Os gliomas representam cerca de 42% de todos os tumores cerebrais
(ilustração: acervo dos pesquisadores)
Maiores grupos de amostras de
pacientes com glioma da literatura científica, pesquisadores da USP observaram
alterações em genes relacionados à agressividade do câncer após quimio e
radioterapia. Descoberta pode orientar mudanças nas abordagens terapêuticas
Estudo publicado na
revista Cancer Research revela que os tratamentos comumente
usados no combate ao glioma – um dos tipos mais comuns de câncer no cérebro –
podem alterar a forma como o DNA tumoral se comporta e sua agressividade.
Segundo os autores, a descoberta pode representar um primeiro passo para
modificações na abordagem terapêutica atual.
Os gliomas representam cerca de
42% de todos os tumores cerebrais, incluindo os benignos, e 77% dos malignos,
ou seja, aqueles agressivos e incuráveis, de acordo com dados do A.C.Camargo
Cancer Center. A incidência da doença, que é rara em crianças, aumenta com a
idade, sendo mais comum em pessoas entre 75 e 84 anos.
Uma das características mais relevantes para a classificação da agressividade e gravidade desse tipo de tumor nos pacientes são as chamadas alterações epigenômicas, ou seja, processos bioquímicos que modificam o padrão de expressão dos genes, como a metilação do DNA (adição de um grupo metil à molécula). Tal fato foi constatado anteriormente, em 2016, pelo mesmo grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP) que assina o novo artigo.
A pesquisa foi conduzida no Laboratório de Epigenômica
o Câncer da FCFRP-USP
foto: acervo dos pesquisadores
"Observamos nos pacientes com tumores de baixo grau que receberam tratamento uma alteração epigenética que deixou esses tumores parecidos com tumores de alto grau, que são muito mais agressivos; parece então haver uma associação entre o tratamento e as alterações no DNA desses pacientes”, explica Tathiane Malta, primeira autora do estudo e coordenadora do Laboratório de Epigenômica do Câncer da FCFRP-USP. "Agora, precisamos confirmar se essas alterações epigenéticas estão envolvidas na progressão para tumores mais agressivos.”
No estudo atual, realizado no
âmbito de um Auxílio à Pesquisa Jovem
Pesquisador da FAPESP, os cientistas avaliaram a evolução
epigenética dos gliomas em resposta à pressão terapêutica, analisando os
resultados de amostras de 132 pacientes. Os dados incluíam informações tanto
sobre o tumor primário quanto sobre o recorrente após o tratamento, o que
permitiu uma melhor comparação. Trata-se do maior grupo de glioma longitudinal
já registrado na literatura científica.
Diversos aspectos relacionados
a alterações no epigenoma puderam ser observados, como a maior proliferação de
células tumorais, o aumento de células vasculares no tumor e mudanças no
microambiente tumoral. No entanto, um se destacou: pacientes IDH1 mutantes (com
melhor prognóstico inicial) que foram tratados com quimioterapia ou
radioterapia apresentaram maior alteração no epigenoma tumoral.
“Vimos que esses gliomas
apresentam níveis iniciais elevados de metilação do DNA, que são
progressivamente reduzidos quando há recorrência da doença após a quimio ou
radioterapia, e se tornam mais agressivos”, conta Malta. “Já o epigenoma dos
pacientes IDH selvagem – os inicialmente mais agressivos – são mais
estáveis, com níveis relativamente baixos de metilação, ou seja, nesse caso, os
tumores primários são bastante parecidos com os recorrentes, inclusive porque
já se encontravam em um grau máximo de agressividade.”
“Isso quer dizer que o
tratamento, de alguma forma, modifica esse tumor, e essa mudança está associada
à agressividade.”
Mudanças
na abordagem terapêutica
De acordo com Malta, ao
demonstrar que a regulação epigenética está associada com a progressão do câncer,
o trabalho contribui para o melhor entendimento da biologia tumoral e,
consequentemente, abre espaço para novas abordagens terapêuticas com esse
direcionamento.
Os próximos passos para
entender a implicação da descoberta e avaliar seu real impacto no tratamento
dos gliomas devem incluir, em um primeiro momento, a realização de
tratamentos in vitro em linhagens de tumores e, na sequência,
em modelos in vivo para confirmar os resultados já obtidos.
“Como nesse estudo nos baseamos
em uma coorte retrospectiva, com dados coletados de muitas instituições e
manejos clínicos que passaram por alterações ao longo do tempo, é preciso
considerar a presença de diversos vieses.”
O artigo The epigenetic
evolution of glioma is determined by the IDH1 mutation status and treatment
regimen pode ser lido em: https://aacrjournals.org/cancerres/article/84/5/741/734933/The-Epigenetic-Evolution-of-Glioma-Is-Determined.
Julia Moióli
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/tratamento-contra-cancer-de-cerebro-modifica-a-forma-como-o-dna-tumoral-se-comporta/51909
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