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quinta-feira, 3 de agosto de 2017

As consequências práticas da equiparação da união estável ao casamento para fins sucessórios



Desde o Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente passou a ser considerado herdeiro necessário para fins sucessórios independente do regime de bens do casamento. Os companheiros em uniões estáveis também passaram a deter direitos sucessórios, todavia, existiam importantes distinções entre a sucessão no casamento e na união estável. No entanto, recentemente o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, declarou inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, equiparando os cônjuges e companheiros, decidindo que ambos deverão possuir os mesmos direitos para fins de herança. Dessa forma, não mais existe diferença entre o regime da união estável e da comunhão parcial de bens para fins sucessórios. Importante destacar significativo avanço na jurisprudência, uma vez que a decisão do STJ é aplicável tanto para união estável hetero quanto homoafetiva. 

Ocorre que, desde então, muito tem se discutido e pouco se esclarecido a respeito. Existem opiniões no sentido de que os cônjuges passaram a ser desvalorizados e prejudicados em relação aos companheiros.  

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que o julgamento do RE 878694 pelo STF não quis privilegiar as uniões estáveis em detrimento ao casamento.

 Mesmo porque, não há o que se falar em relações inferiores, mas escolhas diferentes de uniões com o mesmo objetivo de constituir uma família. 

Nesse sentido, a decisão justificou-se pura e tão somente pelo princípio da isonomia constitucional, no qual todos são iguais perante a lei, merecendo igual tratamento e proteção jurídica. Até porque, cabe lembrar que, embora o cônjuge viúvo geralmente era quem levava vantagem patrimonial na sucessão em relação ao companheiro sobrevivente, em determinadas situações específicas, o que se verificava era exatamente o contrário. Por exemplo, se o patrimônio dos companheiros fosse majoritariamente adquirido onerosamente na constância da união estável, em caso de falecimento de qualquer dos conviventes, o convivente remanescente teria direito à meação do patrimônio constituído pós união estável e, adicionalmente, também participaria da meação do falecido concorrendo com filhos ou demais parentes sucessíveis. Tal direito de participação da meação do falecido não é aplicável para o cônjuge sobrevivente que tem direito somente à sua própria meação dos bens comuns do casal.  

A intenção foi justamente tentar preencher algumas lacunas do Código Civil aprovado em 2002 (porém, concebido na década de 1970 e que não acompanhou a evolução da sociedade e da própria legislação pátria específica para união estável, em especial, as Leis Federais 8.971/1994 e 9.278/1996). Se antes o companheiro sobrevivente só tinha direito sobre os bens adquiridos “onerosamente” durante a união estável e, em concorrência com filhos, além de ascendentes e parentes, agora ele passa a ser herdeiro necessário tanto quanto o cônjuge, com os mesmos direitos previstos desde a vigência do Código Civil atual. São eles: na sucessão ocorrida na vigência de casamento sob o regime da comunhão parcial de bens e com a existência de filhos, 50% dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento são destinados ao cônjuge sobrevivente a título de meação, e os outros 50% remanescentes (meação do falecido) destinados integralmente para os descendentes. Todavia, os bens particulares do falecido, se existentes, são repartidos de forma igualitária entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do falecido, sendo que, se houver só filhos comuns, o cônjuge sobrevivente fica com, no mínimo, 25% dos bens particulares (além da meação do patrimônio comum descrito acima).

Se compararmos o disposto adiante com a regra vigente descrita no parágrafo acima, é possível verificarmos os dois principais impactos práticos da decisão do STF: no primeiro caso, o convivente sobrevivente tinha direito a apenas aos bens adquiridos “onerosamente” na constância da união estável e, na concorrência com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-ia a metade do que coubesse a cada dos filhos só do autor da herança. Já, no segundo caso, na concorrência com outros parentes sucessíveis do autor da herança (pais, avós, tios, sobrinhos, etc) o convivente sobrevivente tinha direito a apenas 1/3 da herança. Ou seja, na prática, verificavam-se situações absurdas nas quais o convivente sobrevivente concorria com “sobrinhos” do autor da herança e ficava apenas com 1/3, enquanto os sobrinhos ficavam com 2/3 da herança.   

Na regra vigente, pós decisão do STF, na ausência de descendentes do cônjuge falecido, a herança do falecido (meação dos bens comuns e os bens particulares) é dividida entre os ascendentes (pai, mãe, avós) em concorrência com o cônjuge sobrevivente, sendo 1/3 para o cônjuge sobrevivente e 2/3 para o pai e mãe do falecido; ou 50%, se for um só ascendente (pai ou mãe) ou se o grau do ascendente for maior (avós, bisavós). Todavia, é fundamental destacar que na falta de descendentes e de ascendentes do falecido, o cônjuge sobrevivente herda a totalidade (100%) da herança, ou seja, não concorre com os demais parentes sucessíveis (avós, tios, sobrinhos, etc). 

Obviamente, para o companheiro ter acesso a tudo isso, primeiro é preciso haver o reconhecimento da união estável por meio da constatação cumuladamente da relação duradoura, da convivência pública e do objetivo de constituição de família, sendo admitidos todos os tipos de provas, inclusive testemunhais. 

Nas uniões paralelas ao casamento (ou pessoas impedidas de se casar), o concubino não possui direitos sobre os bens do outro, pois não há relação familiar e, desta forma, tanto no caso de falecimento, como no de separação, ele só terá direito à parte do patrimônio que comprovar ter contribuído onerosamente para a sua aquisição.

Entretanto, há duas questões relevantes a serem observadas em relação ao concubinato. Uma é a prova de que a relação não era de concubinato pelo fato de o concubino já estar separado de fato no momento da nova relação, deixando de se caracterizar como concubinato e passando a ser união estável. E a outra é quando a relação se inicia no concubinato e se torna, com o passar do tempo, união estável com o concubino, dificultando muitas vezes a sua correta caracterização, ou seja, quando se trata de uma relação de concubinato ou não.
Ou seja, há ainda muitas divergências doutrinárias e jurisprudenciais, sendo assim, é imprescindível a análise individualizada de cada grupo familiar, haja vista a extensão do tema e as particularidades dos casos.

Por fim, ficou destacado que, com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil será ser aplicada apenas aos inventários judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.





Leonardo Tonelo Gonçalves é advogado especialista em Direito Societário e sócio do Fagundes Pagliaro Advogados




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