O dia 16 de fevereiro de 2018 ficará marcado na história do Rio
de Janeiro (RJ). Só não se sabe com qual cor! Naquela data, o atual Presidente
da República Federativa do Brasil, Michel Temer, decretou intervenção federal
no Estado do Rio de Janeiro, com base no art. 34, III, da Constituição Federal
(pôr termo a grave comprometimento da ordem pública), após reunião de
urgência realizada com autoridades do Estado, inclusive com o Governador, Luiz
Fernando Pezão. Segundo informações veiculadas na mídia nacional, Pezão havia
dito que a medida pleiteada em reunião com Temer seria, na verdade, a ampliação
da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), já instaurada no Estado. No entanto, o
governo o havia convencido de que a intervenção se fazia necessária. Entre idas
e vindas políticas, a autonomia estatal foi afastada temporariamente, conforme
determina a “Constituição Cidadã”.
A intervenção federal, com base no já citado dispositivo
constitucional, foi pensada para afastar a autonomia política e administrativa
dos entes da federação nacional, em situação considerada crítica, assim
entendida como aquela na qual a unidade federativa declara sua incapacidade
momentânea de gerir a coisa pública. Esse afastamento pode ser solicitado pelos
Poderes Legislativo ou Executivo, estatal ou distrital (no caso do Distrito
Federal), ou ainda requisitado pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente
para prover a execução de lei federal ou de decisão judicial. Além disso, a
intervenção, para ser efetivada, precisa da aprovação do Congresso Nacional
(controle político), salvo nos casos dos incisos VI e VII do art. 34 da CF.
Percebe-se que a população local não é provocada a se manifestar. Nem daria
tempo, dizem alguns, pois se trata de situação crítica e emergencial. De fato!
Mas crítica e emergencial por quais motivos? Em outras palavras, o que
determinou que a situação se tornasse crítica, exigindo, portanto, um ato
federal interventivo?
A cidadania, fundamento da República Federativa do Brasil (art.
1º, II, da CF), baseia-se, atualmente, na possibilidade de o cidadão,
pertencente a uma comunidade política, participar multiculturalmente de
várias entidades estatais, nas suas mais variadas esferas, inserida obviamente
em uma conjuntura social que a própria Constituição garante. Há novas dimensões
de cidadania que a sociedade não mais ignora. Pelo menos não deveria! Nessa
esfera de atuação cidadã insere-se a autonomia estatal, subordinada, como se
percebe do texto constitucional e das decisões políticas nacionais, ao Estado
brasileiro, cujo poder maior pertence ao próprio povo, e não ao Presidente.
Pensar em decisões da magnitude de uma intervenção federal como realizada no
estado do RJ, que de fato foi alcançada conforme procedimento estabelecido em
nossa Constituição, requer um olhar mais cuidadoso e apurado, principalmente no
que diz respeito à participação popular no processo decisório estatal, antes
que se chegue às situações críticas que a CF estabelece.
O Rio de Janeiro vem
de um longo período de insegurança pública, econômica e social, decorrente de
uma série de fatores, dentre eles a falta de representatividade dos interesses
sociais locais, notadamente na esfera dos direitos fundamentais. Aliás, vale
lembrar que, durante a intervenção federal, esses direitos, consagrados em
nossa Constituição, além dos decorrentes de princípios e do regime democrático
e dos tratados internacionais adotados pelo Brasil (art. 5º, §2º, CF), deverão
ser rigorosamente respeitados, de modo que a população fluminense não só
precisa ser ouvida durante esse período (o Decreto estabeleceu a intervenção
até 31 de dezembro de 2018), como em todos os momentos e decisões que envolvam
a vida do estado, para que somente assim a história do Rio de Janeiro seja
marcada com cores que condizem com seu status de “Cidade Maravilhosa”, ou seja,
como pretendia Tucídides, historiador grego (465-395 a.C.), a justiça somente
será alcançada quando os não injustiçados se tornem tão mais indignados quanto
aqueles que de fato o são.
Pedro Vítor Melo Costa - professor de Direito
Constitucional e Direitos Fundamentais da Universidade Presbiteriana Mackenzie
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