Dentre as pautas levantadas pela comunidade LGBTQIAP+, existe a da parentalidade homoafetiva ou transafetiva e os desafios enfrentados para o exercício da parentalidade. Para quebrar alguns vieses acerca do assunto, a Filhos no Currículo, consultoria que atua na criação e na revisão de políticas parentais dentro das organizações, une esforços com especialistas em parentalidade e em direito materno para discutir políticas dentro das empresas que fomentem benefícios trabalhistas igualitários.
De acordo com Camila Antunes, socia-fundadora da
Filhos no Currículo, é preciso intensificar a pauta da diversidade nas
empresas, buscando atualizar os programas de parentalidade vigentes, além de
pressionar o poder público a pautar iniciativas como o projeto de lei (PL
1.974), que dispõe sobre o Instituto da Parentalidade e os direitos dela
decorrentes em todo o território nacional.
Direitos relacionados à Parentalidade
Camila cita o projeto de lei, que pretende
assegurar direitos igualitários a qualquer trabalhador brasileiro celetista,
servidor público e demais segurados pelo regime da Previdência Social, que
tenham vínculo maternal, paternal, de adoção, socioafetivo, ou outro que
resulte no dever legal de realizar a atividade parental de uma criança.
Caso aprovado, o projeto concederá licença parental
para até duas pessoas de referência para uma mesma criança ou adolescente, seja
pai e mãe, duas mães, ou dois pais, cada uma fazendo jus a um período de 180
dias. Além disso, prevê a estabilidade no emprego para as pessoas de referência
da criança após o período de licença parental, por um prazo também de 180 dias.
Segundo a advogada Bianca Bomfim, consultora da
Filhos no Currículo para Direito Parental, no caso dos casais homoafetivos, no
qual uma das mães é gestante, muitas vezes apenas essa mãe consegue a licença
maternidade de 120 ou 180 dias, além dos direitos relativos à pausa para
amamentação ou para oferta do leite, creche, auxílio creche, dentre outros.
“Não existe lei que estabeleça de forma clara esses
direitos para o pai, no caso de um casal heteronormativo, ou para ambas as mães
e ambos os pais, no caso de casais homoafetivos. Portanto, toda vez que um
casal homoafetivo pretender o reconhecimento desses direitos, muitas vezes
precisará ajuizar uma ação para que isso seja garantido. Nossa legislação é
heteronormativa. Igualar a proteção garantida às pessoas de referência de cada
criança, pode reduzir assimetrias de gênero no mercado de trabalho, e
representar um relevante passo para alcançar um leque maior de configurações
familiares. Atualmente, as empresas se deparam com situações desafiadoras e não
possuem respaldo legal que defina o que fazer em determinadas situações, a
exemplo de quando uma família é formada por dois pais, ou duas mães que estão
adotando uma criança. Como escolher a quem garantir o período mais amplo de
licença e outros direitos?”, completa.
Camila Antunes frisa o papel das lideranças nesse
cenário. “Só as políticas em si não se sustentam da porta para dentro sem o apoio
do time de gestão. É preciso capacitar as lideranças para acolher a
parentalidade oferecendo ferramentas socioemocionais e repertório para que
criem um ambiente que promova segurança e pertencimento para todas as pessoas”,
comenta. Em pesquisa divulgada recentemente pela Filhos no Currículo, foi
perguntado aos profissionais com filhos quais seriam as iniciativas e atitudes
que melhor definem uma empresa “pró-família”: 72% dos entrevistados responderam
que a liderança acolhedora e empática é a característica mais esperada nesses
ambientes.
Invisibilização parental
A instabilidade de direitos garantidos acontece
diariamente dentro das empresas quando uma configuração familiar diversa
anuncia que está para se formar. Foi o caso de Betho Fers e o marido Erick
Silva. Quando adotaram a pequena Stephanie em 2018, ambos trabalhavam em
empresas. Após os cinco dias de licença paternidade, Betho foi demitido sem
qualquer benefício. Erick foi demitido após retornar de sua licença, que foi
uma licença parental estendida.
“Para nós, a invisibilização já começou quando ele
recebeu o papel, que era pautado em uma licença ‘maternidade’. Na empresa na
qual trabalhava recebi os direitos garantidos a um pai, seguindo o estigma de
um casal de pai e mãe que tem funções e presenças diferentes na criação dos
filhos. Porém, sempre deixei muito claro no trabalho de que
eu viveria juntamente com o meu marido toda a experiência com nossa filha, como
ir junto ao pediatra e visitar as escolas. É uma conquista que dividimos de
forma igual. Acredito que, se eu fosse casado com uma mulher, minha demissão não
teria acontecido por conta desse estigma heteronormativo”, conta.
Nas organizações
Camila, da Filhos no Currículo, salienta que vem
percebendo uma procura significativa de empresas por boas práticas de
acolhimento das demandas relacionadas a formatos diversificados de família.
“Sempre pontuamos nas empresas que o primeiro passo
é oferecer benefícios isonômicos, considerando todos os vínculos socioafetivos
existentes e partindo da premissa de que Filhos são potência na vida de todo
adulto que ocupa um papel parental”, frisa.
Além disso, a consultoria sugere algumas premissas
importante para o alcance dessa isonomia de gênero:
- Equiparar
os períodos de licença paternidade e licença maternidade para uma licença
parental de 120 ou 180 dias;
- Considerar
como parentalidade o vínculo socioafetivo maternal, paternal, de adoção ou
qualquer outro, onde as pessoas de referência da criança se comprometem
legalmente com o exercício da parentalidade e estão sujeitas às
responsabilidades decorrentes do dever de cuidado;
- Criar
políticas que garantam a não discriminação de mães e pessoas LGBTQIA+ com
filhos no ingresso ou promoção na carreira;
- Garantir
que ambos pais e mães possam se ausentar para participar de todas as
consultas e exames durante o período de gestação, e posteriormente as
consultas médicas, emergências e outras demandas urgentes dos filhos, sem
desconto salarial.
- Garantir
a creche de forma direta ou mediante convênio ou, alternativamente, o
auxílio creche/cuidador(a) a todos os colaboradores que tiverem filhos até
4 anos de idade;
- Garantir
que qualquer pai ou mãe possa usufruir os intervalos para amamentação e/ou
extração de leite em caso de regime de aleitamento;
- Garantir
que os pais e mães possam tirar períodos curtos de licença remunerada até
que o filho complete 10 anos, sempre que identificada a necessidade de
algum acompanhamento específico;
- Permitir
um retorno gradual ao trabalho pós licença, aos cuidadores que exercem um
papel parental
- Criar
grupos de afinidade, fomentar rodas de conversa e realizar mapeamentos
para detectar os pontos internos sensíveis dos colaboradores;
- Trazer
workshops sobre o exercício da parentalidade e os impactos dessa nova
realidade na carreira e no espaço de trabalho, incluindo as histórias de
famílias homoparentais e transparentais.
- Capacitar
a liderança para que acolha a parentalidade nos seus múltiplos formatos a
partir de treinamentos de desconstrução de vieses e consciência do impacto
positivo da experiência da parentalidade na vida de seus colaboradores.
Filhos no Currículo
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