consegue dar conta
de tudo isso, compara-se com outras mulheres, sente-se inferior, cansada e
extremamente culpada”, comenta.
De acordo com a especialista, para evitar o excesso
de funções, é preciso difundir a ideia de que a mãe não é a única pessoa que
pode cuidar do filho. “Na história ancestral, o bebê humano era criado em
pequenos grupos. Isso mostra que a natureza do bebê humano não é ser cuidado
por uma pessoa só”, afirma. Neste contexto, segundo Cecília, o pai tem papel
fundamental. “Parentalidade não é só trazer dinheiro para a casa, é participar
do cuidado”, enfatiza.
A psicóloga destaca ainda a importância de a mãe
ter uma rede de apoio para que não se sinta sobrecarregada e culpada. Nesse
sentido, a psicóloga aborda a necessidade de se substituir a noção de culpa por
responsabilidade, sendo que esta deve ser dividida por aqueles que de alguma
forma entram em contato com a criança no dia a dia. “Todos que interagem com a
criança na fase matriarcal, - onde há a construção do 'eu' - são responsáveis
pela qualidade do desenvolvimento emocional e físico dessa criança”, diz.
A culpa materna é nociva tanto para a mãe quanto
para o filho e por isso deve ser combatida. Segundo a arteterapeuta, o
sentimento de culpa vem acompanhado de uma sensação de incapacidade,
ineficácia, frustração e inferioridade, que acaba por afetar a saúde mental da
mulher, causando tristeza e angústia, que, por sua vez, podem agravar-se em quadros
de ansiedade e depressão.
Não é de se estranhar, dessa forma, que a relação
com os filhos também seja afetada. De acordo com Cecília, mães com sentimento
de culpa acabam não contrariando seus filhos. “Elas sentem medo de frustrar,
impor limites e estabelecer regras de convivência e isso é muito nocivo, tanto
para o relacionamento entre pais e filhos, quanto para o desenvolvimento
emocional dessas crianças”, comenta. Conforme a psicóloga, crianças se inserem
na sociedade através da frustração, ao entenderem que a prioridade do outro
pode ser maior do que a delas.
Com o objetivo de auxiliar as mulheres a lidar com
a culpa materna, algumas estratégias podem ser adotadas, segundo a
arteterapeuta. “Em primeiro lugar, as mulheres precisam se conscientizar de que
o ideal de maternidade é irreal e opressor. Assim conseguirão observar a culpa
de um lugar mais consciente e realista”, diz. Segundo a psicóloga, a partir
desse novo olhar, muitas mães começam a compreender sua própria humanidade
dentro do processo da maternidade. “Isso é libertador, pois a mãe percebe que a
perfeição é uma grande ilusão, em todas as áreas da vida”, ressalta.
Conforme Cecília, é também de grande valia no
enfrentamento da culpa materna a comunicação aberta e o apoio emocional. A
psicóloga enfatiza que a maternidade exige que a mãe conheça e cuide dos seus
limites. Nesse sentido, comunicação e o apoio emocional são essenciais.
“Identificar, nomear e expressar as emoções é sempre um caminho transformador,
pois melhora nossa relação com os outros e conosco mesmos, preservando nossa
autoestima, que costuma ficar abalada pelo sentimento de culpa”, diz.
Do mesmo modo praticar a autocompaixão contribui
para que as mães fiquem menos suscetíveis ao sentimento de culpa, porque elas
se sentem mais seguras e confiantes. A psicóloga explica que autocompaixão
ajuda as pessoas enfrentarem os desafios da vida com um olhar mais gentil sobre
si mesmas, com menos autocrítica e praticando o autoperdão. “No caso da
maternidade traz mais flexibilidade no agir, diminuindo assim o medo de errar e
tornando mais fácil a tarefa de encontrar novos caminhos”, afirma.
Cecília também enfatiza a importância de
descontruir mitos e estereótipos sobre a materndade com o intuito de reduzir a
culpa materna. “Só assim as mulheres estarão abertas a enfrentar os desafios da
maternidade (que são muitos) em paz consigo mesmas e poderão ser mães inteiras
e humanas, trazendo essa inteireza e humanidade para as próximas gerações”.
Para concluir, Cecília traz uma outra reflexão: “é
importante entender que quando uso a palavra mãe, não precisa ‘necessariamente’
ser a mãe concreta, mas sim a pessoa que está cuidando da criança. A maternagem
é uma função, então a palavra mãe refere-se a pessoa que exerça, na vida da
criança, a maternagem, o cuidado, que pode ser mulher, homem, quem for”,
conclui.
Cecília
Rocha – Psicóloga,
Especialista em TCC (terapia cognitiva comportamental) pela FMUSP, Arteterapeuta,
Mediadora de conflitos.
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