Uma boa notícia: não, a água não está acabando. Não
existe um “ralo” por onde a água saia do planeta Terra. Mas a água disponível
para o consumo humano, em qualidade e quantidade suficiente, essa sim pode
entrar em extinção.
A demanda por água doce está aumentando e ela está
ficando mais escassa, com menor qualidade, como relatou recentemente a Unesco.
A mudança do clima está provocando maior impacto no ciclo hidrológico, com
eventos climáticos extremos mais frequentes, causando enchentes e alagamentos
em diversas regiões, assim como estiagens e dificuldade no acesso à água em
outras. A falta de água representa um risco econômico, riscos à segurança
alimentar e à saúde humana. A água pode ficar cada vez mais cara e seu acesso
mais restrito, provocando conflitos de interesse e disputa pelo seu uso.
As metas estabelecidas pelo Brasil no Acordo de
Paris incluem a restauração de 12 milhões de hectares de floresta. Em termos de
adaptação à mudança do clima e pensando na natureza como solução, saber onde
plantar esses 12 milhões de hectares faz uma grande diferença. A restauração
ecológica é uma forma muito estratégica de usar os recursos naturais para
atingir as metas globais e melhorar a qualidade de vida da população
brasileira, especialmente considerando o aumento de resiliência às mudanças
climáticas e a retenção de sedimentos que chegariam aos rios, com melhoria da
qualidade hídrica e conservação da biodiversidade por meio do estabelecimento
de corredores ecológicos.
O relatório da Unesco denominado “Soluções baseadas
na Natureza para a gestão da água”, lançado em 2018, aponta a combinação de
infraestrutura verde e cinza como opção para redução de custos e redução geral
de riscos. A implementação de Soluções baseadas na Natureza para a gestão de
inundações – que garantam a infiltração de água na terra e reduzam o escoamento
superficial de água – é totalmente coerente com a criação de parques lineares,
estratégia defendida pela Fundação Grupo Boticário para adaptação de municípios
aos impactos causados por chuvas extremas.
Estudos lançados nos últimos meses, com a
participação da instituição, apontam que o investimento em infraestrutura
natural promove a retenção dos sedimentos que chegariam até os rios, reduzindo
assim os custos de tratamento de água, além de aumentar a vida útil do
manancial, retardando em muitos anos a necessidade de buscar outras fontes de
abastecimento. Resultados semelhantes foram observados nas bacias do
Cantareira, em São Paulo; Guandu, no Rio de Janeiro; e do Rio Vermelho, em
Santa Catarina.
O investimento na natureza traz benefícios
relacionados ao controle de enchentes e aumento de resiliência que se estendem
a outras localidades. Tal estratégia, representaria custos evitados na ordem de
quase R$2 milhões de reais por ano aos catarinenses. Em São Paulo, a
recuperação florestal de 4 mil hectares e a preservação das áreas naturais
existentes levaria a uma redução de R$ 219 milhões em custos com o tratamento
de água ao longo de três décadas.
Isso porque a natureza não vê fronteiras: os
benefícios de uma área preservada podem ser sentidos a quilômetros de
distância. O relatório da Unesco também aborda esse conceito de integralidade
dos serviços ecossistêmicos, mostrando que a chuva que abastece a Bacia do Rio
da Prata vem da evapotranspiração da Bacia Amazônica.
É preciso lembrar que as Soluções baseadas na
Natureza trazem ainda benefícios adicionais, como o sequestro de carbono, que
reduz os gases de efeito estufa na atmosfera e os impactos da mudança do clima,
maior desafio que a nossa sociedade terá de enfrentar nas próximas décadas. A
implantação de ações baseadas na infraestrutura natural permitem a expansão de
habitats para a biodiversidade, combatendo as duas principais causas de pressão
sobre a biodiversidade apontadas pela Convenção da ONU sobre Biodiversidade,
que são a degradação de habitats e a mudança do clima.
As Soluções baseadas na Natureza dependem de
ecossistemas saudáveis e somente a proteção dos ambientes naturais garante que
poderemos contar com a natureza para nos ajudar a ter melhor qualidade de vida
nos próximos anos. A biodiversidade depende de nós para que seja preservada,
porém nós dependemos ainda mais da biodiversidade para garantir a vida no
planeta, tal como conhecemos. Essa é outra boa notícia: só depende de nós mudar
a forma como tratamos a natureza e o quanto poderemos contar com as soluções
que ela nos oferece!
Juliana Baladelli Ribeiro - bióloga e analista de
Soluções baseadas na Natureza da Fundação Grupo Boticário.
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