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sábado, 27 de maio de 2023

Culpa materna é resultado de ideia vendida pela sociedade de que a mãe deve ser perfeita

Segundo a psicóloga e arteterapeuta Cecília Rocha, para lidarem com a culpa materna, mulheres precisam, em primeiro lugar, conscientizarem-se de que o ideal de maternidade é irreal e opressor

 

A mãe é a peça-chave para o desenvolvimento emocional dos filhos. Isto porque ela é a grande responsável por fornecer o cuidado necessário para que a criança se sinta acolhida em seus sentimentos e adquira confiança em sua autoimagem e autoestima, características fundamentais à vida adulta. Por desempenharem esse importante papel é comum que muitas mães se sintam culpadas quando algo sai diferente daquilo que elas imaginaram no que diz respeito à criação de seus filhos.

Para a psicóloga e arteterapeuta Cecília Rocha, porém, a origem da culpa materna vai além. Ela tem raízes profundas no que a sociedade projeta como sendo a imagem de uma mãe ideal e nas exigências impostas à função de mãe. Segundo Cecília, é vendida a ideia de que ser mãe é completude, mas o puerpério caracteriza-se por mudanças hormonais e sentimentos ambivalentes, sendo muito comum, nesta fase, surgirem pensamentos ligados a arrependimento e raiva. “Tendo sentimentos que dizem a elas que não 'deveriam' ter, muitas mães desenvolvem culpa”, explica.

Favorece também o sentimento de culpa, o fato de as mães serem julgadas enquanto mulheres. Conforme a psicóloga, na sociedade atual, a mãe precisa ter inteira responsabilidade pela maternagem e ainda ser uma boa esposa, não abandonar a carreira, ser ótima profissional, cuidar da aparência, da autoimagem e da autoestima, ler, fazer cursos, praticar atividade física e ter vida social. “Quando a mulher percebe que não consegue dar conta de tudo isso, compara-se com outras mulheres, sente-se inferior, cansada e extremamente culpada”, comenta.

De acordo com a especialista, para evitar o excesso de funções, é preciso difundir a ideia de que a mãe não é a única pessoa que pode cuidar do filho. “Na história ancestral, o bebê humano era criado em pequenos grupos. Isso mostra que a natureza do bebê humano não é ser cuidado por uma pessoa só”, afirma. Neste contexto, segundo Cecília, o pai tem papel fundamental. “Parentalidade não é só trazer dinheiro para a casa, é participar do cuidado”, enfatiza.

A psicóloga destaca ainda a importância de a mãe ter uma rede de apoio para que não se sinta sobrecarregada e culpada. Nesse sentido, a psicóloga aborda a necessidade de se substituir a noção de culpa por responsabilidade, sendo que esta deve ser dividida por aqueles que de alguma forma entram em contato com a criança no dia a dia. “Todos que interagem com a criança na fase matriarcal, - onde há a construção do 'eu' - são responsáveis pela qualidade do desenvolvimento emocional e físico dessa criança”, diz.

A culpa materna é nociva tanto para a mãe quanto para o filho e por isso deve ser combatida. Segundo a arteterapeuta, o sentimento de culpa vem acompanhado de uma sensação de incapacidade, ineficácia, frustração e inferioridade, que acaba por afetar a saúde mental da mulher, causando tristeza e angústia, que, por sua vez, podem agravar-se em quadros de ansiedade e depressão.

Não é de se estranhar, dessa forma, que a relação com os filhos também seja afetada. De acordo com Cecília, mães com sentimento de culpa acabam não contrariando seus filhos. “Elas sentem medo de frustrar, impor limites e estabelecer regras de convivência e isso é muito nocivo, tanto para o relacionamento entre pais e filhos, quanto para o desenvolvimento emocional dessas crianças”, comenta. Conforme a psicóloga, crianças se inserem na sociedade através da frustração, ao entenderem que a prioridade do outro pode ser maior do que a delas.

Com o objetivo de auxiliar as mulheres a lidar com a culpa materna, algumas estratégias podem ser adotadas, segundo a arteterapeuta. “Em primeiro lugar, as mulheres precisam se conscientizar de que o ideal de maternidade é irreal e opressor. Assim conseguirão observar a culpa de um lugar mais consciente e realista”, diz. Segundo a psicóloga, a partir desse novo olhar, muitas mães começam a compreender sua própria humanidade dentro do processo da maternidade. “Isso é libertador, pois a mãe percebe que a perfeição é uma grande ilusão, em todas as áreas da vida”, ressalta.

Conforme Cecília, é também de grande valia no enfrentamento da culpa materna a comunicação aberta e o apoio emocional. A psicóloga enfatiza que a maternidade exige que a mãe conheça e cuide dos seus limites. Nesse sentido, comunicação e o apoio emocional são essenciais. “Identificar, nomear e expressar as emoções é sempre um caminho transformador, pois melhora nossa relação com os outros e conosco mesmos, preservando nossa autoestima, que costuma ficar abalada pelo sentimento de culpa”, diz.

Do mesmo modo praticar a autocompaixão contribui para que as mães fiquem menos suscetíveis ao sentimento de culpa, porque elas se sentem mais seguras e confiantes. A psicóloga explica que autocompaixão ajuda as pessoas enfrentarem os desafios da vida com um olhar mais gentil sobre si mesmas, com menos autocrítica e praticando o autoperdão. “No caso da maternidade traz mais flexibilidade no agir, diminuindo assim o medo de errar e tornando mais fácil a tarefa de encontrar novos caminhos”, afirma.

Cecília também enfatiza a importância de descontruir mitos e estereótipos sobre a materndade com o intuito de reduzir a culpa materna. “Só assim as mulheres estarão abertas a enfrentar os desafios da maternidade (que são muitos) em paz consigo mesmas e poderão ser mães inteiras e humanas, trazendo essa inteireza e humanidade para as próximas gerações”.

Para concluir, Cecília traz uma outra reflexão: “é importante entender que quando uso a palavra mãe, não precisa ‘necessariamente’ ser a mãe concreta, mas sim a pessoa que está cuidando da criança. A maternagem é uma função, então a palavra mãe refere-se a pessoa que exerça, na vida da criança, a maternagem, o cuidado, que pode ser mulher, homem, quem for”, conclui.

 

Cecília Rocha – Psicóloga, Especialista em TCC (terapia cognitiva comportamental) pela FMUSP, Arteterapeuta, Mediadora de conflitos.


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