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segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Considerações sobre a recente promulgação das alterações a deliberações de sócios de sociedades limitadas trazidas pela Lei nº 13.792/2019


Além do significativo número de Medidas Provisórias, Decretos e outros atos normativos editados pela nova Administração Federal para implementar suas propostas de governo, a primeira semana de 2019 trouxe a promulgação, pelo recém-empossado Presidente da República, de onze leis ordinárias aprovadas pelo Congresso Nacional no exercício de sua regular função legiferante. Dentre elas, a Lei n.º 13.792, de 3 de janeiro de 2019, publicada no Diário Oficial da União em 4 de janeiro[1], traz duas alterações ao regime de deliberação de sócios de sociedades limitadas estabelecido na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2012 (Código Civil).

A primeira reduz, mediante modificação do texto do parágrafo primeiro do artigo 1.063 do Código Civil[2] (e o consequente ajuste ao artigo 1.076 do mesmo diploma, para fins de consistência), o quórum necessário para a destituição do sócio nomeado administrador no contrato social da sociedade. A aprovação da matéria deixa de exigir o voto favorável de sócios detentores de quotas representativas de, no mínimo, dois terços do capital social, passando a bastar o assentimento dos sócios detentores da maioria simples do capital social.

Por sua vez, a segunda alteração, implementada mediante a inclusão de ressalva no parágrafo único do artigo 1.085 do Código Civil[3], dispensa a realização de reunião para exclusão de sócio em sociedades formadas por apenas dois sócios. 

Com a primeira modificação referida acima, uniformiza-se em maioria simples o quórum de destituição de administradores de sociedades limitadas, sejam eles sócios (nos termos desta nova redação dada ao parágrafo primeiro do artigo 1.063 do Código Civil) ou não-sócios (nos termos do artigo 1.071, inciso III[1], do Código Civil). 

Embora possa parecer que restaria ainda uma distinção entre o quórum de destituição de administradores, sócios ou não, nomeados em ato apartado (ora claramente estabelecido como sendo por maioria simples, nos termos dos dispositivos já citados), e o quórum de destituição de administradores, sócios ou não, nomeados no contrato social (tendo em vista que, nos termos do artigo 1.071, inciso V[5], combinado com o artigo 1.076, inciso I[6], do Código Civil, modificações desse documento exigiriam aprovação por no mínimo 75% do capital social), a nova redação do artigo 1.063, §1º, permite dirimir a dúvida:

“Art. 1.063
(...)

§ 1º  Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, salvo disposição contratual diversa.” (grifamos)

Ademais, embora não haja, no Código Civil, uma disposição equivalente aplicável a administrador não-sócio, não seria razoável supor que o legislador teria invertido os quóruns e passado a exigir maioria de três quartos do capital social para destituir administrador não-sócio nomeado no contrato social (com base na combinação entre o artigo 1.071, inciso V, e o artigo 1.076, inciso I, do Código Civil), ao passo que a destituição de sócio administrador nomeado no mesmo instrumento poderia se dar por maioria simples do capital nos termos do dispositivo transcrito acima.

Resta claro, portanto, que o quórum específico para destituição de administradores, ainda que nomeados no contrato social, prevalece sobre a regra geral de quórum qualificado para (outras) modificações contratuais, bastando para tanto o voto favorável de sócios detentores de quotas representativas de mais de 50% do capital social de sociedade limitada.

Com relação a esta questão, vale mencionar ainda que, nos casos de sociedades limitadas constituídas anteriormente à promulgação da Lei n.º 13.792/2019, cujos contratos sociais façam remissão genérica aos quóruns de deliberação do Código Civil, será necessária alteração contratual para incluir previsão específica, caso os sócios pretendam manter a regra de quórum qualificado de aprovação para destituição dos administradores.

Já a segunda alteração trazida pela Lei n.º 13.792/2019 poderia parecer trivial à primeira vista, pois a desnecessidade de realização de reunião com um único sócio para decidir sobre a exclusão do outro sócio seria intuitiva – vez que, em linha com o disposto no artigo 1.074, §2º, do Código Civil, sócios não podem deliberar sobre assuntos em que tenham interesse direto. Há, no entanto, uma questão relevante a se considerar neste contexto: se a supressão da obrigatoriedade de realização da reunião para deliberação “unipessoal” pelo outro sócio, com a necessária convocação prévia, cercearia o direito de defesa do sócio a ser excluído por justa causa, prevista no trecho final do parágrafo único do artigo 1.085:

“Art. 1.085
(...)

Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.” (grifamos) 

Embora a eliminação deste rito nas limitadas detidas por dois sócios de fato restrinja a possibilidade de um sócio tomar ciência prévia e formal das circunstâncias que, na visão do outro sócio, justificariam a sua exclusão da sociedade, e de contestá-las em foro próprio previsto na esfera societária, na prática é improvável que os argumentos de parte a parte já não tenham sido aduzidos ao longo do esgarçamento da relação social, e que a realização de uma reunião, na qual o sócio cuja exclusão esteja sendo deliberada defenda sua posição, resulte na mudança de opinião do sócio ao qual caberá a decisão.

Assim, esta segunda novidade trazida pela Lei n.º 13.792/2019 apenas elimina uma etapa formal do processo de dissolução parcial das sociedades limitadas detidas por dois sócios, decorrente da exclusão de um deles, restando ao sócio excluído a possibilidade de recorrer ao foro judicial ou arbitral (se eleito) para contestar os fundamentos da suposta justa causa que embasou sua exclusão do quadro social.


[1] “Art. 1.063. (...)

§ 1º  Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, salvo disposição contratual diversa.”

[1] “Art. 1.085. (...)

Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.  

[1] “Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: (...)

III - a destituição dos administradores;(...)”

[1] “Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: (...)

V - a modificação do contrato social;(...)”

[1] Art. 1.076.  Ressalvado o disposto no art. 1.061, as deliberações dos sócios serão tomadas (...) 

I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071;(...)”





Graciema Almeida - sócia do CSMV Advogados e atua em operações estruturadas, fusões e aquisições e reestruturação de dívidas em questões de Direito Societário, Comercial, Minerário e de Infraestrutura. É advogada formada pela Universidade de São Paulo e possui mestrado (LL.M.) pela Universidade Humboldt, de Berlim. Ela foi ainda visiting associate do escritório alemão Gleiss Lutz, além de ter sido reconhecida por sua atuação em operações de financiamento pelos anuários “Chambers Latin America” (2013-2017), “Chambers Global” (2014-2017) e “The Legal 500”, e em questões de comércio internacional pelo anuário brasileiro “Análise Advocacia” (2016).




[1]Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: (...)
III - a destituição dos administradores;(...)”



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