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quarta-feira, 4 de setembro de 2019

SINGELAS EXPLICAÇÕES DO MUNDO


Nobres e plebeus. Plebeus iguais a plebeus, era massa geral indistinta. Nobres organizavam-se e estabeleciam distinção entre si mesmos: barão, o menor grau na hierarquia nobiliárquica; acima dele, o visconde; depois, o conde, que ficava abaixo do marquês; então, o duque, que trazia acima de si o príncipe; por fim, coroado, o rei.

Esses títulos eram e são conferidos pelo rei e se tornam hereditários. Essa gente, tão-só por ter nascido, tinha e tem enormes vantagens sociais. Parece coisa do passado. Não é. Grande parte da Europa vive nesse sistema. Vive e gosta: segundo pesquisas recentes, quase 70% da população inglesa admira sua rainha. Pode? Não, não pode, mas pode.

Os nobres se haviam, antes da Revolução Francesa, como primeiro estado. O segundo estado era a hierarquia católica: padre, monsenhor, bispo, arcebispo, cardeal, papa. Relações religiosas de subordinação. Muitos se fazem vassalos dessas estruturas. Espontaneamente, os sequiosos por uma conjeturada salvação sujeitam-se a elas.

As multidões, mais do que crer, movem suas vidas por tais coisas. Sofrem angustiadas por uma briga sem fim que acontece nas entranhas da psique: uma luta entre seus desejos e suas interdições. Seus prazeres são pecados; seus pecados, culpas; suas culpas, insuportáveis. O que é insuportável é recalcado, escondido no inconsciente; fica infernizando a vida.

E os nobres com isso? Recorro a eles para mostrar como é difícil nos livrarmos do que se nos assenta como tradição. Somos república desde 1889. A república moderna é uma invenção burguesa. A burguesia nos legou esse valor. Bem, não obstante sermos plebeus, republicanos e com aspiração a burgueses, como consideramos a nossa própria condição?

Não nos temos nada bem a nós mesmos. Conforme o dicionário (edito o Houaiss): plebeu é o comum, de qualidade ordinária, destituído de distinção, reles; burguês é, pejorativamente, aquele que não tem grandeza nem abertura de espírito por excessivo interesse por êxito material, o que tem valores conservadores no âmbito político, social e cultural.

E como avaliamos o nobre? Bem, dizemos, é aquele que merece respeito por seus méritos e qualidades; digno, ilustre, emérito; que se distingue por sua solenidade, pompa; majestoso, augusto, magnífico; que é voltado para o bem; elevado, magnânimo, generoso. Ingratos! Devemos o que somos à burguesia, mas espinaframos o burguês e exaltamos a nobreza.

Será que alguém com um rasgo de sensatez acredita mesmo que esses epítetos cabem a um nobre? Servidão voluntária. É tamanho o ímpeto de subordinação, inclusive a uma ordem já sem sentido, que permanecemos denominando o que temos de melhor com esse vocábulo: metal nobre, tecido nobre, horário nobre, comportamento nobre, nobre autoridade.

Os plebeus eram o gado dessa gente. A burguesia pôs fim a essa organização do mundo, impondo seu próprio arranjo. É o que está por aí. Para muitos, estamos na solução final da História, como se não houvesse mais o que fazer. De fato, as tentativas de superar a ordem burguesa restaram em ditadura. Também é verdade que o Brasil não é exatamente burguês.

Somos conceitualmente patrimonialistas; na prática, um compadrio corrupto. O ranço coronelista, sem nenhum argumento moral, trocou a herança de títulos pela herança de capital. Ademais, não há sustentação ética que possa manter declarações formais de igualdade enquanto se pratica uma materialidade desigual de condição socioeconômica.

Mentalidade (copidesco o Aurélio): o conjunto dos hábitos intelectuais e psíquicos de um povo. Nossos hábitos intelectuais? Não vamos bem nisso; ficamos na rabeira de todos os índices internacionais que medem sabença de qualquer coisa. Nossos hábitos psíquicos? Reprimidos encomendando-se espírito de luz, caminho do céu, unguento da salvação.

Outro pensamento: um bravo líder sindical de nome Jorge Feliciano (maltratado pela Ditadura) expôs ao patrão certas ideias que elucubrara. O patrão as houve como boas; Jorge reverteu-se: deu-as por más. Ante o espanto patronal, elucidou: “Se é boa pra ti, não pode ser boa pra mim”. A isso se chama consciência de situação no mundo. Pouca gente a tem.

A grande parte cai singelamente em crenças e subordinações: imita tipos notórios, submete desejos a religião, inveja posição. Afirmo que há rotas mais felizes: dá gozo ao corpo e à vida, faz bem ao coração; peca contra a moral repressora, tua psique agradece; e lembra-te do Jorge: o que é bom para os soberanos do sistema não é bom para mais ninguém.



Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicólogo e Jornalista.

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