Scientific Reports foi feita com amostras de voluntários infectados pelo Plasmodium vivax, espécie capaz de produzir formas dormentes que podem ser reativadas meses após o tratamento. Resultados podem orientar o desenvolvimento de um diagnóstico de detecção dessas formas, impactando significativamente no controle de casos e no tratamento
A forma mais comum de malária
no Brasil é a causada pelo parasita Plasmodium vivax. Embora a
espécie provoque um quadro mais brando em comparação à P. falciparum,
ela possui uma característica que torna o controle da doença muito difícil: a
capacidade de produzir formas dormentes do protozoário no fígado do hospedeiro
que podem ser reativadas meses após o término do tratamento. De acordo com a
literatura científica, esse fenômeno, denominado recorrência ou recaída, pode
ser responsável por aproximadamente 90% dos casos no país.
Em artigo publicado na
revista Scientific Reports, pesquisadores brasileiros descreveram,
pela primeira vez, possíveis biomarcadores associados à recorrência da malária
vivax. Financiada pela FAPESP (projetos 17/18611-7 e 21/04632-8), a
pesquisa fornece informações relevantes sobre potenciais alvos para o
desenvolvimento de antimaláricos e possíveis marcadores relacionados ao risco
de recaída.
Para identificar esses
biomarcadores, pesquisadores das universidades Estadual de Campinas (Unicamp),
do Estado do Amazonas (UEA) e Federal de Goiás (UFG) analisaram o plasma
sanguíneo de 51 pacientes amazônicos com malária vivax recorrente e de 59 não
recorrente (que estavam ainda no primeiro episódio da doença). As amostras
foram analisadas por meio de metabolômica não direcionada, técnica que avalia
todo o conjunto de metabólitos presente na amostra. O objetivo foi compreender
como o metabolismo dos voluntários foi afetado durante esses dois momentos da
infecção.
Os pacientes foram acompanhados
por 180 dias e, majoritariamente, apareceram com o “novo” episódio entre 40 e
60 dias após o inicial. A análise com espectrometria de massa (equipamento que
identifica compostos com base na massa molecular) revelou 52 e 37 metabólitos
significativos nos participantes recorrentes e não recorrentes,
respectivamente.
“No momento em que o paciente
chega com o episódio inicial de malária, há uma superexpressão de metabólitos,
situação que muda completamente nos episódios de recorrência, caracterizada
pelo maior número de metabólitos diminuídos”, relata à Agência FAPESP Jessica R. S. Alves,
pesquisadora do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e uma das autoras do
trabalho.
“Além disso, entre os pacientes
com recorrência, observamos uma modulação principalmente em vias lipídicas
envolvidas na produção de prostaglandina e leucotrienos – moléculas envolvidas
na resposta imune do hospedeiro. Já o grupo que estava no primeiro episódio foi
caracterizado por alterações no metabolismo do triptofano e da vitamina B6
[piridoxina], que já foram descritos na literatura científica como importantes
nutrientes do hospedeiro utilizados pelo parasita para se desenvolver.”
Os pesquisadores realizaram
ainda uma análise de dados mais aprofundada, que revelou o enriquecimento de
outras vias metabólicas para o fenótipo da malária recorrente, incluindo
substâncias como butanoato, aspartato, asparagina e N-glicano.
“Todos esses marcadores podem
sugerir vias com associação à recorrência e podem, no futuro, ser usados para
caracterizá-la”, diz Gisely C. de Melo, pesquisadora da UEA que também assina o
estudo.
Perspectivas
“A principal contribuição do
trabalho foi direcionar as análises em relação a quais vias metabólicas
precisamos investigar mais profundamente para tentar entender e preencher
lacunas que envolvem o estudo das recorrências”, diz Fabio Trindade Maranhão Costa,
professor do IB-Unicamp e coautor do artigo.
No entanto, os pesquisadores
destacam duas limitações do estudo: o número de participantes (relativamente
pequeno) e a incerteza sobre a origem das recorrências (poderia ser uma recaída
ou um nova infecção, por exemplo).
“Não temos, hoje, como
diagnosticar as recaídas e tratá-las adequadamente”, sublinha Melo.
Segundo os autores, os próximos
passos envolvem a condução de estudos multicêntricos, com um maior número de
pacientes e uma cobertura geográfica mais ampla do P. vivax. Além
disso, o grupo pretende associar à metabolômica plasmática investigações
lipidômicas (conjunto de lipídeos), proteômicas (conjunto de proteínas),
transcriptômicas (conjunto de RNAs transcritos) e genômicas (sequenciamento
genômico). Também devem ser feitas análises do perfil imunológico de pacientes
com ou sem recorrências.
Além da FAPESP, apoiaram a
pesquisa agora divulgada o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), The World Academy of Science (TWAS), a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e o Instituto Serrapilheira.
O artigo Host
metabolomic responses in recurrent P. vivax malaria pode ser lido
em: www.nature.com/articles/s41598-024-54231-5.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/cientistas-identificam-no-sangue-de-pacientes-com-malaria-moleculas-associadas-ao-risco-de-recaida/51959
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