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sexta-feira, 21 de junho de 2024

Atraso no início da radioterapia impacta na sobrevida dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço

 

Estudo realizado por 41 especialistas da América Latina, que traz com ineditismo as diretrizes adaptadas à realidade destes países, aponta que o atraso no início do tratamento reduz as chances de cura dos pacientes com tumores na região de cabeça e pescoço. Outra barreira importante é a dificuldade de acesso às melhores tecnologias em radioterapia, alerta a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)

 

Com a participação de 41 especialistas de diferentes países da América Latina, um estudo inédito foi publicado com as diretrizes referentes ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pacientes com câncer de cabeça e pescoço nesta região do mundo. Até então, os estudos de consenso se baseavam, essencialmente, na realidade de instituições da América do Norte e de países desenvolvidos da Europa.

O trabalho, recentemente publicado na revista científica JCO Global Oncology trata-se do primeiro consenso latino-americano sobre o tratamento do câncer de cabeça e pescoço e contém importantes diretrizes sobre o manejo dos tumores de cabeça e pescoço adaptadas à realidade vivenciada na América Latina e, em especial, no que diz respeito à escassez de recursos. O pioneirismo do documento aliado à clara preocupação dos autores em propor estratégias ajustadas à realidade dos países latino-americanos no que diz respeito à carência de recursos e infraestrutura limitada vivenciadas muitas vezes em tais países, torna o documento ainda mais relevante e uma importante leitura para colegas habituados a tratar tumores de cabeça e pescoço no Brasil.

Ao todo, o documento propõe 48 recomendações, divididas em doze seções. Dentre estas seções, uma é dedicada exclusivamente à radioterapia. Nela, o consenso destaca que os atrasos no início ou conclusão da radioterapia reduzem as taxas de sobrevida e aumentam o risco de recidiva local. Dentre as bases para essa afirmação está um estudo, com mais de 600 pacientes com doença em fase inicial, que iniciaram o tratamento após o período recomendado de 30 dias após o diagnóstico. Entre aqueles que iniciaram no prazo de 31 a 40 dias o risco de recidiva (volta da doença) foi 2,6 vezes maior, quando comparado aos que iniciaram antes dos 30 dias.

No Brasil, vigora, desde 2013, a Lei dos 60 dias, que determina o início do tratamento oncológico em até dois meses após o diagnóstico da doença. O recomendado para início da radioterapia curativa, destaca o consenso, é normalmente de 30 dias após o diagnóstico. Para radioterapia pós-operatória, o tratamento deve ser iniciado dentro de quatro a seis semanas após a cirurgia. Para prevenir interrupções no tratamento e seu impacto nos resultados oncológicos, avaliações semanais dos pacientes são essenciais. “Um agravante é que, apesar do prazo de 60 dias preconizado pela legislação brasileira, a lei acaba não sendo devidamente cumprida, sendo comum espera ainda maior para o início do tratamento oncológico. Em virtude disso, a doença evolui e as chances de sucesso do tratamento acabam sendo significativamente reduzidas”, ressalta o radio-oncologista Diego Rezende, membro da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e um dos autores do consenso.

De acordo com o trabalho científico, os problemas associados com a incidência e mortalidade por câncer de cabeça e pescoço são mais graves nas regiões menos desenvolvidas, como América Latina, África e parte da Europa e Ásia. Elas respondem por 65% de todos os pacientes diagnosticados e por 75% das mortes causadas pela doença no mundo. Tais números são reflexo das barreiras de acesso aos serviços de saúde especializados, aos exames para diagnóstico precoce e ao tratamento no tempo ideal e de qualidade.


Principais pontos do consenso sobre Radioterapia

No consenso, a seção 12 é dedicada exclusivamente à radioterapia. Nela, os participantes enfatizam a importância dos avanços tecnológicos vivenciados pela radioterapia nas últimas décadas e a relevância das novas técnicas, que propiciam, por meio da técnica de modulação do feixe de radiação, melhor delimitação do alvo a ser irradiado (atingindo apenas o tumor e preservando as células saudáveis), além de oportunizar melhor planejamento das doses prescritas (com esquemas personalizados de fracionamento) que buscam reduzir o número de sessões e, consequentemente, de deslocamentos do paciente até o local de tratamento. 

Dentre as novas tecnologias está a radioterapia de intensidade modulada (IMRT) que, de acordo com os especialistas envolvidos na elaboração do documento, deve ser considerada a técnica de tratamento padrão para praticamente todos os tipos de câncer de cabeça e pescoço. “O único contexto em cabeça e pescoço em que a radioterapia com intensidade modulada (IMRT) não é considerada como técnica padrão é no de tumores de laringe em estágio inicial. Nesse cenário, radioterapia com técnica conformada tridimensional é considerada adequada”, aponta Diego Rezende.

No Brasil, a tecnologia IMRT está inclusa no ROL de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para pacientes com câncer de cabeça e pescoço, assim como da região do tórax (pulmão, esôfago e mediastino) e, mais recentemente, para câncer de próstata. “Por conta das fortes evidências, a primeira aprovação de IMRT pela ANS foi, justamente, para câncer de cabeça e pescoço”, reforça Rezende. Por sua vez, pondera o especialista, o cumprimento da cobertura obrigatória por parte dos planos de saúde é, em muitos casos, desafiador.

Na saúde pública, o acesso é ainda mais limitado. Diferentemente de outros processos de incorporação tecnológica na rede pública, a radioterapia é paga por pacote independente da técnica de tratamento utilizada. “É um contexto que não considera, para o repasse, se foi ofertada ao paciente uma técnica mais antiga (como, por exemplo, a radioterapia convencional 2D) ou uma mais moderna (conformacional ou IMRT). Com isso, não há uma clara motivação para os serviços de radioterapia realizarem os investimentos necessários a fim de ofertar aos pacientes a melhor técnica disponível e considerada como padrão na literatura”, lamenta Rezende.


Campanha Julho Verde

Além disso, no próximo mês irá iniciar-se a campanha do Julho Verde voltada para a conscientização mundial sobre o câncer de cabeça e pescoço. Os tumores desta região estão entre os mais incidentes no mundo, sendo que os locais mais comuns são a cavidade oral (boca, lábios, língua, entre outros) e laringe. No mundo, mais de 613 mil pessoas recebem, anualmente, o diagnóstico de câncer de cavidade oral ou laringe, de acordo com a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, mais de 41 mil pessoas devem receber, em 2024, o diagnóstico destas doenças, apontam as estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA). 



Sociedade Brasileira de Radioterapia – SBRT
https://sbradioterapia.com.br/



Referência

Matos LL, Kowalski LP, Chaves ALF, de Oliveira TB, Marta GN, Curado MP, de Castro Junior G, Farias TP, Bardales GS, Cabrera MA, Capuzzo RC, de Carvalho GB, Cernea CR, Dedivitis RA, Dias FL, Estefan AM, Falco AH, Ferraris GA, Gonzalez-Motta A, Gouveia AG, Jacinto AA, Kulcsar MAV, Leite AK, Lira RB, Mak MP, De Marchi P, de Mello ES, de Matos FCM, Montero PH, de Moraes ED, de Moraes FY, Morais DCR, Poenitz FM, Poitevin A, Riveros HO, Sanabria Á, Ticona-Castro M, Vartanian JG, Viani G, Vines EF, William Junior WN, Conway D, Virani S, Brennan P; HEADSpAcE Consortium. Latin American Consensus on the Treatment of Head and Neck Cancer. JCO Glob Oncol. 2024 Apr;10:e2300343. Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38603656/


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