Se
de um lado a legislação brasileira (CC, art. artigo 389) é clara ao dispor que
o devedor, ao deixar de cumprir uma obrigação por ele assumida, responderá
pelas respectivas perdas e danos, acrescidas de juros e atualização monetária,
além de honorários de advogado; por outro é cristalina (CC, art. 393) ao
exonerar a responsabilidade do devedor pelos prejuízos decorrentes do
descumprimento de uma obrigação nas hipóteses de caso fortuito ou força
maior, desde que por isso não tenha expressamente se responsabilizado.
Mas
afinal, o que é caso fortuito? E força maior? A resposta para tal
indagação está na própria lei que os define. Segundo o parágrafo único do
artigo 393 do Código Civil, o caso fortuito ou força maior
verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir.
É
interessante destacar que a legislação não distingue um do outro, de modo que
tal encargo ficou para os doutrinadores, isto é, para estudiosos do Direito, e
mesmo entre eles não há um consenso a respeito dessa matéria.
Mas,
e essa diferenciação? Ela é importante? É o que veremos a seguir.
Imaginem
só um desafortunado devedor, momentaneamente incapaz de cumprir uma obrigação
por ele assumida, cujo descumprimento ensejará graves e irremediáveis
consequências! O infeliz devedor, então, diante dessa situação
desesperadora, não vê alternativa senão... com o coração palpitando, com os
olhos embargados e com as mãos postas em direção aos céus, segurando entre os
dedos um esmaecido santinho do Santo Expedito... invocar a providência divina!
Imediatamente, de forma miraculosa, uma tempestade, digna de causar inveja ao
próprio Noé, passa a desabar dos céus. Trovões ensurdecedores, ventanias
furiosas e raios assustadores despontam por todos os cantos e em todas as
direções. Enfim, uma calamidade sem precedentes! Por conta disso,
estabelecimentos e repartições públicas são fechados, a energia elétrica e as
comunicações são interrompidas, as ruas ficam alagadas, as pessoas isoladas e o
devedor — agora grato e aliviado pela intervenção divina — impedido,
consequentemente, de cumprir a obrigação que assumiu, em decorrência desse
evento invencível e imprevisível!
Alguns
estudiosos do Direito, do escol do Professor Álvaro Villaça de Azevedo, ao
analisar um caso assim, diriam que não se trata de força maior, mas, em
vez disso, de um típico caso fortuito. Aliás, para esses estudiosos, o
fator de diferenciação entre ambos reside justamente na respectiva causa:
o caso fortuito é o acontecimento provindo da natureza, sem qualquer
intervenção da vontade humana; e a força maior é a atuação humana, não
do devedor, que impossibilita o cumprimento obrigacional.
Já
outros doutrinadores, do jaez da ilustre Professora Maria Helena Diniz,
seguindo essa mesma linha de raciocínio, entendem justamente o contrário, ou
seja: consideram força maior o fato que decorre da força da natureza e o
caso fortuito aquele que decorre de causa desconhecida.
Há,
ainda, aqueles estudiosos do Direito que entendem que tal diferenciação deve
ser feita com base na imprevisibilidade, presente apenas nos casos
fortuitos, e na inevitabilidade, presente na força maior.
Mas,
afinal, essa diferenciação é importante?
E
a resposta é bem simples: não há dúvida nenhuma que nos meios acadêmicos isso é
um assunto importante, mas, para o devedor... certamente tal diferenciação não
tem a menor relevância. O que realmente importa para ele é que a
legislação pertinente, nas hipóteses de caso fortuito ou força maior,
o exonera de responder por prejuízos decorrentes de obrigação descumpridas, desde
que em relação a isso não tenha expressamente se responsabilizado.
É
importante ressaltar que aquilo que importa ou que serve para um, nem sempre é
útil ou aplicável para o outro.
Para
uma melhor compreensão, vejamos novamente o mencionado caso ilustrativo. Se
para aquele devedor a enchente foi providencial e está perfeitamente inserida
no campo do caso fortuito e da força maior, pode ser que para um
outro, dependendo do caso concreto, o enfoque seja completamente diferente.
Aliás, é o que se verifica dos entendimentos adotados pelo TJ-RJ e pelo TJ-SP,
ao tratarem de casos análogos. O TJ-RJ, por exemplo, ao analisar um caso
semelhante, entendeu que os serviços públicos devem ser prestados com
adequação, eficiência e segurança, de modo que os danos ocorridos ao imóvel
particular, antes de configurar caso fortuito e força maior,
refletem a falta de manutenção e segurança das obras de drenagem realizadas
pelo ente público municipal. Diante dessas circunstâncias, entendeu que o
sofrimento, a angústia e o dissabor experimentados por aqueles que têm seus
bens imóveis atingidos pelas águas consubstanciam fundamento suficiente para
legitimar a obrigação de indenizar por danos morais (cf. TJ-RJ APL
02003952020118190001; p. 05/03/15). Já o TJ-SP, por exemplo, em caso análogo,
entendeu inexistir o dever de indenizar. Trata-se, segundo essa Corte, de uma
ocorrência natural e imprevisível, situada no campo do caso fortuito
e da força maior (TJ-SP APL 0005431-14.2012.8.26.0125; p. 03/09/14).
Depreende-se,
portanto, que o entendimento a respeito daquilo que diferencia o caso
fortuito da força maior está longe de ser harmônico, e que a
caracterização dessas excludentes, de modo a exonerar a responsabilização do
devedor pelos prejuízos advindos de obrigação por ele assumida, depende das
peculiaridades de cada caso concreto.
José Ricardo Armentano - Advogado da Morad Advocacia
Empresarial
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