Há cursos de pós-graduação
passando a falsa sensação de especialização já que não concedem Título de
Especialista aos médicos
A presença de novos cursos de
pós-graduação em especialidades médicas pode começar a alterar a percepção dos
pacientes em relação aos profissionais responsáveis pelo atendimento. Embora
esses cursos ofereçam diplomas e certificados, os pós-graduados não podem se
dizer especialistas em determinada área.
Conforme explica o vice-presidente da Associação Paulista de Medicina (APM),
Akira Ishida, só há dois caminhos para o médico receber um Título de
Especialista reconhecido pela Comissão Mista de Especialidades - formada pela
Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina e Comissão Nacional
de Residência Médica: cursar uma residência ou realizar a prova da sociedade
correspondente, após comprovar determinado número de anos de experiência na
especialidade. Um bom profissional, por vezes, possui os dois.
“Esses exames têm uma série de critérios, definidos pelo Conselho Científico da
Associação Médica Brasileira (AMB), do qual participam os representantes das sociedades
de especialidades. A Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot),
por exemplo, realiza três dias de prova (com fases oral, escrita e de
habilidades) e exige que o postulante tenha um trabalho científico, que só pode
ser realizado se ele tiver passagem por um serviço de especialização
credenciado e reconhecido”, exemplifica Ishida.
Entretanto, instituições como o Instituto Brasileiro de Ciências Médicas
(IBCMED) e o Grupo Educacional Facinepe (Faculdade Centro Sul do Paraná)
oferecem cursos de pós-graduação lato sensu, em nível de
especialização, reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC), mas que diferem
essencialmente dos Programas de Residência Médica, estabelecidos como padrão
ouro do ensino.
Para o presidente da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Gilmar Fernandes
do Prado, é extremamente importante que o usuário final da Saúde conheça esses
meandros. “Infelizmente, não trabalhamos este tópico ao longo dos anos e a
população ficou desinformada sobre o que configura um especialista. Cometemos,
às vezes, confusões primárias como chamar um médico apenas graduado de clínico
geral – quando, na verdade, o clínico geral é um especialista que precisa fazer
três anos de Residência Médica”, pontua.
Questionado sobre a autorização de cursos desta natureza, visto a
particularidade da especialização médica após a faculdade, o MEC afirma que os
oferecidos por instituições de ensino devidamente credenciadas independem da
autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento. “Em outras palavras,
não compete ao MEC autorizar esses cursos, sendo prerrogativa de cada
instituição de ensino sua oferta. Escapam também às competências do Ministério
questões relativas ao exercício profissional, sobretudo das profissões
regulamentadas por lei, como a Medicina”, segue a nota.
Conteúdo insuficiente
Paulo César Giraldo, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do
Estado de São Paulo (Sogesp), vê nestes cursos de pós-graduação um erro de
terminologia: não são nem isso e nem residências. “Essa formação não dará
condição de o médico se qualificar como especialista. A residência tem
regulamentação de requisitos mínimos para carga horária e número de
procedimentos realizados. Temos dúvidas que esses cursos atenderão”, diz.
Giraldo afirma, ainda, que tanto a Sogesp quanto a Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) não veem essas
pós-graduações com bons olhos. E explica: “Residências Médicas dão títulos de
especialistas. O título da Febrasgo só pode ser requisitado por meio de prova,
em que apenas médicos que fizeram residências podem se inscrever.
Quem se forma nesses cursos não poderá utilizar a pós para se especializar
via sociedade, pois estão totalmente abaixo do mínimo requisitado”.
Gilmar Prado relata que em Neurologia, cursos como estes demandam do estudante
cerca de R$ 120 mil em dois ou três anos, com 600 horas de carga – menos de um
terço de um ano de Residência Médica, na qual o mínimo de horas é de 2880,
entre o programa de treinamento em serviço e atividades teórico-complementares.
“Com esse dinheiro, o indivíduo poderia ir a congressos pelo mundo, treinar em
hospitais fora do Brasil, investir melhor na própria educação. Estes cursos
acabam prestando um desserviço à população e ao próprio colega.”
O presidente da ABN não é contra a propagação do conhecimento. Pelo contrário,
acredita que cursos, ainda que teóricos, tenham de estar disponíveis, mas não
com o intuito de fazer o indivíduo se perceber especialista. “Ele pode ser
enganado para vivenciar essa percepção, mas não é. Um clínico que queira fazer
um curso em Neurologia para ampliar o conhecimento na área tem o direito de
estudar, mas não sairá de lá como um especialista, mas apenas como um clínico
que estudou um pouco mais sobre determinada área.”
O ensino à distância é outro ponto que causa preocupação. Akira Ishida acredita
ser fácil ensinar Medicina a partir de estatísticas e dados estabelecidos.
“É fácil explicar a um aluno que um determinado caso, com variantes diversas,
tem um tratamento indicado porque os dados de resolução apontam. O difícil é
fazer o médico saber quais são os motivos que fazem esse tratamento ser
o mais indicado para este caso e não o outro. Fazer o profissional adquirir,
de fato, conhecimento, saber os porquês”, argumenta.
Padrão ouro
Um dos grandes diferenciais das Residências Médicas é o conteúdo apresentado
de forma lógica ao médico ao longo dos anos. Segundo o vice-presidente da
APM, é lá que o profissional irá aprender a ser hábil – tanto no conhecimento
teórico quanto no prático. Também importante: com os preceptores adequados,
ele irá aprender a base da especialidade e a atitude, parte relevante da
Medicina.
Vai entender como se portar diante de um quadro clínico e do paciente que
atende.
Por isso, ele considera que as pós-graduações não são nem um primeiro degrau
para o indivíduo galgar a sua especialização.
O verdadeiro treinamento médico é realizado juntamente com um profissional de
reconhecida qualificação técnica e ética, entende Gilmar Prado. “E atuando na
prática, executando atividades necessárias para que o residente incorpore
habilidades, atitudes e conhecimentos que envolvam a especialidade. Isso é o
trabalho de formação. É longo e árduo. Portanto, cursos que não se desenvolvam
dessa maneira são absolutamente impróprios”, completa.
A Residência Médica tem, no mínimo, 2880 horas anuais – com um mês de férias.
Alguns programas precisam de cinco anos de formação – como a Neurocirurgia, a
Cirurgia Plástica e a Urologia. A Neurologia passará, em breve, de três para
quatro anos. Para o presidente da ABN, a carga horária atual não é suficiente
para que se ensine todas as habilidades e conhecimentos necessários – o
residente tem de passar por todos estágios, enfermarias, Unidade de Terapia
Intensiva, pacientes com doenças específicas, treinamento em clínica médica
etc. Por isso, se surpreende que cursos pretendam fazê-lo em ainda menos tempo.
Segundo ele, alguns médicos que se formam nestes cursos de pós-graduação estão
tentando via mecanismos legais se inscrever e fazer a prova de Título de
Especialista junto às sociedades de especialidades. “Isso não é possível. Para
tanto, o postulante deveria ter feito uma Residência Médica. Ou pelo menos um
estágio ou curso de especialização com a mesma carga horária de uma e com o
mesmo modelo. Indivíduos chegam com 200 horas de treinamento querendo ser
titulados e não admitimos isso, até pelas próprias regras nas quais se baseia o
Título de Especialista.”