A corrupção e governo inepto e irresponsável jogaram o
Brasil ao fundo do poço. Para recuperação do capital e dos investimentos a
palavra de ordem é o saneamento das finanças públicas. Não discordamos, mas há
reparos necessários. Em geral, as políticas mundiais de austeridade seguiram
uma nota só: cortar gastos, porém só em detrimentos dos menos
favorecidos.
O governo de Michel Temer já percebeu que trabalhar na
coluna do crédito também é importante, com a repatriação de 50,9 bilhões e o
pensamento de reiterar o procedimento. Imposto sobre as grandes fortunas (acima
de 50 milhões de reais), no termos em que tem sido proposto, não arranhará a
epiderme das pessoas situadas nesse patamar superior de rendas. Portanto, pode
ser perfeitamente assimilado pelos ricos, que, em nosso país, sequer têm o
hábito da filantropia.
A ênfase, contudo, está sendo dada à crueldade social, de
resto estúpida em relação próprio erário. A comissão de reforma da previdência
social, diretamente ligada ao Presidente, propõe contribuição generalizada dos
aposentados. Seriam R$ 70 ao governo da grande massa que recebe salário
mínimo.
Falácias não faltam. Recebendo sem desconto nosso robusto
salário mínimo, esses infelizes seriam incentivados a aposentar-se
precocemente. Ganhariam mais os $ 70... Falácia porque os trabalhadores da
ativa não recebem apenas os salários, mas todos os adicionais e direitos
previstos em acordos e convenções coletivas celebrados pelos sindicatos.
Fiquemos na cesta básica e no plano de saúde, dois dos mais importantes dessas
dezenas de direitos acrescidos. A cesta básica contem alimentos e até mesmo
produtos de higiene, capazes de afastar sujeira, bactérias e doenças, além de,
se não encher, ocupar minimamente as barrigas. Os convênios de saúde permitem
que trabalhadores escapem das nefandas filas do SUS e de consultas marcadas,
muitas vezes, para data já inútil. Há convênios trabalhistas que permitem aos
trabalhadores serem atendidos em hospitais de ponta.
Logo, aposentar-se não é negócio nenhum para 90% dos
segurados que percebem salário mínimo. E a queda de seu padrão de vida, já
profundamente decaído, leva-os ao poço da iniquidade da salvadora política de
austeridade - para os pobres.
A crítica volta-se a um projeto presidencial. Mas o
destino dos trabalhadores está selado por uma recente liminar concedida
monocraticamente pelo Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.
Embora provisória e dependente de ratificação pelo Plenário, dita liminar diz
que, atingida a data final de vigência da convenção ou do acordo coletivo,
todos os direitos coletivos são retirados dos trabalhadores, até que o
empregador concorde em celebrar novo ajuste. Com isso, a liminar lançou ao
fundo do referido poço a Súmula n. 277, do TST, que garantia esses direitos até
a celebração de novo pacto. Reconhece-se que haverá um período de anomia, não
se sabe de quanto tempo, que seria preenchido pelo mínimo previsto na CLT.
Melhor dizendo, diremos que se tratará de um período de anemia e de revolta
social.
Conjugadas essas e outras medidas contrárias aos trabalhadores,
afirmamos que são estúpidas em relação ao próprio governo. O capital só se
acumula quando a maioria da sociedade não padece de carências básicas, quando
as barrigas, pelo menos, além de boa educação e saúde, estão cheias. E,
obviamente, só retomaremos o crescimento com acumulação de capital.
"Afinal de contas, capital é a margem que resta quando as necessidades
básicas da população foram satisfeitas, mas na maioria dos países
subdesenvolvidos as necessidades fundamentais da população jamais são satisfeitas"
(Aldoux Huxley, "A situação humana", p. 61).
A acumulação necessária de capital ficará retraída com a
supressão das cestas básicas. As indústrias produtoras e de comercialização
desses alimentos e outros produtos produzirão e venderão menos. E os
respectivos impostos cairão. A falta de produtos de limpeza aumentará o número
de bactérias e de doenças, cujo enfrentamento é dever constitucional do
governo. As despesas aumentarão, de tal modo que não tem a mínima lógica essa
austeridade burra. A precarização dos serviços de saúde entra no mesmo
buraco.
Não se dá transparência à questão previdenciária. Nos
termos propostos, talvez a solução venha da morte de muitos beneficiários,
aposentados e da ativa. Estes não mais contribuirão e aqueles deixarão de ser
um peso. A história demonstra que populações inteiras foram dizimadas nessas
circunstâncias. O desaparecimento de um grande número de dependentes da
previdência social equilibrará seus gastos. Porém, haverá queda da acumulação
de capital, do desenvolvimento e seremos uma aldeia equilibrada
financeiramente - na miséria.
Sabe-se que os gastos com os servidores da Previdência
são maiores que os dos benefícios. A atividade-meio consome vampirescamente a
atividade-fim numa instituição monstruosa e inepta de dimensões continentais. O
ideal político está em que o governo atual, que veio para tentar salvar o
Brasil arrasado pelo lulopetismo, primeiro demonstre a todos o real estado da
Previdência e escolha, globalmente, uma política de austeridade fiscal que
elimine suas excrescências, mas não conduza o povo brasileiro ao buraco de
iniquidades irreversíveis.
Amadeu Roberto
Garrido de Paula - advogado e membro da Academia
Latino-Americana de Ciências Humanas.