Em meio à pandemia e às inúmeras incertezas sobre a imunização da população, o natural o brasileiro fica perdido diante de tantas informações, às vezes até desencontradas. Poucos sabe por exemplo que para que o imunizante atenda a população é necessário que seja cumprida cinco etapas, que vai desde a pesquisa, passando por testes, avaliação da agência regulatória e registro, até o início da campanha de vacinação. São processos que podem ser demorados mesmo durante pandemias, porque a questão é de saúde pública mundial. "É preciso ter certeza da eficácia e de que não haverá reações adversas, por isso, mesmo após o registro e início das campanhas de vacinação, é importante destacar que os efeitos da vacina continuam sendo monitorados", afirma Marcelo Goyanes, do escritório Murta Goyanes Advogados, renomado em questões de propriedade intelectual – leia-se patentes e direitos autorais.
Mergulhados
no tema há meses, os profissionais do Murta Goyanes organizam um documento de
perguntas e respostas, comumente feitos pela população, leiga no assunto
pandemia. Como dúvidas são diversas, mas a mais latente é o prazo para que a
vacina seja regularizada e chegue até os brasileiros em geral. "Em outras
modalidades de trâmite prioritário, o INPI levou um tempo médio de 163 dias
entre o requerimento e a decisão final em 2020. É uma corrida contra o tempo.
Porém, a situação de emergência levou à agência a permitir pedidos de uso
emergencial, como já ocorre em países europeus e nos Estados Unidos, por
exemplo, e a autorização emergencial possibilidade o início da vacinação antes
do registro oficial", afirma Goyanes.
- O que é necessário para que a
vacina chegue até a população?
Uma
empresa desenvolvedora deve passar por cinco etapas necessárias para a produção
de uma nova vacina:
-
Etapa preliminar: P&D em laboratório para avaliar dezenas de possibilidades
de composição da vacina, bem como as melhores abordagens, estudos de modelagem
molecular, etc.
-
Testes pré-clínicos: ensaios in vitro e/ou in vivo, resultados demonstrando a
segurança da vacina.
-
Testes clínicos:
Fase
1 - busca avaliar a segurança e possíveis reações indesejáveis no local da
aplicação da vacina ou no organismo.
Fase
2 - busca avaliar a dose, a forma de vacinação e a capacidade de gerar
anticorpos na população (faixa etária, por exemplo) que deveria ser indicada
para receber a vacina.
Fase
3 - os testes nessa etapa são realizados em grandes populações para avaliar a
segurança e a eficácia da vacina. A vacina precisa provar que, de fato, é capaz
de nos proteger da doença.
Finalizadas
tais etapas, a empresa já pode submeter o pedido à agência regulatória
(responsável pela concessão do registro) no país (no Brasil, a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária - Anvisa). E existem duas formas de solicitação:
Pedido
de uso emergencial - feito antes do registro final mediante a vacinação de um
grupo específico da população. Precisa ser enviado à Anvisa pela empresa
fabricante ou importadora da vacina, presente no território brasileiro. Pode
ser realizado concomitante com a fase 3.
Registro
- profissionais especializados da agência revisarão todos os documentos
técnicos e regulatórios a fim de avaliar os dados de segurança e eficácia, bem
como a qualidade da vacina.
O
registro concedido pela agência regulatória – Anvisa – é o sinal verde para que
a vacina seja comercializada e disponibilizada à população no país.
- Quanto tempo demora para uma
patente ser concedido no caso de pandemia mundial?
A
resposta depende das legislações de propriedade industrial de cada país, mais
particularmente na tocante à adoção de alguma estratégia para priorização de
exame de pedidos de patente dos Escritórios de cada jurisdição. No Brasil, o
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) lançou, em 04/07/2020, um
programa visando a priorização do exame de pedidos de patente relacionados a
produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em
saúde, ao diagnóstico, à profilaxia e ao tratamento da Covid-19 por meio da
Portaria n° 149/2020. Seu objetivo visa o estímulo, a produção e o
licenciamento de novas tecnologias que podem ser usadas no combate à pandemia
do novo coronavírus. Segundo dados oficiais do INPI, 115 requerimentos de exame
prioritário para tecnologias relacionadas com covid-19 já foram protocolados,
dos quais 52 foram apresentados pelo próprio depositante ou por terceiros e 63
foram apresentados via ofício do Ministério da Saúde.
Atualmente,
não existem dados oficiais quanto ao tempo médio desde o requerimento de exame
até a obtenção da concessão de uma patente com base neste trâmite prioritário.
Porém, em outras modalidades de trâmite prioritário, o INPI levou um tempo
médio de 163 dias entre o requerimento e a decisão final em 2020. Cabe
ressaltar que, por se tratar de tecnologias muito recentes, muitos dos pedidos
de patentes especificamente relacionados às vacinas para covid-19 ainda não
foram publicados, encontrando-se, ainda, na fase de sigilo de.
Vale
lembrar, ainda, que no Brasil, os pedidos de patente relacionados a produtos ou
processos farmacêuticos precisam ser anuídos previamente pela ANVISA para ter,
posteriormente, seus requisitos de patenteabilidade analisados pelo INPI
(conforme preconiza o artigo 229-C da Lei nº 9279/96 – Lei da Propriedade
Industrial).
- O que falta ao Brasil para conseguir começar a
vacinar, seguindo o cronograma mundial?
-
Produção e entrega das doses: de acordo com o Ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello, a previsão da pasta é que 24,7 milhões de doses de vacinas estejam
disponíveis no janeiro. Entre os acordos realizados até agora, estão doses do
imunizante CoronaVac (produzido pela Sinovac em parceria com o Instituto
Butantan) e da vacina produzida pela Pfizer/BioNTech, principal responsável
pelas campanhas de vacinação na Europa. Alguns estados, como São Paulo, Bahia e
Paraná também já firmaram contratos individuais com laboratórios para a
aquisição de vacinas. Além disso, a Fiocruz será responsável pela produção da
desenvolvida pela Universidade de Oxford e AstraZeneca, e prevê a entrega do
primeiro lote das vacinas para fevereiro, com aumento gradual da produção até o
fim do mês, quando possível será entrega até 3,5 milhões de doses por semana.
-
Registro da Anvisa: as empresas precisam solicitar o registro de suas
respectivas vacinas junto à Anvisa para poder ser comercializá-las.
-
Definição da logística de vacinação: concluídas como fases de produção,
aquisição e autorização da vacina, o último passo será a organização da
campanha que garantiu a imunização da maior quantidade possível de pessoas em
tempo hábil.
O
cumprimento das previsões, porém, depende de um plano estratégico que deve
considerar as particularidades de cada população e outros detalhes importantes,
como limitações de armazenamento e transporte das vacinas.
Até
o momento, o Ministério divulgou apenas o Plano de Imunização, que oferece
autonomia aos estados na distribuição. De acordo com o cronograma informado
pela pasta, a hipótese melhor para dar início à campanha de vacinação contra
Covid-19 no Brasil é o dia 20 de janeiro. O segundo caso é iniciá-lo entre 20
de janeiro e 10 de fevereiro. O cenário mais tardio seria começar a vacinação
somente após 10 de fevereiro.
De
acordo com tal Plano de Imunização, o primeiro grupo a ser imunizado consistirá
em profissionais da saúde, população idosa a partir dos 75 anos de idade,
pessoas com 60 anos ou mais que vivem em asilos e instituições psiquiátricas,
indígenas e quilombolas.
- Por que a Europa e os EUA já
começaram, e nós não?
Estes
países estão imunizando sua população porque já conseguiu superar os pontos
elencados na resposta anterior (produção/entrega de doses, registro na
autoridade regulatória local e definição da logística). Cumprir a nota da
Anvisa não possui requisitos mais ou menos rigorosos do que as agências
regulatórias de outros países, como a FDA (Estados Unidos), EMA (Europa) e PMDA
(Japão). Os requisitos adotados pela Anvisa são baseados nas guias dessas
agências. Ademais, como análises feitas pelas agências que já concederam
registro para determinadas vacinas serão aproveitadas pela Anvisa, de forma a
evitar retrabalho e otimizar o tempo de análise.
- A Anvisa é o órgão mais indicado
para autorizar a produção de vacinas?
No
Brasil, a Anvisa é o único órgão responsável pela avaliação e aprovação de
solicitações para a realização de pesquisas clínicas com fins de registro e de
pedidos de registro de imunobiológicos desenvolvidos pela indústria
farmacêutica.
- Uma nacionalidade faz diferença?
Não,
uma vez que, para concessão do registro e posterior disponibilização da vacina
para a população, todo e qualquer insumo importado de qualquer país é, antes de
tudo, aprovado pela Anvisa. Ainda, na eventual possibilidade de alteração de
algum insumo, o fabricante deverá encaminhar informações sobre possíveis
impactos no desempenho da vacina à agência. A Anvisa faz a inspeção das
fábricas para Certificação de Boas Práticas de Fabricação, visando garantir que
uma fábrica, em qualquer lugar do mundo, cumpra com os requisitos determinados
legislação pela brasileira, onde são avaliadas as estruturas físicas das áreas
de produção, armazenamento e laboratórios de controle de qualidade, além de
toda a documentação do sistema de garantia de qualidade da empresa. Além de
analisar os compostos em si, a Anvisa também faz inspeções periódicas nos
países exportadores.
Segundo
a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abifiqui),
somente 5% dos insumos utilizados pela indústria farmacêutica para a produção
de medicamentos prontos são produzidos no Brasil — os outros 95% são
importados. Cerca de 35% desses insumos importados pelo Brasil vêm da China, de
acordo com relatório da Anvisa de outubro. O único país que exporta para o
Brasil mais ingredientes do que China é a Índia: 37% dos insumos farmacêuticos
vêm de lá. As empresas que não atendem aos padrões de qualidade e
segurança exigidos perdem o registro da Anvisa e ficam impossibilitadas de
exportar produtos para o Brasil. Neste sentido, não há motivos para
desconfiança em relação à origem do Intermediário Farmacêutico Ativo (IFA) a
ser empregado em determinada vacina usada no programa brasileiro de vacinação.
Como exemplo, vale lembrar que a própria vacina desenvolvida pela Universidade
de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca possui um IFA fabricado na
China, conforme relatado pelo infectologista e pesquisador da Fiocruz, Júlio
Croda.
- Qualquer clínica de vacinação pode
ter sua própria encomenda de vacina para atender a população?
Não
há nenhuma restrição para que um laboratório formalize um pedido para atender a
rede privada. No entanto, o governo federal terá prioridade ao acesso das doses
para o programa nacional (SUS – Sistema Único de Saúde), mesmo diante de uma
eventual negociação entre a rede privada e algum fabricante internacional.
Vencida essa etapa, aí, sim, as clínicas de vacinação poderão ser abastecidas.
Cumpre esclarecer que as doses só poderão ser vendidas pela rede privada
mediante registro e autorização na Anvisa.
- Os estados do Rio e de São Paulo
podem começar antes da União a vacinar? O que impede ou não?
Há controvérsia
sobre o tema. Apesar da responsabilidade pelas vacinas ser da União, alguns
órgãos estaduais acabam participando do processo de produção de uma parte
significativa das vacinas a serem distribuídas pelo país, como, por exemplo, o
Instituto Butantan, vinculado ao Governo do Estado de São Paulo. Acontece que
isolados, os órgãos estaduais não terão capacidade para a produção e
distribuição em escala nacional e precisando de recursos federais para tal.
Segundo Florentino Leônidas, sanitarista pela Universidade de Brasília (UnB),
"campanhas estaduais de vacinação serão insuficientes, acentuarão
desigualdades e potencializarão a descoordenação existente em relação à
Pandemia da Covid-19. Precisamos de financiamento federal para ter vacina para
todos, logística adequada e os insumos necessários". O sucesso nas
campanhas de vacinação é decorrente dos esforços entre União, Estados e
Municípios.
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