Nobres e plebeus. Plebeus
iguais a plebeus, era massa geral indistinta. Nobres organizavam-se e estabeleciam
distinção entre si mesmos: barão, o menor grau na hierarquia nobiliárquica;
acima dele, o visconde; depois, o conde, que ficava abaixo do marquês; então, o
duque, que trazia acima de si o príncipe; por fim, coroado, o rei.
Esses títulos eram e são conferidos
pelo rei e se tornam hereditários. Essa gente, tão-só por ter nascido, tinha e
tem enormes vantagens sociais. Parece coisa do passado. Não é. Grande parte da
Europa vive nesse sistema. Vive e gosta: segundo pesquisas recentes, quase 70%
da população inglesa admira sua rainha. Pode? Não, não pode, mas pode.
Os nobres se haviam, antes
da Revolução Francesa, como primeiro estado. O segundo estado era a hierarquia
católica: padre, monsenhor, bispo, arcebispo, cardeal, papa. Relações
religiosas de subordinação. Muitos se fazem vassalos dessas estruturas.
Espontaneamente, os sequiosos por uma conjeturada salvação sujeitam-se a elas.
As multidões, mais do que
crer, movem suas vidas por tais coisas. Sofrem angustiadas por uma briga sem
fim que acontece nas entranhas da psique: uma luta entre seus desejos e suas
interdições. Seus prazeres são pecados; seus pecados, culpas; suas culpas,
insuportáveis. O que é insuportável é recalcado, escondido no inconsciente;
fica infernizando a vida.
E os nobres com isso?
Recorro a eles para mostrar como é difícil nos livrarmos do que se nos assenta
como tradição. Somos república desde 1889. A república moderna é uma invenção
burguesa. A burguesia nos legou esse valor. Bem, não obstante sermos plebeus,
republicanos e com aspiração a burgueses, como consideramos a nossa própria
condição?
Não nos temos nada bem a
nós mesmos. Conforme o dicionário (edito o Houaiss): plebeu é o comum, de
qualidade ordinária, destituído de distinção, reles; burguês é,
pejorativamente, aquele que não tem grandeza nem abertura de espírito por
excessivo interesse por êxito material, o que tem valores conservadores no
âmbito político, social e cultural.
E como avaliamos o nobre?
Bem, dizemos, é aquele que merece respeito por seus méritos e qualidades;
digno, ilustre, emérito; que se distingue por sua solenidade, pompa; majestoso,
augusto, magnífico; que é voltado para o bem; elevado, magnânimo, generoso.
Ingratos! Devemos o que somos à burguesia, mas espinaframos o burguês e
exaltamos a nobreza.
Será que alguém com um
rasgo de sensatez acredita mesmo que esses epítetos cabem a um nobre? Servidão
voluntária. É tamanho o ímpeto de subordinação, inclusive a uma ordem já sem
sentido, que permanecemos denominando o que temos de melhor com esse vocábulo:
metal nobre, tecido nobre, horário nobre, comportamento nobre, nobre
autoridade.
Os plebeus eram o gado
dessa gente. A burguesia pôs fim a essa organização do mundo, impondo seu
próprio arranjo. É o que está por aí. Para muitos, estamos na solução final da
História, como se não houvesse mais o que fazer. De fato, as tentativas de
superar a ordem burguesa restaram em ditadura. Também é verdade que o Brasil
não é exatamente burguês.
Somos conceitualmente
patrimonialistas; na prática, um compadrio corrupto. O ranço coronelista, sem
nenhum argumento moral, trocou a herança de títulos pela herança de capital.
Ademais, não há sustentação ética que possa manter declarações formais de
igualdade enquanto se pratica uma materialidade desigual de condição socioeconômica.
Mentalidade (copidesco o
Aurélio): o conjunto dos hábitos intelectuais e psíquicos de um povo. Nossos
hábitos intelectuais? Não vamos bem nisso; ficamos na rabeira de todos os
índices internacionais que medem sabença de qualquer coisa. Nossos hábitos
psíquicos? Reprimidos encomendando-se espírito de luz, caminho do céu, unguento
da salvação.
Outro pensamento: um bravo
líder sindical de nome Jorge Feliciano (maltratado pela Ditadura) expôs ao
patrão certas ideias que elucubrara. O patrão as houve como boas; Jorge
reverteu-se: deu-as por más. Ante o espanto patronal, elucidou: “Se é boa pra
ti, não pode ser boa pra mim”. A isso se chama consciência de situação no
mundo. Pouca gente a tem.
A grande parte cai
singelamente em crenças e subordinações: imita tipos notórios, submete desejos
a religião, inveja posição. Afirmo que há rotas mais felizes: dá gozo ao corpo
e à vida, faz bem ao coração; peca contra a moral repressora, tua psique
agradece; e lembra-te do Jorge: o que é bom para os soberanos do sistema não é
bom para mais ninguém.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em
Direito pela UFSC.
Psicólogo e
Jornalista.
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