O
suicídio continua sendo uma das principais causas de morte em todo o mundo, de
acordo com as últimas estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS),
publicadas recentemente no relatório “Suicide Worldwide in 2019”. Todos os
anos, mais pessoas morrem como resultado de suicídio do que HIV, malária ou
câncer de mama. Em 2019, mais de 700 mil pessoas morreram por suicídio: uma em
cada 100 mortes. No Brasil, o número de mortes por suicídios aumentou 12% em
quatro anos. Em 2015, foram 11.736 notificações ante 10.490 registradas em
2011, segundo dados do Ministério da Saúde.
O
comportamento suicida envolve uma complexa interação de fatores psicológicos e
biológicos, inclusive genéticos, culturais e socioambientais, segundo o
psiquiatra Dr. Adiel Rios, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da USP e do
Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas da UNIFESP. “Estima-se
que de 15 a 25% das pessoas que tentam suicídio cometem nova tentativa no ano
seguinte, e 10% conseguem consumar o ato em algum momento no período de 10
anos, compreendido entre a tentativa anterior e o suicídio consumado. Ao longo
da vida, de cada 100 pessoas, 17 chegam a pensar em suicídio”, relata Dr.
Adiel.
Entretanto,
o psiquiatra explica que o ato suicida nem sempre envolve planejamento, ou
seja, em muitos casos, a pessoa pode cometer suicídio por impulso, sem ter
demonstrado previamente a intenção. “O grupo de maior risco é o das pessoas que
já tentaram o suicídio. Apenas uma em cada três delas chega ao pronto-socorro,
recebe o primeiro atendimento, mas nem sempre é encaminhada para serviços de
saúde mental, onde pode receber cuidados adequados. Sem isso, a maioria pode
voltar a tentar o suicídio”.
Depressão:
principal causa de suicídio
Um
estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) apontou
um aumento de 90,5% nos casos de depressão entre os brasileiros, desde o início
da pandemia. A doença, tida como uma das mais incapacitantes do mundo pela OMS,
é a principal causa de suicídio, seguida pelo transtorno bipolar e abuso de
substâncias.
“A
depressão pode ser resultado de alterações nos neurotransmissores do cérebro
(como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina, responsáveis pela sensação de
prazer e bem-estar) ou de fatores como genética, problemas pessoais graves,
traumas, abuso de substâncias lícitas e ilícitas, entre outros, gerando um
quadro debilitante e difícil de lidar sem ajuda”, explica a Dra. Danielle H.
Admoni, psiquiatra na Escola Paulista de Medicina UNIFESP e especialista pela
ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Segundo
Flávia Teixeira, psicóloga, mestre em Saúde Coletiva pela UFRJ, professora de
pós-graduação em Psicologia Hospitalar na UFRJ e pós-graduada em Psicossomática
Contemporânea; erros e preconceitos vêm sendo historicamente repetidos,
contribuindo para a formação de um estigma em torno da doença mental e do
comportamento suicida.
“Em
pleno século XXI, numa era em que temos acesso facilitado a todo tipo de
informação, o preconceito com as doenças mentais e com as terapias ainda
persiste. O estigma resulta de um processo em que as pessoas passam a se sentir
envergonhadas, excluídas e discriminadas. Isso acaba intimidando e impedindo
pessoas portadoras de transtornos mentais a buscarem tratamentos adequados”,
diz Flávia Teixeira.
Mitos
sobre o comportamento suicida
Para
auxiliar o entendimento e desmitificar o tabu em torno do assunto, a ABP listou
os principais mitos acerca do comportamento suicida:
O
suicídio é uma decisão individual, já que cada um tem pleno direito a exercitar
o seu livre arbítrio
Falso.
Os suicidas estão passando quase invariavelmente por uma doença mental que
altera, de forma radical, a sua percepção da realidade, interferindo em seu
livre arbítrio. O tratamento eficaz da doença mental é o pilar mais importante
da prevenção do suicídio.
Quando
uma pessoa pensa em se suicidar, terá risco de suicídio para o resto da vida
Falso.
O risco de suicídio pode ser eficazmente tratado e, após isso, a pessoa não
estará mais em risco.
As
pessoas que ameaçam se matar só querem apenas chamar a atenção
Falso.
A maioria dos suicidas fala ou dá sinais sobre suas ideias de morte. “De alguma
forma, boa parte dos suicidas expressou seu desejo de se matar, seja para médicos,
familiares ou amigos. Daí a importância de estar atento às alterações no
comportamento do indivíduo em questão”, pontua Danielle Admoni
Se
uma pessoa que pensava em se suicidar, em um momento seguinte passa a se sentir
melhor, significa que o problema já passou
Falso.
Se alguém cogitou o suicídio, mas depois aparenta estar tranquilo, não
significa que tenha desistido da ideia. “Uma pessoa que decidiu tirar a própria
vida pode se sentir aliviado simplesmente por ter tomado a decisão de se
suicidar, passando aos outros a impressão de que já está tudo bem”, diz Adiel
Rios.
Quando
um indivíduo mostra sinais de melhora ou sobrevive a uma tentativa de suicídio,
está fora de perigo
Falso.
Um dos períodos mais perigosos é quando se está melhorando da crise que motivou
a tentativa, ou quando a pessoa ainda está no hospital, após uma tentativa
felizmente fracassada. A semana que se segue à alta do hospital é um período em
que a pessoa está particularmente fragilizada. Como um preditor do
comportamento futuro é o comportamento passado, a pessoa suicida, muitas vezes,
continua em alto risco.
Não
devemos falar sobre suicídio, pois isso pode aumentar o risco
Falar
sobre suicídio não aumenta o risco. Muito pelo contrário. Falar com alguém
sobre o assunto pode aliviar a angústia e a tensão que esses pensamentos
trazem.
Sinais
que merecem atenção
De acordo com Stella Azulay, Educadora Parental pela Positive Discipline Association e especialista em Análise de Perfil e Neurociência Comportamental; alguns sintomas e comportamentos podem sinalizar que uma pessoa precisa de ajuda. “Tristeza profunda e contínua, apatia, desânimo, perda do interesse pelas atividades que gostava de fazer, pensamentos negativos, alterações do sono, falta de libido e falta de apetite são sinais de alerta. O indivíduo pode ter dificuldade de perceber ou até de reconhecer que há algo de errado, especialmente no momento atual, em que muitos sintomas gerados pela pandemia podem se confundir com os de uma doença real”, pondera Stella Azulay.
Segundo Flávia Teixeira, perceber as
mudanças no próprio comportamento é um processo fundamental. “Vencer os
preconceitos e buscar ajuda especializada são as melhores formas de tratar os
transtornos mentais e recuperar o bem-estar e a qualidade de vida”, finaliza a
psicóloga.