A transformação digital dos negócios promoveu
intensas mudanças em diversos setores da economia, principalmente, em mercados
como o financeiro. A interação das pessoas com o sistema bancário mudou
radicalmente e, hoje, os serviços e produtos financeiros são, em grande parte,
intermediados pelas fintechs – startups do mercado financeiro.
As fintechs adotam um modelo de negócio diferente
em relação aos bancos tradicionais e operam por meio de plataforma digitais.
Essas empresas concorrem com o mercado bancário, que ainda adota métodos muito
conservadores, e atraem um público desbancarizado, que não possui vínculos com
instituições financeiras tradicionais. Os segmentos mais contemplados pelas
fintechs são o de meios de pagamentos, crédito, bancos digitais, criptomoedas,
entre outros.
Nubank, Brex e Circle são exemplos de fintechs que
atingiram o valor de mercado superior a US$ 1 bilhão, e evidenciam o bom
momento desse mercado. No entanto, o funcionamento dessas startups ainda
esbarra na falta de uma regulação específica, já que elas possuem diferentes
formas de atuação e impactam diretamente nos âmbitos econômico, financeiro e
social. Essas caracteristicas tornam complexo o processo de definição de regras
gerais.
Um dos grandes problemas é que as fintechs não se
encaixam no conceito legal de instituição financeira no Brasil, que se resume a
toda pessoa jurídica, de direito público ou privado, que capta, intermedia ou
aplica recursos financeiros de terceiros, desde que prevista em lei e
legalmente regulamentada pelo órgão responsável. Para isso, é preciso pedir uma
autorização do Banco Central que vai julgar se a empresa pode ou não se
encaixar nessa competência.
Essas dificuldades obrigam a transparência na
operação das fintechs e o cumprimento das normas de mercado. É fundamental que
se tenha uma política estabelecida de proteção à privacidade e investimentos em
segurança que diminuam os riscos de fraudes. A falta de clareza nesse caso pode
ocasionar problemas como, por exemplo, o envolvimento de clientes na lavagem de
dinheiro.
Reestruturação do Coaf vai impor novas regras para
o setor
Enquanto aguarda o Banco Central regulamentar esse
mercado, as fintechs têm se movimentado para ficar em conformidade com a Lei de
Lavagem de Dinheiro. Por meio de um decreto estabelecido no primeiro dia
do novo governo, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ganhou
duas repartições em sua estrutura – a Secretaria de Inteligência Financeira,
que investigará as operações suspeitas comunicadas pelas pessoas jurídicas e
físicas elencadas na Lei de Lavagem de Dinheiro e a Diretoria de Supervisão,
que pretende fiscalizar as obrigações de prevenção e combate à lavagem de
dinheiro e financiamento do terrorismo.
Com isso, as fintechs e as corretoras de
criptomoedas, que não possuem um órgão regulamentador específico, se tornaram
os novos alvos do órgão. Agora, o Coaf é quem assumirá o papel de regulador. As
modalidades financeiras virtuais têm atraído cada vez mais criminosos que
desejam aplicar golpes e lavar dinheiro. Um exemplo recente são as fraudes que
aconteceram no jogo online Fortnite, onde eram usados cartões de crédito
roubados, furtados ou clonados para comprar V-Bucks, as moedas virtuais que
permitem a compra de vantagens para os jogadores. Depois de utilizadas, as
moedas são revendidas pela internet ou pela darkweb por menos do que o valor de
face dos V-Bucks.
A darkweb, um ambiente de internet propício para
atividades ilegais, habitado por hackers e criminosos, por sua vez, sempre
operou com base em moedas virtuais, por meio das quais se consegue comprar até
drogas e armas. As Bitcoins, antes de seu auge, se destacaram nesse ambiente
até chegar com força no mercado financeiro.
As empresas que se arriscarem e não adotarem
programas bem estruturados de compliance, poderão receber penalidades
pesadíssimas (de até R$ 20 milhões). O decreto é bem claro no que diz respeito
a penalidades que antes não estavam previstas por conta da falta de
regulamentação. Agora as fintechs e as corretoras precisam, mais do que nunca,
dar atenção às práticas de compliance para evitar punições. Os programas de
governança, compliance e gestão de riscos, precisam estar em total conformidade
com a nova regulação, principalmente em questões criminais e administrativas. O
setor que antes estava acostumado a viver em um limbo, no que tange leis
específicas, precisa se adaptar o quanto antes.
César Caputo - advogado especialista em criminal
compliance, lavagem de dinheiro e anticorrupção.
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