Aqui
em Porto Alegre, uma estudante de 25 anos vende trufas no Centro Histórico. Vem
daí o sustento dela e o do pai adotivo (que produz as trufas), bem como o
custeio das mensalidades do curso de Psicologia. A dura condição de vida da
jovem não fez parar a mão criminosa que há duas semanas lhe tomou a féria de R$
280,00. Desesperada, a moça usou a rede social para contar sua história e
promoveu uma vaquinha que, em duas semanas, recolheu R$ 7 mil. Que fez ela,
tendo em mãos a solução para tantos de seus problemas? Saiu a ajudar pessoas
que, em outras vaquinhas, expressavam suas dificuldades e apelavam à anônima
solidariedade dos que ainda se percebem humanos. Já foram ajudados, entre
outros, uma criança com câncer e um estudante que vende latinhas com o intuito
de comprar um computador para redigir seu trabalho de conclusão de curso. Isso
é solidariedade. A história está contada em ZH do dia 1º de abril, na coluna do
jornalista Paulo Germano.
Tenho
uma sobrinha que mora há uns poucos anos nos Estados Unidos. Em meados de 2018,
foi diagnosticada com câncer no cérebro.
Tumor agressivo, mas susceptível de tratamento com uma tecnologia nova,
experimental. Os cuidados médicos e hospitalares eram incompatíveis com o orçamento
familiar. Uma vaquinha criada por amigos arrecadou, rapidamente, doações que
ultrapassaram 100 mil dólares e lhe permitiu iniciar o tratamento. Isso é
solidariedade.
Vejamos agora o que
acontece quando o Estado se mete. Desde Vargas, os políticos brasileiros acenam
com o Estado de Bem-Estar Social. É incalculável o número de zeros que
precisariam ser adicionados a um outro algarismo significativo para representar
o quanto de dinheiro da sociedade já foi arrecadado com essa finalidade. No
entanto, nosso IDH precisa engatar primeira marcha para subir, resfolegando,
uma ladeira com inclinação de 1%. País pobre, com taxa de investimento que
precisa quebrar cofrinhos para chegar a 16% do PIB ao ano, só proporciona
bem-estar social para sua elite. Esse tipo de Estado, que orienta as políticas públicas
no Brasil, mostrou estar para os objetivos a que se propõe assim como o machado
está para a cirurgia de fimose. Fez o Estado agigantar-se sobre a sociedade e
gastar em si os recursos arrecadados para a promoção do tal bem-estar. Com
isso, empobreceu a nação, inibiu o crescimento econômico e a geração de renda
sem a qual miséria e desemprego se tornam produtos naturais.
Paradoxalmente,
parcela significativa da sociedade, distribuída em todos os estratos sociais,
mantém para com o Estado relação de desejo, uma forma de amor em que não é
difícil perceber sinais de sua natureza erótica.
O
sonho do Estado generosamente provedor gerou o Estado aproveitador e os
aproveitadores do Estado, criando um sorvedouro de recursos efetivos e um
buraco negro onde desaparece a virtude da solidariedade. Esta magnífica virtude
social não é antagônica à dimensão individual do ser humano, mas é, sempre como
virtude, compatível com a vida em sociedades livres. Há mais justiça onde a
solidariedade se manifesta, onde as pessoas voluntariamente se ajudam, onde
iniciativas da comunidade buscam promover a ascensão social, onde a moça que vende trufas socorre quem precisa,
onde pessoas doam dinheiro para uma jovem com câncer. Há uma energia poderosa
na solidariedade que se manifesta livremente como ato da vontade. Leva uns a
atravessar o planeta para ajudar povos distantes em suas catástrofes. Outros a
serem médicos sem fronteiras. Também aqui em Porto Alegre, tivemos recentes
exemplos de empresários custeando a conclusão de um túnel; de outros entregando
dezenas de viaturas, armas e munições para a Brigada Militar; e de um outro,
ainda, doando à Santa Casa de Misericórdia meios necessários para construir
diversos andares de um novo hospital.
A
solidariedade anima valores imateriais que determinam mudanças mais profundas
do que quando as pessoas, numa perigosa “teologia” do Estado, cuidam apenas de
si mesmas confiando em que ele cuidará de todos.
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de
jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a
tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo
Pensar+.
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