Opinião
A Educação sobrecarregou-se, nas últimas décadas,
com uma obrigação que vem sufocando sua capacidade de gerar aprendizado
consistente e de transmitir a herança cultural para as futuras gerações: a
obrigação de ser divertida.
Uma das justificativas que buscam explicar o
insucesso da escola nos dias de hoje é o fato de as crianças e os jovens não
gostarem das aulas, de as explicações serem “chatas" e não guardarem
relação com suas vidas cotidianas. Por isso, os jovens não estudam e não
aprendem. No Ensino Médio, esse fenômeno já ganhou ares de crise, com uma
população de mais de dez milhões de adolescentes que nem estudam e nem
trabalham. É preciso tornar a escola uma coisa mais atrativa para eles, dizem.
E por atrativa leem “divertida".
No entanto, há uma contradição que precisa ser
encarada nessa equação que insiste em colocar necessariamente a ludicidade,
diversão e alegria no processo de aprendizado. Nem tudo o que precisamos
aprender para compreender o mundo é divertido ou pode ser aprendido em meio a
jogos lúdicos ou brincadeiras dinâmicas, como se fossem games ou gincanas.
Desde sempre, como afirmou Aristóteles, os seres humanos são dotados de uma
vontade irresistível de aprender. Isto é, a felicidade do aprendizado - que o
velho estagirita chamava de eudaimonia - estava no fim e não no
meio do processo. No meio, estava o hábito, estava a busca persistente e equilibrada
- sem excessos, nem faltas - desse algo que é a expansão plena da nossa
capacidade de pensar o mundo (e a gente mesmo), por meio da observação, da
análise, da sistematização, da conceituação - e daí, de volta ao mundo, para
decifrar a sua complexidade. Esse é o método que, somado à exigência da
experimentação, introduzida mais tarde por Galileu, compôs o receituário básico
da Ciência, sem a qual estaríamos sabe-se lá aonde.
Nesse ponto reside o problema: as escolas são os
locais de formação de pessoas que assumirão os postos dos que se vão e que
darão continuidade a esse esforço milenar de transformação/conservação do
mundo. E, para isso, precisam aprender como a coisa funciona. E isso exige um
estudo que não é, por essência, nem lúdico, nem divertido.
Além disso, a escola é o simulacro do mundo
público, aquele espaço no qual não estamos ligados por laços familiares. As
regras para o mundo público são distintas das regras de funcionamento da
família. Uma criança precisa aprender, desde cedo, que não é o centro exclusivo
da atenção dos adultos e que sua vontade é uma entre tantas e que ela deve disputar,
usando as ferramentas disponíveis e autorizadas, para que possa ter chance de
usufruir o que deseja. Esse agon - palavra grega para disputa sem
violência - é a base da Política, outra invenção que teve em Aristóteles um
mestre e que implica em saber conviver em um espaço de iguais, agindo para se
destacar e para influenciar a coletividade. Pensa que isso é uma brincadeira?
Não, não é.
Pensar e agir são atividades distintas que exigem
comportamentos distintos. Pensar não se dá no campo da ação. E a Ação é mais
eficaz e proveitosa se partir de alguém que dedicou bastante tempo para
cultivar o espírito por meio do pensamento. Ainda hoje, quando pensamos,
paramos. Ainda hoje, quando agimos sem pensar, arrependemo-nos. Essa é a lógica
do aprendizado e do exercício cívico. Em ambos, a ideia de diversão, de “achar
legal”, de gostar, não é relevante. Mas hoje, a escola vem sendo reduzida a
isso. O que podemos esperar como consequência?
Essa breve análise não visa afirmar uma escola triste, mas uma escola com propósitos maiores que o de satisfazer o interesse imediato dos alunos. Não podemos cair na discussão binária entre escola triste e escola alegre. Devemos, isso, sim, reafirmar nossa posição de adultos que sabem o que devem fazer para colaborar para a formação de uma geração mais produtiva para o mundo e não ensimesmada em sua vontade e prazeres imediatos. Até porque os jovens não vão achar ruim. Há um certo desespero nas brincadeiras da escola. Há um certo apelo surdo por apoio e escuta. Basta que nós, adultos, sejamos capazes de perceber enquanto ainda há tempo. E fazer o que nos cabe fazer.
Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica e professor no Curso e Colégio Positivo.
@profdanielmedeiros
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