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‘Do ponto de vista federativo, governadores e prefeitos perderão poder político, pois não poderão fazer política fiscal, ficando apenas como gestores das despesas’
Essa pergunta, aparentemente
simples, me tirou uma noite de sono tentando fazer o “balanço de lucros e
perdas” dos diversos atores envolvidos nas mudanças aprovadas. Embora ainda
faltem muitas definições, que deverão ser aprovadas por Leis Complementares,
pode-se tentar fazer um balanço preliminar de ganhadores e perdedores a partir
da Emenda Constitucional (EC) 132, aprovada pelo Congresso.
Para tanto, é necessário
começar pelo objetivo, ou objetivos, visado pela proposta que deu origem à
Emenda à Constituição. Dentre os objetivos explicitados pelos autores, devemos
destacar a simplificação do sistema tributário, a justiça social através da maior
oneração dos serviços e a promoção do crescimento da economia. Tudo isso
condicionado à manutenção do pacto federativo.
A primeira dificuldade que se
apresenta é a de respeitar o pacto federativo, uma vez que o IVA é basicamente
um tributo de estado unitário, ou com dois entes federativos, mas que não tem o
obstáculo constitucional para a sua regulamentação.
Outra dificuldade é que se
pretende atingir muitos objetivos com um único instrumento, contrariando a
“regra de Tinbergen”, criada pelo economista holandês Jan Tinbergen, Prêmio
Nobel de Economia em 1969, que enuncia que “para alcançar um objetivo é
necessário um instrumento eficaz, e para atingir diversos objetivos
independentes é necessário pelo menos um número igual de instrumentos”. Além
disso, os objetivos são incompatíveis entre si, pois a “justiça social” exige
intervenções no mercado que levam ao aumento da burocracia. Por sua vez, a
maior burocracia afeta o crescimento econômico.
Feitas essas considerações,
vejamos os ganhadores e perdedores do ponto de vista macroeconômico. O objetivo
de aumentar o crescimento econômico, a “taxas chinesas”, se atingido,
beneficiaria governos, empresas e sociedade.
Ocorre que, o crescimento
econômico, segundo os autores da proposta, decorreria da simplificação, que
somente deverá acontecer depois da fase de transição, de cerca de dez anos.
Nesse período teremos aumento significativo da burocracia, resultante da
convivência de dois sistemas. Seguindo o raciocínio lógico de que a
simplificação produz crescimento, inversamente, o aumento da burocracia deve
provocar queda da atividade. Nesse caso, perderemos todos, embora alguns
setores possam ter perdas maiores do que os demais.
Olhando setorialmente, a
indústria se beneficia com a transferência de parte de sua tributação para os
Serviços, sendo que também nesse setor os ganhos podem ser maiores para alguns
segmentos, especialmente os que atualmente têm o IPI mais elevado.
Dentre os Serviços, aqueles que
estão no meio da cadeia econômica poderão transferir o aumento da tributação
para seus clientes, que poderão se creditar do imposto pago. Por outro lado,
aqueles que têm clientes pessoas físicas ou entidades isentas, terão uma carga
maior do imposto, a partir da criação do IVA. As empresas do SIMPLES, mesmo no
meio da cadeia de produção, terão que sair desse sistema, e cair no “complexo”,
se quiserem transferir crédito que permita competir com as demais.
Todos os contribuintes terão
aumento da burocracia durante a convivência dos dois sistemas, além do aumento
da incerteza na transição, pois poderá ocorrer a desorganização do sistema de
preços relativos, principal indicador para os agentes econômicos. Lembrando
Gramsci, a maior dificuldade é que “o velho não morreu, e o novo não pode
nascer” (o imposto).
Do ponto de vista federativo,
governadores e prefeitos perderão poder político, pois não poderão fazer
política fiscal, ficando apenas como gestores das despesas, por não poderem,
sequer, administrar os recursos da receita, que deverá ser enviada ao Comitê
Gestor, que as repassará depois aos entes federativos que terão ainda que pagar
pelo passeio dos recursos. Com essa centralização, os executivos estaduais e
municipais terão, também, dificuldades para elaborar os orçamentos, pois
durante a transição será difícil estimar a receita, cujo rateio dependerá do
resultado do conjunto dos entes federativos. Os Estados que vendem para os
outros Estados mais do que compram também perderão com a passagem da origem
para o destino.
As cidades que atualmente têm
arrecadação importante do ISS, perderão duplamente. Primeiro porque o ISS é o
imposto que mais cresce e, na medida em que for incorporado ao IVA, essa
vantagem desaparecerá. Além disso, a mudança do critério de distribuição das
quotas-parte do IVA, privilegiando a população ao invés do local de geração do
imposto, reduzirá a parte dessas cidades. Embora possa parecer medida
redistributiva interessante, do ponto de vista macro, poderá resultar em uma
pulverização dos recursos que, pelo menos em parte, significará redução dos
investimentos das unidades maiores, para, com grande probabilidade, serem
direcionados para
consumo.
Do ponto de vista dos
contribuintes, a classe média, em seus vários extratos, deverá ser a grande
perdedora. Os prestadores de serviços aos consumidores, que incluem ampla
parcela dos profissionais liberais, serão grandes perdedores da reforma do
imposto de consumo. Essa perda deverá se agravar pela mudança da legislação do
IR, com a tributação dos dividendos já anunciada.
De outro lado, ao não isentar
da cobrança de impostos alguns dos bens essenciais, se pretende evitar que os
ricos se beneficiem da redução de seus preços, como se isso fosse torná-los
mais ricos, embora eles gastem uma pequena parte de seu orçamento nesses bens.
Essa preocupação em fazer justiça social com um tributo indireto só resulta em
maior burocracia.
Para compensar os mais pobres
pela não isenção, pretendem compensá-los com o “cashback”. Esse mecanismo foi
criado pelo comércio para atrair ou fidelizar o consumidor, mediante devolução
de parte do valor do imposto pago no ato da compra, ou, o que é mais comum, em
uma próxima compra. Parece que os autores da ideia já perceberam que seria
inviável a aplicação desse mecanismo através do comércio e, embora mantendo o
nome para parecer uma sofisticação, vão dar bônus para os beneficiários do
Bolsa Família, ou vales como o do gás.
Ocorre que a classe média
baixa, aquela que supera por pouco o patamar de renda dos beneficiários do
Bolsa Família, será atingida pelo aumento dos preços desses produtos, sem
contar que esses aumentos serão repassados aos índices de correção (IPCA e
INPC) que influenciam inclusive as taxas de juros. Curiosamente, a maioria dos
países da OCDE, tão citados como modelo, simplesmente isentam os produtos e serviços
para evitar o aumento dos preços.
E quanto ao Governo Federal,
como fica nesse balanço?
Do ponto de vista político,
fica fortalecido, pois a centralização dos recursos dos Estados e Municípios no
Comitê Gestor, e a não possibilidade de fazer políticas fiscais, enfraquecem
governadores e prefeitos politicamente. Além disso, ao administrar os Fundos
criados, aumenta o poder político do Executivo Federal, a não ser que o
Congresso passe a controlar sua distribuição.
Porém, uma grande dúvida que,
ao que se sabe até agora, não tem resposta é com relação à origem dos recursos
que deverão suportar os quatro Fundos criados pela EC 132/2023, que deverão
exigir volume considerável de aportes do governo federal. Sabe-se que o governo
federal está com dificuldades de cumprir as metas do “arcabouço fiscal”, apesar
dos aumentos de impostos que já promoveu. Tanto que está parcelando o
ressarcimento de créditos legítimos das empresas para tentar alcançar a meta de
resultado fiscal estabelecida.
A única certeza que os
contribuintes podem ter é a de que pagarão por esses Fundos, embora não se
saiba como. A certeza decorre do fato de que “quando o governo gasta, a
sociedade paga”.
Esse balanço preliminar não deverá se alterar em suas grandes linhas, mas com as definições das Leis Complementares será possível detalhar melhor, e talvez quantificar, os ganhadores e perdedores da reforma tributária.
Marcel Solimeo - Economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo
Fonte: https://dcomercio.com.br/publicacao/s/reforma-tributaria-quem-ganha-e-quem-perde
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