A historiadora Michelle Perrot, em seu muito bem fundamentado
livro “Minha história das mulheres”, descreve a existência obscura a que
foram confinadas as mulheres antes de conhecerem o princípio de sua emancipação
no curso das revoluções burguesa e industrial que dão forma à modernidade.
Criaturas privadas de visibilidade e de direito de participar do debate sobre a
vida comum e condenadas ao silêncio, por muito tempo tiveram a sua humanidade
anulada. Nem mesmo a ciência e os novos saberes, na esteira das Luzes e da
Ilustração, foram capazes de reconhecer a sua dignidade.
Tratadas como inferiores, as mulheres numa sociedade tradicional
estavam condenadas a uma espécie de escravidão. Apesar de trabalharem desde sempre,
elas não passavam de ajudantes dos maridos, submetidas à lógica patrimonial das
relações e do mando. Não é por outro motivo que apareciam – e ainda aparecem em
algumas situações! – como servidoras da espécie. Daí, talvez, as funções a elas
associadas no contexto da vida comum, como a reza, o fazer benzeduras, a
ligação com o mundo íntimo da religião e da magia e o afastamento da ação
concreta, útil e utilitária que, no mundo moderno, se exerce para além da casa
e do espaço privado, na vida pública das ruas. Isso nos ajuda a compreender o
seu longo confinamento à vida doméstica, na realização de uma rotina que as
consome dia após dia na dependência de outro.
As mulheres tendo sido incorporadas em massa ao mundo do trabalho
e gradativamente à vida pública, a sua figura continuou associada à casa e aos
afazeres domésticos, configurando um novo tipo de sofrimento, como é o da dupla
jornada, que acomete sobretudo as pertencentes aos estratos inferiores da
sociedade. Estas, muitas vezes, vivem a situação paradoxal de cuidarem da
família de outras mulheres tornadas independentes para, depois, em uma segunda
jornada, dedicarem-se à própria casa, aos maridos e filhos. Violência que passa
despercebida, pois muitas vezes ocultada sob a figura de uma mulher independente
e dotada de poder numa sociedade ainda predominante masculina. A dupla
submissão de uma é a libertação da outra.
Mesmo que ao longo dos séculos XIX e XX, sob a lógica implacável da
segunda revolução industrial e da urbanização.
Não bastasse, há a violência física e moral, resultante de uma
história que reservou às mulheres um papel secundário em relação aos homens e
fez de seus corpos objetos de satisfação e de prazer sexual. Essa situação está
longe de ser superada e afeta indiscriminadamente todos os estratos sociais,
conforme demonstram as denúncias de assédio sexual que nos chegam por meio das
atrizes de Hollywood ou pelas trabalhadoras nos vagões lotados dos trens.
Neste dia internacional da mulher é oportuno
repensarmos a nossa condição e a oportunidade de esforços legislativos que
cumpram a dupla função de proteger as mulheres e educar a sociedade. Em um
momento em que os direitos fundamentais parecem estar sob ameaça, atuar na
proteção da vida, da liberdade, da integridade física e moral das mulheres é
tarefa necessária para a construção da boa sociedade. Quem não estiver firme ao
lado das mulheres, está contra a humanidade!
Rogério Baptistini
Mendes - doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho -Unesp (2001); mestre em Sociologia pela Universidade
Estadual de Campinas -Unicamp (1995); e professor da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. É pesquisador nas áreas da Sociologia Brasileira, do Pensamento
Político Brasileiro e do Estado e do Desenvolvimento no Brasil.
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