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quarta-feira, 22 de março de 2017

Carne fraca, carne podre



Aos sessenta e cinco anos de minha idade no Brasil, imaginei ser impossível ficar estarrecido. A imagem acaba de ser desfeita, com as notícias dadas acerca dos frigoríficos  e da corrupção no Ministério da Agricultura. Tínhamos algumas ideias superficiais, dadas as informações recebidas de um de nossos constituintes, Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Alimentação de São Paulo, hauridas em visitas aos locais de trabalho para salvaguardar condições de higiene laboral.  Nossos engulhos estão ativos enquanto escrevemos este texto.

Enquanto advogados egressos da célula mater do Largo de São Francisco e obviamente achegados aos princípios do humanismo penal, verificamos, entretanto, em determinados momentos e circunstância, quão sábio foi o Código de Hamurabi, por exemplo, ao consagrar a lei taliônica (olho por olho, dente por dente). É uma regra estrita de proporcionalidade. Está empregada de caráter sinalagmático perfeito, em que são pressuposta a equipolência das prestações, transportado o princípio do contratualismo civil para o direito criminal. 

Nossa Constituição proíbe a pena de morte, mas poderíamos alterar o Código Penal, para introduzir uma pena segundo a qual todos aqueles que concorreram para o infame crime de nos alimentar e a nossas famílias com carne podre seria a de ficar confinados num estabelecimento prisional rural, situado nas regiões mais quentes do Brasil, com a obrigação precípua de recolher diuturnamente os estrumes dos bois e demais semoventes, preparando-os para produção de gás metano, que pode significar a solução de problemas energéticos de todo o mundo. 

Considerando que a Constituição brasileira, promulgada para os cidadãos e não para essas espécies vulgares da vida, não admite, entretanto, o direito penal subjetivo, a tortura, as penas cruéis e degradantes, obstruímos nossa vontade de propor que esses indivíduos - empresários e administradores corruptos - nessas condições, pudessem ter direito unicamente a um banho semanal, sem direito a sabonete, com direito apenas ao sabão minerva- não sei se ainda existe. 

Ficamos com a sensação de que nossas entranhas estão tão podres como a ética desses criminosos. Na incerteza e na insegurança quanto a ter ingerido, por quantas vezes, carnes putrefatas. Sobrevivemos, porque carregamos nossos genes mais primitivos, na época em que apreendemos a pensar, mediante o seguimento dos voos dos urubus. Comedores de carniça, como toda a raça humana, por meio da história hereditária os brasileiros não sucumbiram. 

Em face dessa natureza umbrosa, somente circunstâncias semelhantes ao inferno dantesco poderiam assemelhar-se à pena justa, sem deixar de observar que nenhuma pena repara. Consequentemente, ficamos com o sabor amargo do excremento em nossas línguas, nossos esôfagos, nossas tripas, nossos corações e, sobretudo, em nossos cérebros que se recusam a acomodar-se. O homem médio brasileiro, o homem cidadão,  em face de tantos agravos, já se pergunta se é possível continuar a viver em seu berço natal, em seu território em que Caminha disse ao rei que tudo dá, principalmente delinquentes, meliantes, safardanas, a cujos acusados não podemos, evidentemente, recusar o devido processo legal e o direito de defesa. Mas, ao mesmo tempo,  temos de nos garantir o devido processo legal substantivo e o direito de viver, aqui ou alhures. 






Amadeu Roberto Garrido de Paula - é Advogado, um renomado jurista brasileiro com uma visão bastante crítica sobre política, assunto internacionais, temas da atualidade em geral. 





O Pecado Social



A responsabilidade social expressa nos Dez Mandamentos


As religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo – impõem aos seus fiéis um conjunto de princípios morais e éticos que regulam suas relações espirituais, comunitárias e particulares, sendo um guia para seu cotidiano e também uma resposta para os diversos e complexos dilemas confrontados na vida.

Acontece que, às vezes, por diversos motivos, o fiel ou até um grupo de pessoas, não prática o que foi orientado a fazer, cometendo o que a religião denomina como “pecado”, ou seja, uma desobediência a qualquer norma desse conjunto de leis ou mandamentos. Dependendo do erro praticado, pode ser imposto ao membro orações, penitências ou sacrifícios para repará-lo ou até, em casos mais graves, sua exclusão completa do grupo, como uma excomunhão.

Os “Dez Mandamentos”, na cultura ocidental, além de ser o código religioso mais conhecido é também aquele que mais influência o homem em suas relações sociais. Dos dez artigos, seis orientam o indivíduo para a vida em sociedade, buscando um equilíbrio entre a vida particular e pública, e são sobre esses que delinearemos o artigo.

Antes de prosseguirmos com a reflexão, é importante esclarecer que o artigo não versará sobre a violação do preceito religioso em nível pessoal, mas sim naquelas faltas que refletem direta ou indiretamente na sociedade, contribuindo negativamente para seu progresso, denominado “pecado social”.

As pesquisas governamentais mostram que a população está envelhecendo e vivendo mais em comparação com as gerações passadas, gerando uma inversão na pirâmide social onde a população inativa é maior que a ativa. Além da crise social e previdenciária que isso representa, os idosos necessitam de uma assistência melhor, que não é atendida pela aposentadoria e/ou pelos serviços públicos, necessitando do auxílio da família, mas qual é a realidade? 

Aposentados que servem como arrimo de família ou que tem sua escassa renda comprometida com empréstimos consignados para atender as necessidades de terceiros, podemos citar também o abandono dos idosos ou seu esquecimento em asilos, aos quais muitas vezes não estão preparados para atendê-los, isso quando não são vítimas de maus-tratos, descaso, violência ou, em casos extremos, indigência. A geração atual não está honrando devidamente seus antepassados.

“Não matarás”. O verbo está conjugado no futuro do presente, uma ordem que não está distante, está próxima, algo que deve ser realizado hoje, agora. Se procurarmos o significado da palavra “matar” no dicionário, encontraremos três significados principais: 1º, tirar a vida, como se tornou normal no noticiário matérias mostrando a insignificância do valor da vida nos motivos mais fúteis utilizados para justificar tais atos; 2º, causar a morte, não se pode entender o ato de matar apenas como um assassinato, mas também como uma palavra, uma atitude, um gesto, uma omissão que causa a morte da pessoa, que poderia levar, num caso extremo, ao suicídio, mas também uma morte parcial, referente a alguma dimensão da vida – pessoal, familiar, afetiva, profissional, acadêmica – anulando, temporariamente ou definitivamente, aquele campo de realização do sujeito; 3º, fazer murchar, pais que impõem seus sonhos aos filhos, um profissional não realizado ou reconhecido, um relacionamento onde não há reciprocidade ou um parceiro que age em detrimento do outro, enfim, são vários os acontecimentos que podem fazer com que o ser perca sua energia, sua alegria, sua força, numa dinâmica que leva ao esvaziamento e ao entristecimento. Não matarás!

Em tempos de modernidade líquida, os relacionamentos são baseados na superficialidade do ser e naquilo que o outro pode oferecer na relação, uma troca recíproca, consciente ou inconsciente. Faltam nos compromissos o sentimento, a lealdade, a fidelidade, o comprometimento, a empatia, o doar-se espontaneamente, sem esperar algo em troca, uma vida a dois onde se compartilhe dos altos e baixos da vida, naquela proposta antiqüíssima que os noivos mutuamente prometem: “na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na alegria e na tristeza”. Mas o cenário que se vislumbra é desanimador. Será que histórias como de Páris e Helena, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Abelardo e Heloisa, Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, Armando Durval e Margarita Gautier, Osíris e Ísis, Jacó e Raquel, e tantas outras não aquecem mais o coração dos homens e das mulheres em busca do amor verdadeiro?

A corrupção nas esferas políticas tornou-se endêmica e a sociedade exige por parte do poder público uma resposta na qual os envolvidos sejam levados a julgamento e o erário restituído, mas, e a corrupção do dia-a-dia, aquela com a qual nos deparamos cotidianamente, praticada por cidadãos comuns? Passar no sinal vermelho, chegar atrasado ou sair mais cedo do serviço – sem prejuízo, utilizar o caixa preferencial ou estacionar em vaga especial – mesmo não atendendo aos quesitos, comprar produtos piratas, furar fila e muitas outras atitudes que refletem “o jeitinho brasileiro”, aquele que tira vantagem em detrimento do próximo. Quem julgará e devolverá à ética, à moral, à decência, à vida aquilo que lhe foi desviado?

“O que falta nessa cidade?... Verdade.” Essa crítica, apesar de atual, não foi escrita por nenhum pensador contemporâneo, mas veio pela pena do padre Gregório de Mattos, século XVIII, referindo-se a sociedade da época. A verdade não falta apenas na(s) cidade(s), também nas famílias, nos relacionamentos, na política, no meio profissional, na mídia, na vida... em tudo! A existência tornou-se toda ela “um falso testemunho”.

Por que tantas revistas, programas e sites que esquartejam a vida dos famosos? Por que pagar caro por uma roupa, um calçado ou um acessório? Por que mais e mais ídolos no esporte, no cinema, na televisão, nos negócios? Porque a vida não se basta! Precisamos projetar em alguém a realização que não temos. Precisamos ter algo que inebrie com sua ilusão. Precisamos de qualquer coisa que anestesie a consciência. A cobiça está acerca.

Caro leitor, que essa rápida consideração sobre os Dez Mandamentos o inspire a contribuir positivamente por uma sociedade justa, onde todos possam respeitar os direitos. Que possa ser uma reação contra um sistema que isola, amedronta, vicia, desumaniza. Força!







Abilio Junior - formado em História e Pedagogia. Docente na rede pública estadual desde 2008, tendo lecionado no SESI durante um determinado período. Autodidata no estudo das religiões monoteístas. Efetivo como funcionário público, exonerou do cargo para ter uma experiência no seminário e que não foi bem sucedida, retornando ao magistério




Um blefe no caminho da residência médica



  Há cursos de pós-graduação passando a falsa sensação de especialização já que não concedem Título de Especialista aos médicos 
 

A presença de novos cursos de pós-graduação em especialidades médicas pode começar a alterar a percepção dos pacientes em relação aos profissionais responsáveis pelo atendimento. Embora esses cursos ofereçam diplomas e certificados, os pós-graduados não podem se dizer especialistas em determinada área.

Conforme explica o vice-presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), Akira Ishida, só há dois caminhos para o médico receber um Título de Especialista reconhecido pela Comissão Mista de Especialidades - formada pela Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina e Comissão Nacional de Residência Médica: cursar uma residência ou realizar a prova da sociedade correspondente, após comprovar determinado número de anos de experiência na especialidade. Um bom profissional, por vezes, possui os dois.

“Esses exames têm uma série de critérios, definidos pelo Conselho Científico da Associação Médica Brasileira (AMB), do qual participam os representantes das sociedades de especialidades. A Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot), por exemplo, realiza três dias de prova (com fases oral, escrita e de habilidades) e exige que o postulante tenha um trabalho científico, que só pode ser realizado se ele tiver passagem por um serviço de especialização credenciado e reconhecido”, exemplifica Ishida.

Entretanto, instituições como o Instituto Brasileiro de Ciências Médicas (IBCMED) e o Grupo Educacional Facinepe (Faculdade Centro Sul do Paraná) oferecem cursos de pós-graduação lato sensu, em nível de especialização, reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC), mas que diferem essencialmente dos Programas de Residência Médica, estabelecidos como padrão ouro do ensino.

Para o presidente da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Gilmar Fernandes do Prado, é extremamente importante que o usuário final da Saúde conheça esses meandros. “Infelizmente, não trabalhamos este tópico ao longo dos anos e a população ficou desinformada sobre o que configura um especialista. Cometemos, às vezes, confusões primárias como chamar um médico apenas graduado de clínico geral – quando, na verdade, o clínico geral é um especialista que precisa fazer três anos de Residência Médica”, pontua.

Questionado sobre a autorização de cursos desta natureza, visto a
particularidade da especialização médica após a faculdade, o MEC afirma que os oferecidos por instituições de ensino devidamente credenciadas independem da autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento. “Em outras palavras,
não compete ao MEC autorizar esses cursos, sendo prerrogativa de cada
instituição de ensino sua oferta. Escapam também às competências do Ministério questões relativas ao exercício profissional, sobretudo das profissões
regulamentadas por lei, como a Medicina”, segue a nota.


Conteúdo insuficiente
Paulo César Giraldo, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), vê nestes cursos de pós-graduação um erro de terminologia: não são nem isso e nem residências. “Essa formação não dará condição de o médico se qualificar como especialista. A residência tem regulamentação de requisitos mínimos para carga horária e número de procedimentos realizados. Temos dúvidas que esses cursos atenderão”, diz.

Giraldo afirma, ainda, que tanto a Sogesp quanto a Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) não veem essas
pós-graduações com bons olhos. E explica: “Residências Médicas dão títulos de especialistas. O título da Febrasgo só pode ser requisitado por meio de prova,
em que apenas médicos que fizeram residências podem se inscrever.
Quem se forma nesses cursos não poderá utilizar a pós para se especializar
via sociedade, pois estão totalmente abaixo do mínimo requisitado”.

Gilmar Prado relata que em Neurologia, cursos como estes demandam do estudante cerca de R$ 120 mil em dois ou três anos, com 600 horas de carga – menos de um terço de um ano de Residência Médica, na qual o mínimo de horas é de 2880, entre o programa de treinamento em serviço e atividades teórico-complementares. “Com esse dinheiro, o indivíduo poderia ir a congressos pelo mundo, treinar em hospitais fora do Brasil, investir melhor na própria educação. Estes cursos acabam prestando um desserviço à população e ao próprio colega.”

O presidente da ABN não é contra a propagação do conhecimento. Pelo contrário, acredita que cursos, ainda que teóricos, tenham de estar disponíveis, mas não com o intuito de fazer o indivíduo se perceber especialista. “Ele pode ser enganado para vivenciar essa percepção, mas não é. Um clínico que queira fazer um curso em Neurologia para ampliar o conhecimento na área tem o direito de estudar, mas não sairá de lá como um especialista, mas apenas como um clínico que estudou um pouco mais sobre determinada área.”

O ensino à distância é outro ponto que causa preocupação. Akira Ishida acredita
ser fácil ensinar Medicina a partir de estatísticas e dados estabelecidos.
“É fácil explicar a um aluno que um determinado caso, com variantes diversas,
tem um tratamento indicado porque os dados de resolução apontam. O difícil é
fazer o médico saber quais são os motivos que fazem esse tratamento ser
o mais indicado para este caso e não o outro. Fazer o profissional adquirir,
de fato, conhecimento, saber os porquês”, argumenta.


Padrão ouro
Um dos grandes diferenciais das Residências Médicas é o conteúdo apresentado
de forma lógica ao médico ao longo dos anos. Segundo o vice-presidente da
APM, é lá que o profissional irá aprender a ser hábil – tanto no conhecimento
teórico quanto no prático. Também importante: com os preceptores adequados,
ele irá aprender a base da especialidade e a atitude, parte relevante da Medicina.
Vai entender como se portar diante de um quadro clínico e do paciente que atende.
Por isso, ele considera que as pós-graduações não são nem um primeiro degrau
para o indivíduo galgar a sua especialização.

O verdadeiro treinamento médico é realizado juntamente com um profissional de reconhecida qualificação técnica e ética, entende Gilmar Prado. “E atuando na prática, executando atividades necessárias para que o residente incorpore habilidades, atitudes e conhecimentos que envolvam a especialidade. Isso é o trabalho de formação. É longo e árduo. Portanto, cursos que não se desenvolvam dessa maneira são absolutamente impróprios”, completa.

A Residência Médica tem, no mínimo, 2880 horas anuais – com um mês de férias. Alguns programas precisam de cinco anos de formação – como a Neurocirurgia, a Cirurgia Plástica e a Urologia. A Neurologia passará, em breve, de três para quatro anos. Para o presidente da ABN, a carga horária atual não é suficiente para que se ensine todas as habilidades e conhecimentos necessários – o residente tem de passar por todos estágios, enfermarias, Unidade de Terapia Intensiva, pacientes com doenças específicas, treinamento em clínica médica etc. Por isso, se surpreende que cursos pretendam fazê-lo em ainda menos tempo.

Segundo ele, alguns médicos que se formam nestes cursos de pós-graduação estão tentando via mecanismos legais se inscrever e fazer a prova de Título de Especialista junto às sociedades de especialidades. “Isso não é possível. Para tanto, o postulante deveria ter feito uma Residência Médica. Ou pelo menos um estágio ou curso de especialização com a mesma carga horária de uma e com o mesmo modelo. Indivíduos chegam com 200 horas de treinamento querendo ser titulados e não admitimos isso, até pelas próprias regras nas quais se baseia o Título de Especialista.”




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