Protocolo desenvolvido por grupo do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus foi usado para analisar amostra do primeiro paciente com diagnóstico confirmado no Brasil. Tecnologia poderá ser útil para detectar novos vírus emergentes (foto: CADDE/divulgação)·
Pesquisadores do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido
para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) concluíram em apenas 18
horas o sequenciamento completo do genoma do vírus monkeypox (MPXV) isolado do
primeiro paciente com diagnóstico de varíola dos macacos confirmado no Brasil.
O feito tornou-se possível graças à
adaptação para o MPXV de uma técnica de metagenômica rápida desenvolvida
durante o doutorado de Ingra Morales Claro, bolsista da
FAPESP. O trabalho foi coordenado pela professora da Universidade de São Paulo
(USP) Ester Sabino,
que também esteve à frente do primeiro sequenciamento de SARS-CoV-2 no país, em
março de 2020, e dos primeiros casos da nova variante gama, surgidos em Manaus
cerca de um ano depois (leia mais em: agencia.fapesp.br/32637/ e agencia.fapesp.br/35290/).
A equipe do CADDE divulgou os
resultados ontem (09/06) no virological.org,
site em que virologistas de todo o mundo compartilham informações sobre
patógenos de interesse em tempo real.
“Recebemos a amostra de um paciente
internado no Hospital Emílio Ribas às 16 horas de terça-feira [07/06] e às 10
horas da manhã seguinte o genoma do vírus, que tem quase 200 mil pares de bases
[bem mais que as 30 mil do SARS-CoV-2], estava sequenciado e analisado. A
metodologia que desenvolvemos é, em média, 45% mais rápida do que as técnicas
de metagenômica convencionais. E o custo também é menor, podendo chegar a US$
30 por amostra”, conta Claro à Agência FAPESP.
Como
explica Sabino, os cientistas costumam recorrer a análises metagenômicas quando
precisam identificar um novo vírus emergente (como foi o caso do SARS-CoV-2 em
2019) ou detectar em amostras de pacientes um vírus já conhecido sem ter em
mãos os reagentes específicos necessários (como ocorre agora com o MPXV).
Isso porque o teste de RT-PCR,
padrão-ouro para diagnóstico da COVID-19 e de várias outras doenças, requer os
chamados primers (iniciadores), que são sequências de
nucleotídeos complementares às sequências virais que iniciam a replicação do
material genético. E o resultado depois precisa ser comparado com controles
negativos e positivos.
“Quando tem início uma epidemia por
um agente infeccioso novo, um dos grandes gargalos para o diagnóstico dos casos
é a falta de primers específicos e de
controles positivos. Essa técnica pode ser útil nessas situações, pois permite
identificar patógenos ainda desconhecidos, para os quais não há reagentes”,
explica Sabino.
E quanto
mais cedo ocorre a detecção do caso “index” (o primeiro caso), maior a
probabilidade de contenção de um vírus emergente, acrescenta Claro.
No caso da metagenômica são
usados primers aleatórios (não específicos para um
determinado vírus ou bactéria), que possibilitam sequenciar todo o material
genético contido em uma amostra biológica, inclusive o do hospedeiro (humano,
no caso) e de outros patógenos que ele eventualmente albergue. Em seguida,
essas informações são analisadas por técnicas de bioinformática e comparadas
com um painel de referências.
“Exatamente
como foi feito com o MPXV. Os dados obtidos foram mapeados em uma sequência do
vírus já disponível para estudos. E isso nos permitiu comprovar que se tratava
do monkeypox", diz Claro.
Encurtando caminhos
A
confirmação oficial do primeiro caso brasileiro de varíola dos macacos foi
feita ontem (09/06) pelo Instituto Adolfo Lutz. O laboratório de referência
paulista conduziu a análise metagenômica em uma plataforma conhecida como
Illumina, uma das tecnologias que tem sido usada para detectar o MPXV nos
centros europeus e norte-americanos e considerada padrão-ouro. O sequenciamento
por esse método leva em média 48 horas para ser concluído.
Já o grupo
do CADDE usou um sequenciador portátil conhecido como MinION, da Oxford
Nanopore Technologies, e fez adaptações no protocolo usado para sequenciar o
vírus zika (a partir de 2015) e o SARS-CoV-2 (a partir de 2020), tornando-o
mais rápido.
“Uma das
vantagens deste novo protocolo é a redução no tempo de preparo da amostra para
sequenciamento, que passa de 14 horas para 5h40 minutos”, relata Claro.
Como a taxa de erro é um pouco mais
elevada que a da plataforma Illumina, a equipe do CADDE buscou gerar até 300
leituras (reads) redundantes para cada região do genoma viral.
“Quando cobrimos diversas vezes a mesma região e encontramos o mesmo resultado,
podemos ter certeza de que não se trata de um erro de leitura”, diz a
pesquisadora.
O passo
seguinte foi montar a árvore filogenética do MPXV isolado no Brasil. Para isso,
a equipe do CADDE comparou a sequência obtida na USP com outras 102 divulgadas
este ano por cientistas de países como Bélgica, Portugal, Reino Unido,
Alemanha, Espanha e Estados Unidos. O objetivo foi mensurar o grau de
similaridade entre as sequências, o que dá pistas sobre as relações evolutivas.
“Baixamos
todos os genomas completos sequenciados em 2022 [até 09/06], alinhamos as
sequências e montamos a árvore filogenética. Vimos que o MPXV detectado aqui se
encaixa em um grande clado [grupo], o mesmo em que estão os vírus sequenciados
na Europa e nos Estados Unidos. Quando comparamos com o genoma de referência do
CDC [o Centro de Controle de Doenças norte-americano], atualizado em maio,
observamos somente três mutações”, conta Claro.
A título
de comparação, o primeiro genoma de MPXV sequenciado em 2022 apresentou 47
mutações em relação ao último caso até então descrito (em 2018, na África).
“O que
essas mutações representam e se de alguma forma elas contribuíram para o
aumento no número de casos é algo que ainda está sendo estudado por outros
grupos de pesquisa. Nós aqui no CADDE vamos ficar de olho nos próximos casos. A
ideia é continuar sequenciando para monitorar a evolução do vírus”, revela
Claro.
Embora
seja conhecido por causar a varíola dos macacos ou varíola símia, o MPXV é um
vírus que infecta principalmente roedores na África. O patógeno integra a
família Orthopoxvirus, a mesma do vírus da varíola humana, erradicada em 1980.
A doença
geralmente começa com febre, fadiga, dor de cabeça, dores musculares, ou seja,
sintomas inespecíficos e semelhantes aos de resfriado ou gripe. Alguns dias
após o início da febre aparecem as lesões na pele, que contêm alta carga viral.
A disseminação se dá pelo contato direto com as feridas ou com roupas, lençóis
e toalhas usadas por alguém com as lesões na pele. Também pode ocorrer pela
tosse ou espirro de pessoas infectadas.
Até o
início deste ano, a infecção era comum apenas na África Central. Mas novos
casos já foram detectados em 33 países, a maioria sem histórico prévio da
doença.
Karina Toledo
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/tecnica-permite-sequenciar-o-genoma-do-virus-causador-da-variola-dos-macacos-em-apenas-18-horas/38854/
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