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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A Lei Áurea representou mesmo o fim da escravidão?


Nesta terça-feira, 20 de novembro, é celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil. A data foi instituída com o intuito de proporcionar uma reflexão sobre a inserção do negro em nossa sociedade, sendo estabelecido o dia da morte do líder Zumbi dos Palmares como data comemorativa. Mas, o grande questionamento é se a Lei Áurea decretada em 1888, realmente representou o fim da escravidão no Brasil e a mudança de vida para os antigos escravos.

Efetivamente a Lei Aurea representou o fim de mais de 300 anos de trabalho servil e de opressão dos negros no Brasil, contudo, a efetivação da liberdade não resultou em mudança substancial na vida dos antigos escravos – apesar dos negros terem deixado a condição de trabalhador escravo para a de trabalhador livre, passando a ser explorado pelo capital, transformando-se em trabalhadores subalternizados em relação aos não negros – não houve uma transformação significativa no sentido de mobilidade ascendente ou de melhoria nas condições materiais de existência, ao contrário, muitos dos antigos escravos foram deixados à própria sorte, ao Deus dará, e em muitos casos sem condição de sobrevivência e de acesso a novas oportunidades de trabalho, em razão de também não terem tido acesso, principalmente, à educação.

De fato, os ex-escravos, foram discriminados e criminalizados pela cor e pela raça, somando-se à população pobre nas grandes cidades, aumentando o número de desocupados, trabalhadores temporários, lumpens, mendigos e, dessa forma, considerados "vadios" e "vagabundos". Embora o destino dos antigos escravos tenha variado bastante, de maneira geral, a partir mesmo da campanha e do projeto de Abolição, não houve uma orientação destinada a integrar os negros às novas realidades e regras de uma sociedade baseada no trabalho assalariado. Assim, essa população continua sofrendo com a desigualdade racial, social e econômica, com a criminalização do seu espaço de moradia e sem a presença efetiva do Estado. Portanto, a liberdade não se constituiu em consecução, garantia de efetivação dos direitos de cidadania.

O destino dos escravos libertos variou de acordo com a região do país. No Nordeste, transformaram-se, em regra, em dependentes dos grandes proprietários. No Maranhão representou uma exceção, pois os libertos abandonaram as fazendas e se instalaram nas terras desocupadas como posseiros. No Vale do Paraíba, os antigos escravos viraram parceiros nas fazendas de café em decadência e mais tarde pequenos sitiantes ou peões no trato do gado. No Oeste Paulista, a fuga em massa foi característica dos últimos anos que antecederam a Abolição. Nos centros urbanos de São Paulo e do Rio de Janeiro, a situação variou. Enquanto em São Paulo os empregos estáveis foram ocupados pelos trabalhadores imigrantes, relegando-se os ex-escravos aos serviços irregulares e mal pagos, no Rio de Janeiro o quadro não foi diferente. A inserção dos negros na sociedade brasileira não se deu no primeiro momento de maneira efetiva e ainda está em vias de se realizar, até os dias atuais os negros lutam para que sejam reconhecidos e valorizados como protagonistas de nossa história.

Após 130 anos de Abolição, os negros ainda hoje sofrem os impactos da escravidão e da forma como ocorreu a sua libertação, pois apesar de se verem livres dos açoites e dos grilhões, não tiveram efetivamente meios de reparação de danos ou projetos para sua integração, dessa forma, a abolição da escravatura não eliminou o problema do negro na sociedade brasileira – embora esta questão tem desaparecido do imaginário coletivo, principalmente com a instituição da República, com o silenciamento e a invisibilização da questão racial – muito pelo contrário, ampliou-se ainda mais a sua condição de miséria e desamparo.

Por este aspecto, acredito que a desigualdade e a própria violência sofrem uma influência direta do preconceito. De fato, a sobrevivência do preconceito e do próprio racismo na sociedade brasileira pós abolição até os dias atuais, decorre da construção de uma memória coletiva utilizada como fonte de preservação do poder, traduzidas em um significativo conjunto de valores, crenças e práticas transmitidas ao longo do tempo, construídas biológica e socialmente, através das quais se construíram e criminalizam a imagem dos negros estigmatizando-os, como subalternos, não confiáveis, passíveis de serem marginais, incapazes, entre outros adjetivos pejorativos.

Devo ressaltar, no entanto, que os estigmas de origem e tribal de que os negros foram vítimas ao longo da história, tem se transformado substancialmente em razão das legislações vigentes, como das próprias Políticas de Ação Afirmativa, que estão transformando alguns hábitos e costumes que estruturavam e estruturam a sociedade brasileira.






Reinaldo da Silva Guimarães - professor do curso de Serviço Social da Anhanguera de Niterói e autor do livro Afrocidadanização: ações afirmativas e trajetórias de vida no Rio de Janeiro.




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