A fidelidade é uma virtude e as
virtudes são ingredientes escassos na conduta política brasileira. Por isso, o
comportamento da senadora paranaense tem dado causa a diversas interpretações.
Seria ela tão fiel ao projeto político do PT quanto se deduz de suas
exortações? Estaria realmente fascinada pela causa e convencida - no nível do
delírio - de coisas pouco razoáveis como a "inocência" de Lula, a
"perseguição" promovida pelo judiciário brasileiro ao seu partido, e
a existência de um "golpe" da direita, ainda em curso, envolvendo
todo o aparelho institucional brasileiro?
Nada disso faz sentido.
Perdeu o juízo? Não. A senadora é articulada em suas manifestações e está
agindo racionalmente, com vistas à preservação de seu mandato e aos seus
problemas com a ação penal que contra ela corre no STF.
Impulsionado
pela Lava Jato, o Paraná, onde precisa buscar votos, se tornou reduto antipetista.
Conservar a cadeira no Senado virou tarefa complicada pelo acúmulo de
circunstâncias adversas, a saber: redução dos meios, descrédito da legenda, e
militância agindo pelo avesso de seus objetivos. Nos próximos meses, Gleisi
será a mais aguerrida presidente que o PT já teve. Fará Tarso Genro, José
Genoíno e Rui Falcão parecerem refinados e moderados conservadores.
Por outro
lado, no último dia 19 de dezembro, seus advogados apresentaram as razões
finais de defesa no processo que contra ela corre sob acusação de corrupção
passiva e lavagem de dinheiro. Em 2016, essa ação foi admitida na Segunda Turma
do STF e é, neste momento, o segundo processo na fila, entrando em pauta logo
após o julgamento do deputado Nelson Meurer (PP). Correndo ano eleitoral, faz
muito sentido, então, que a senadora construa um cenário de "perseguição
política" incidindo sobre o partido que preside e convoque quantos lhe
possam dar ouvidos a se oporem, nas urnas, ao "golpe" que cuida de
apresentar como caixa de Pandora, fonte de todos os males do país. Afinal, ela
será julgada por aquela Turma em que o relator Facchin se vê às voltas com
Lewandowski, Toffoli, Gilmar e Celso de Mello. Decisão favorável será
"vitória da justiça" e decisão desfavorável confirmará o discurso da
"perseguição".
Pura estratégia, pura ação política, pura
práxis cumprida com frieza, fazendo com que a narrativa e a eloquência sejam
construções da razão aplicada a um fim político.
Percival Puggina - membro
da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e
titular do site www.puggina.org, colunista
de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil, integrante do grupo Pensar+.