O depoimento de uma mãe sobre o que mudou na vida
da família depois que o filho foi diagnosticado com TEA - Transtorno do
Espectro do Autismo
Quando ele nasceu, como qualquer outra família
pedimos à Deus que ele tivesse saúde pro resto da vida.
Ele foi crescendo, se desenvolvendo, estava cada
dia maior e mais pesado! Que alegria! Os marcos de seu desenvolvimento foram
todos passados com louvor! Apontava os objetos, olhava quando era chamado,
andou poucos dias após o seu aniversário de 1 ano. Tudo corria na mais perfeita ordem.
Perfeita ordem? Existe isso? Mal sabíamos que o
normal não, necessariamente, é o certo para nós, que fora da vida em que
vivemos, existem tantos outros “universos particulares” e que cada um segue sua
vida dentro das suas limitações.
Limitações? Existe isso? Mal sabíamos que as
limitações para uns são exatamente o que precisam para ser feliz!
Ser feliz? Existe isso? Mal sabíamos que nas
pequenas coisas, nas pequenas atitudes e nos pequenos avanços, podíamos ser
mais felizes que muitos ganhadores de “oscars”.
Ele foi crescendo, e, a partir de seus 18 meses
percebemos que algo estava errado! Ele não falava nada, pouco emitia sons,
começamos a perceber que ele batia muito os braços quando estava muito feliz ou
ansioso, começou a chorar e gritar mais do que sempre fez. Chamar a mãe ou o pai, só aos gritos
de “ouuuuuuuuu”. Bom,
percebemos que alguma coisa que não estava correndo bem!
Conversamos com um conhecido, com outro e sempre
as mesmas falas, “ele é muito mimado”, “vocês fazem tudo o que ele quer, falar
pra que?”, “coloca na escola, vocês vão ver, vai falar rapidinho.”
Quando ele completou 20 meses colocamos na
escola. “Agora tudo será resolvido!” O tempo foi passando e nada, a escola nos
chamou, fez milhares de apontamentos e até diagnósticos deram.
Respirar fundo e pensar! Era só o que fazíamos
para tentarmos manter a calma. Principal hipótese, autismo!
A partir daí começamos a girar em torno do nosso
rabo, desculpem a expressão. Conhecemos vários médicos, vários especialistas e
cada um dizia uma coisa. Resultado: estávamos perdidos.
Perdidos pois já tinham colocado um rótulo no
nosso filho, porém não sabíamos como lidar com tudo isso e não encontrávamos
pessoas que aliviassem, explicassem ou até entendessem a nossa dor.
Foi aos 3 anos e meio que veio o laudo
definitivo, dado por uma equipe multidisciplinar da universidade de SP. Estava
lá, escrito, no papel, na nossa testa e na cara dele, aquele rótulo, AUTISTA.
Como todas as famílias passamos por um período de
luto, só quem recebe esse diagnóstico sabe o que estou falando, mas não durou
muito não. Fomos à luta! Vamos fazê-lo desenvolver seu melhor! O nosso primeiro
objetivo era que ele falasse.
Fomos para fonoaudiólogos, psicólogos,
neurologistas, todos que vocês possam imaginar, mas ninguém entendia o nosso
filho. Ele era diferente, nem pior, nem melhor do que o filho de ninguém,
apenas diferente. Ele funcionava de uma maneira atípica e isso fazia com que os olhares das pessoas fossem
todos para ele, sempre!
Não desistimos, corremos atrás sem pensar, vimos
a necessidade de ter especialistas em autismo por perto, uma vez que percebemos
que a maioria dos profissionais não estava preparada para atender crianças
com esse diagnóstico. Fizemos terapia fonoaudiológica, equoterapia, musicalização, esportes diversos...
fomos incansáveis.
Aos 4 anos ele começou a falar e a se comunicar
com os amigos e conosco!!! Que alegria, uma etapa vencida, meu filho conseguia
falar para o mundo o que ele sentia! Foi um divisor de águas em nossas vidas.
A partir disso, a socialização dele na escola
mudou, ele começou a ter amigos, a brincar com eles, porém o que não mudava era
o modo dele encarar o mundo, de viver a vida.
Começamos a perceber que ele não dava importância
para as coisas sofisticadas, para o ter, e sim para as coisas simples da vida,
se tornou um menino doce, querido por todos, pouco reclamava, pouco pedia, mas
muito falava, meu Deus, como falava.
Foi em uma dessas conversas intermináveis que
ele disse que o presente mais especial que havia ganhado em seu
aniversário, era o pijama que ganhou do melhor amigo. Em meio a vídeo games, ipads, brinquedos caríssimos que ele tinha, o melhor
presente era
aquele que o amigo que ele tanto amava tinha dado.
Foi aí que cansamos de correr atrás de médicos e
equipes que não sabiam como tratá-lo e fomos atrás de equipes especializadas em
TEA, em pessoas que confiávamos. Queríamos entender o mundo em que o nosso
filho vivia.
Para a nossa surpresa, a equipe decidiu tirar o
diagnóstico de TEA dele! Choramos de alegria, de alívio, de agradecimento.
Porém, naquele momento, não nos demos conta que não era o diagnóstico do nosso
filho que importava, que não era como chamavam ele e sim o que ele e nós sentíamos e como ele
era tratado.
Crescemos, amadurecemos, sofremos, vivemos cada
segundo com um peso de um nome em um papel: AUTISTA.
Se ele é ou não, ainda temos dúvidas, mas o que
mais importa é que aprendemos a não submeter nosso filho a um simples
diagnóstico, o diagnóstico é muito importante para direcionar a família, mas
não para aprisioná-la.
Com tudo isso que contei, quero deixar para quem
está lendo e que tem um filho com diagnóstico de TEA, de que o mundo é muito
maior do que um simples diagnóstico. Que temos sempre que correr atrás do
melhor para os nossos filhos, mas que nunca podemos permitir que limitem suas conquistas e
seus aprendizados. Temos sempre que correr atrás para que tudo seja feito da
melhor maneira para eles.
Que sejamos todos respeitados e que tenhamos
nossos direitos garantidos seja lá qual cor, qual religião, qual orientação
sexual ou qual diagnóstico tenhamos. O mundo é de todos e para todos.
Necessitamos com urgência que os profissionais
envolvidos com o transtorno do espectro do autismo, professores,
fonoaudiólogos, médicos e psicólogos, sejam capacitados para lidar com pessoas
como o meu filho.
Renata
Haddad - pedagoga, pós-graduada em Neuroeducação com ênfase em Transtorno do Espectro do Autismo
e mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento – área voltada para a
capacitação de professores para educação inclusiva.
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