Já disse a poeta Cecília Meireles, em seu Romaceiro da Inconfidência: Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.
Há muitas formas de Liberdade e seu exercício exige
uma proteção que não se limita ao seu titular, mas também ao Estado que o
acolhe como cidadão. A primeira das liberdades a ser protegida pela Lei foi a
que é ameaçada pela coação e pela violência, inclusive dos próprios agentes do
Estado. Outras tantas lhe seguiram, sempre no mesmo tom: a Liberdade é o
conceito em torno do qual erigimos nossa dignidade humana. Se não há Liberdade,
qual a razão para fazer todo o resto?
Como lembrava Aristóteles, antes de sermos
indivíduos, somos cidadãos. Aliás, nossa subjetividade só pode ser protegida
por leis coletivas e por agentes públicos. O contrário disso é a lei do mais
forte. Se todos têm o direito de serem livres, cabe ao Estado a obrigação de
garantir para todos esse exercício, moderando seus conflitos, pois não podemos
imaginar que vivemos como um Robison Crusoé antes da chegada do Sexta Feira.
Vivemos e somos livres em meio a outras pessoas livres. Daí a importância de
uma moderação capaz de estabelecer a linha comum que define e protege os direitos
de cada indivíduo. E essa moderação está inscrita na Constituição Federal. E
seu intérprete é o Supremo Tribunal Federal.
Diante de um Estado de Direito Democrático, cuja
linha básica de construção se deu em torno da proteção das Liberdades, surge
uma questão: e quando essa mesma Liberdade é invocada para negar ou para
conspurcar esse esforço de proteção, como é que fica? Essa questão tornou-se
necessária e urgente com o advento recente das redes sociais e dos mecanismos
de disseminação de fake news que elas proporcionam,
espalhando notícias falsas ou manipuladas para milhões de pessoas, criando a
ilusão de uma verdade, pois que reproduzida em todo o canto. Seus autores
invocam o direito fundador da sociedade democrática, a Liberdade, para
legitimar suas ações e chamam de “censores" os órgãos de proteção do
Estado e os intérpretes da Constituição, como o STF. Alegam que a Liberdade é
sagrada e que é preciso agir contra o Estado para que ela seja garantida, em
uma inversão de origem que escapa facilmente aos ouvintes menos atentos. Pois é
justamente o Estado o garantidor das liberdades entre os cidadãos, evitando que
os mais fortes se imponham e garantam suas versões distorcidas dos fatos como
“verdades” incontestes.
Por isso, esses novos legionários da liberdade têm nos meios de comunicação tradicionais, nas universidades e nos órgãos da Justiça seus adversários principais, pois são contra a ideia de apuração da notícia, são contra o contraditório fundamentado e são contra o cerceamento das mentiras que espalham. Acreditam, porém, na estratégia de minar essas instituições, acusando-as de vendidas, de orientadas ideologicamente, de autoritárias. E usam seus recursos tecnológicos para isso, testando a capacidade de adequação das instituições sob ataque. O desfecho desse embate, não sabemos qual será: se o Estado Democrático resistirá, conseguindo contornar a violência das agressões que vem sofrendo, e regulando, com base nos fundamentos da Constituição, o uso dessas tecnologias, ou se esses novos bárbaros vão destruir o Império da Lei e impor suas vontades e desejos pessoais travestidos de liberdade Absoluta. Esse é o X da questão.
Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
@profdanielmedeiros
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