Na contramão da
inovação: como o Brasil acelera rumo ao passado automotivo
Não é de hoje que já vem sendo
alertado do equívoco estratégico do nosso país, que tem consistentemente
negligenciado a transição energética e seu impacto transformador no setor automotivo.
Essas iniciativas sinalizam uma direção alarmante para a política nacional, uma que favorece a conveniência industrial imediata em detrimento de uma visão de futuro alinhada com as tendências globais de sustentabilidade e inovação tecnológica.
Ainda mais grave é o impacto da
não preparação do Brasil para um papel de liderança na cadeia global da
eletromobilidade. Ao não investir e incentivar adequadamente essa transição, o
país corre o risco de ficar à margem do mercado internacional, perdendo a
oportunidade de se estabelecer como um player relevante neste campo emergente e
estratégico.
Primeiramente, a implementação de tarifas de importação sobre veículos elétricos, em uma conjuntura em que a produção nacional é inexistente e as anunciadas fábricas dedicadas a essa produção estão a anos de se concretizar, não faz nada além de blindar a indústria automobilística tradicional movida a combustão e perpetuar o status quo. Tal medida não contribui para estimular a fabricação nacional de veículos elétricos, mas, sim, para salvaguardar práticas e negócios ultrapassados, impedindo o avanço tecnológico e a modernização do setor automotivo no país.
Durante o ano de 2023, com a chegada ao país de marcas novas, como BYD e GWM, tivemos um pequeno vislumbre do que poderia ser uma transição automotiva, com a promessa de democratização dos carros elétricos. Foram anunciadas grandes reduções de preços e modelos previstos para serem lançados abaixo de R$ 100 mil em 2024, o que os alinharia aos preços de carros populares.
Essa expectativa, no entanto, enfrentou um revés com o recente aumento de impostos que, ao adotar um sistema de cotas de importação isentas, incentiva que os fabricantes importem apenas veículos mais caros e de maior margem. Contraditoriamente, isso subverte o discurso governamental inicial, que criticava os incentivos à importação por supostamente beneficiarem as classes mais altas, e, agora, com as novas medidas, frustra a possibilidade de popularização da mobilidade elétrica no país.
Tudo fica bem mais claro quando vemos também a inclusão de última hora dos carros a combustão no quadro de incentivos fiscais da reforma tributária, que eram originalmente projetados apenas para veículos eletrificados. A Stellantis, apontada pelas demais montadoras como articuladora dessa manobra, conseguiu, com isso, prorrogar até 2032 seus mais de R$ 5 bilhões de incentivos fiscais anuais para veículos a combustão, valor maior que a previsão anual de toda a isenção fiscal federal que os Estados Unidos planejam conceder a carros elétricos pelos próximos anos.
O Brasil, ao aprovar benefícios
fiscais ampliados para carros a combustão e taxar veículos elétricos, está
claramente dirigindo-se contra a corrente da inovação. A indústria
automobilística seguirá o caminho traçado pelos incentivos governamentais; se o
nosso governo insiste em apontar para o passado, a indústria acelerará nessa
direção. Com essas medidas, nosso país pisa fundo rumo ao retrocesso, enquanto
o resto do mundo avança em direção a um futuro mais limpo e tecnologicamente
avançado. Estamos na contramão da inovação e, se a rota não for corrigida, o
Brasil poderá se ver preso numa era que o mundo está decidido a deixar para
trás.
Rafael Levy - Co-fundador da 100 Open Startups e Diretor do Centro
de Open Innovation Brasil
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