Primeira
edição de 2023 do Ciclo de Palestras AMRIGS ocorreu na noite de terça-feira
(11/04) em formato virtual
Você
já deve ter ouvido falar que cada vez mais crianças são diagnosticadas com
Transtorno do Espectro Autista (TEA). Será que o autismo virou uma epidemia? A
resposta é “provavelmente não”, de acordo com o médico pediatra Renato Santos
Coelho, um dos convidados da primeira edição deste ano do Ciclo de Palestras da
Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS). Além do pediatra, o evento
contou com palestras da médica psiquiatra da Criança e do Adolescente, Ana
Soledade; da jornalista e apresentadora, Shana Müller; e da médica clínica
geral, Ana Brandão.
Durante
sua fala, Renato Santos Coelho explicou os motivos para que os casos de
diagnósticos de TEA saltassem de um para cada 2 mil crianças na década de 1990,
para um a cada 36 em 2023.
“Uma
das razões para esse aumento na prevalência nas últimas décadas é a mudança de
critérios que eram utilizados em 1995 e os critérios utilizados atualmente.
Hoje, conseguimos colocar pessoas que ficariam de fora antes e que possuem o TEA,
mesmo que de uma forma leve. Um paciente com quadro de nível 1, leve, passou e
ainda passa despercebido sem diagnóstico”, destacou.
O
médico reforçou que o mundo não passa por uma epidemia de crianças com autismo.
“Hoje,
conseguimos trazer para esse grupo de pessoas um olhar especializado da
ciência, que antes não tinha. Muitos pacientes adultos jovens procuram ajuda
médica em busca de um diagnóstico. Falam sobre perrengues e situações que
viveram durante toda vida e eram incompreendidos. Após o diagnóstico, se sentem
aliviados para explicar momentos ainda da infância e da juventude”, afirmou.
Em sua
palestra, a médica psiquiatra Ana Soledade explicou como funciona a cognição
social de pessoas típicas e de pessoas atípicas, forma como são chamadas aquelas
com TEA.
“A
teoria da intencionalidade compartilhada mostra que os humanos interagem e
desenvolvem atividades colaborativas complexas. Cada indivíduo tem um papel e
isso faz com que um grupo faça atividades de forma mais precisa. Assim,
crianças conseguem perceber e colaborar com tarefas e tomar iniciativas. O que
entendemos é que crianças com TEA conseguem entender, mas muitas vezes não têm
habilidades e motivação para compartilhar essas cognições sociais”, ressaltou.
A
palestrante esclareceu um dos mitos mais ouvidos sobre crianças com Transtorno
do Espectro Autista (TEA): o de que elas não interagem nem se comunicam.
“Eu
ouço muitos relatos sobre crianças que apresentam dificuldades em comunicação.
Mas precisamos prestar atenção na comunicação que não é falada. Crianças com
TEA possuem uma sutileza na forma de não comunicar, o que muitas vezes
surpreende quem está em volta quando surge o diagnóstico de autismo” afirmou a
médica.
Mães
relatam experiências
O Ciclo
de Palestras da AMRIGS ainda contou com duas participações especiais. Duas mães
relataram seus casos com filhos atípicos, emocionando os participantes e
encorajando familiares que estão em busca do diagnóstico para TEA. A primeira a
contar sua experiência foi a jornalista e apresentadora, Shana Müller, mãe do
Francisco, de 3 anos, diagnosticado com autismo, e de outros dois filhos,
Gonçalo, de 6 anos, e Mercedes, de 2.
Shana
iniciou sua participação lendo o conto Bem-vindo à Holanda, de Emily Kingsley,
que fala sobre a expectativa da família quando nasce um bebê e o sentimento de frustração
que um diagnóstico de TEA pode causar nos pais.
“É uma
situação difícil e vivemos um luto de expectativas com os nossos filhos. Cada
um tem uma maneira de lidar e aqui em casa eu e meu marido tivemos momentos e formas
diferentes para entender. Hoje o Francisco tem quase quatro anos e nós fomos
aprendendo a aprofundar essa vivência. Cada fase dele vai abrindo nossos olhos
para diferentes quadros que o autismo nos traz”, afirmou.
Para a
jornalista, uma das preocupações com o Francisco é sobre a educação escolar que
ele vai ter, resumindo uma angústia de todos os pais atípicos.
“Com o
passar dos anos, começamos a nos preocupar em como vai ser a educação deste
filho na escola. Estes espaços estão, de fato, preparados para a inclusão? Na
rede pública e na rede privada, temos professores e escolas preparados para
alfabetizar essas crianças? Numa sociedade em que mostra um caso para cada 36
crianças, urge que o poder público e a comunidade prestem atenção para questões
de diversidade e inclusão”, destacou.
Médica
clínica geral, Ana Brandão é mãe da Gabriela, de treze anos e diagnosticada com
TEA. Brandão contou um pouco da sua experiência durante o evento.
“Nós
também passamos pelo choque do diagnóstico quando a Gabriela tinha dois anos de
idade. Meu pai já tinha me alertado sobre o desenvolvimento dela, mas eu não
percebia assim, pois acreditava que ela interagia comigo. Quando o atraso no
desenvolvimento ficou evidente, corri atrás e entendi a situação. Foi o começo
de uma nova trajetória de vida com aprendizados e desafios”, salientou.
A
médica aconselhou pais e mães de crianças atípicas para que aprendam sobre TEA,
porém, sem deixar de lado as especificidades dos filhos.
“Se eu
puder deixar uma dica importante é: aprenda sobre autismo, veja palestras, converse
com pessoas que também tenham casos de TEA na família. Não precisa ser expert
sobre isso. Você precisa ser expert sobre seu filho. Precisa saber o que pode
fazer com que ele desorganize. Entender o limite do seu filho para que não
desorganize no dia a dia. Tentar mil abordagens diferentes e saber que a
maioria pode falhar, mas que alguma tentativa vai funcionar”, falou. A clínica
geral finalizou sua palestra com uma participação da Gabriela, que conversou
com a mamãe em frente às câmeras.
Ciclo
de Palestras AMRIGS
O
diretor Científico da AMRIGS, Guilherme Napp, abriu o evento desta terça-feira
(11/04) ressaltando que o Ciclo de Palestras é uma forma de aproximar a
população a temas médicos, de forma menos acadêmica.
O
autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta cerca de 1 em cada 36
crianças nos Estados Unidos e em muitos outros países. Embora tenham sido
feitos avanços significativos no diagnóstico e tratamento, ainda existem muitos
estereótipos e equívocos associados a esse tema.
“Eu costumo
dizer que é um dos meus eventos favoritos da AMRIGS, pois busca aproximar profissionais
da saúde com o público geral. Com este evento, tentamos contribuir para a saúde
da população de forma leve e compartilhando informações”, afirmou o diretor.
O
Ciclo de Palestras: Conscientização e Tratamentos do Transtorno do Espectro
Autista (TEA) foi promovido pela AMRIGS e ocorreu em formato online. A primeira
edição do ano do evento teve o apoio da Sociedade de Pediatria do RS e da
Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul.
Mariana da Rosa