Mostra revê um século de transformações na arte e cultura brasileiras, convidando que cada visitante defina seu próprio caminho por salas que levam a diferentes tipos de manifestações artísticas;
Seleção de obras busca remontar 100 anos de
rupturas e construções de uma arte não apenas antropofágica, mas também
autofágica; exposição tem curadoria de Marcello Dantas e José Miguel Wisnik;
O que aconteceu naquele ano
de 1922, em São Paulo, que ainda hoje é capaz de provocar debates construtivos
e polêmicas acaloradas sobre arte, política, racismo, identidades e história do
Brasil? Como podemos entender o papel de Mário de Andrade, Oswald de Andrade e
Villa-Lobos, entre outros, sem cairmos nos lugares-comuns dos mitos fundadores
de um novo Brasil e sem acreditarmos na ilusão de que o tempo parou cem anos
atrás?
A exposição Cem Anos Modernos no Museu
da Imagem e do Som (MIS), instituição da Secretaria de Cultura e Economia
Criativa do Estado de São Paulo, integra as celebrações do Governo Estadual,
propondo uma leitura que não vê na Semana de 1922 o momento de criação de um
Brasil moderno, mas sim como um momento de abertura de portas para a modernidade.
Idealizada pelo curador
Marcello Dantas e pelo compositor e crítico literário José Miguel Wisnik, a
mostra aposta no caráter exploratório por um grande labirinto, em que um Brasil
múltiplo, indomável, incoerente e por vezes contraditório vai se revelando. A
ideia é convidar o público a explorar, em cada nova sala, essa vontade de ver e
se apropriar de diferentes aspectos da cultura brasileira.
A mostra parte da concepção,
articulada por José Miguel Wisnik, de que o movimento modernista vocalizou de
maneira programática, com alarde exibicionista e provocador, questões que
estavam em ebulição. São exemplos dessas questões a quebra dos tabus estéticos
da representação da natureza, da linearidade sintática, da poesia metrificada,
da consonância tonal em música – rupturas que marcariam a linguagem artística
do século 20.
Elas se apresentam, por
exemplo, em Galo ou abacaxi,
pintura de Cícero Dias de 1940 em que o animal e a fruta se confundem numa tela
amarela, mas também se materializam na imagem fotográfica do cantor Roberto
Carlos recebendo um troféu do apresentador televisivo Chacrinha – sim, o famoso
“Troféu Abacaxi”.
Diversidade de
caminhos e leituras para os visitantes
Diferentemente do que é comum
no circuito de grandes exposições, não há um caminho específico traçado para os
visitantes: cada pessoa que entrar na mostra construirá sua própria saída,
passando por diferentes salas, cada uma levando a novas galerias, até a chegada
ao presente. “Toda a história dessa exposição é sobre você se descobrir
dentro desse labirinto. Duas pessoas não viverão a mesma exposição”, explica o
curador Marcello Dantas.
Uma das obras pelas quais o
visitante pode passar, dependendo do caminho que trilhar, é o filme Limite, de Mário Peixoto.
Outra, o projeto e imagens das máscaras que Flávio de Carvalho imaginou para O bailado do Deus Morto,
de 1933. Também em Flávio de Carvalho, desta vez de 1956, temos o desenho e a
fotografia de seu Passeio de
saia, acompanhado homens engravatados embasbacados com seu
questionamento artístico à ordem heteronormativa.
Nem todas as portas levam a
proposições positivas – uma das portas abre, por exemplo, uma sala para o
integralismo, a versão verde-amarela do fascismo. A ideia é tratar, também, dos
aspectos autoritários que entraram pela porta da modernidade. “A Semana de 1922
foi uma espécie de bomba de efeito retardado. Sem ser propriamente um
espetáculo, ela explodiu aos poucos, revelando toda uma cultura brasileira que
até então estava fora do circuito dominante”, complementa o curador.
As rupturas nas artes
brasileiras ao longo de cem anos não se limitaram à literatura, às artes
plásticas e à música erudita: também se fizeram imagens – no cinema –, sons –
na música popular – e movimento – na dança, por exemplo –, atingindo também
outros aspectos da vida cultural brasileira representados na exposição.
Diferentes portas se abrem no
percurso do visitante – e a exposição aproveita essa metáfora e dá uma espécie
de concretude a ela. O prédio do MIS, assim, se transforma em um labirinto de
portas, que podem ser de um armário ou uma simples cortina, portas de
geladeira, cadeia, giratória, pantográfica, eletrônica, que priorizam a vocação
do espaço para a imagem e o som, oferecendo muita música e projeções
audiovisuais.
“De certa forma isso é um
pouco uma representação do que aconteceu em 22. De repente, você tinha
uma cultura ‘clássica’ no Brasil e aí meia dúzia de caras abriram umas portas
e, depois disso, tudo começou a mudar”, completa Marcello Dantas, apontando que o elo comum a
todas as obras que fazem parte do trajeto “são matrizes originais do Brasil”.
Nessa ciranda, surgem
artistas que fizeram a cultura brasileira nos últimos cem anos, alguns deles
contemporâneos nossos, como Anitta (não a Malfatti, pintora, mas a cantora),
Elza Soares, Denise Stoklos, Emicida, Denilson Baniwa, passando também por
Glauber Rocha, Ariano Suassuna e José Celso Martinez Corrêa. Numa sala do
labirinto, o visitante assiste a trechos de Macunaíma,
do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, e uma das portas leva à obra da cenógrafa
Bia Lessa.
Exposição propõe
explorar – e celebrar – repercussões de 1922
Cem Anos Modernos não é uma exposição de artes visuais,
é uma mostra que procura indicar como as ideias e reflexões do modernismo
reverberaram na cultura brasileira nos últimos cem anos, com ênfase na música,
no cinema e no teatro. Nesse caminho labiríntico, o visitante poderá reavaliar
a identidade brasileira e a busca pela matriz indígena da cultura do país.
Assim, a Semana de 1922 não é
vista como um marco que “redescobre o Brasil”, como se Mário de Andrade, Oswald
de Andrade e Villa-Lobos, entre outros, fossem novos Cabrais; nem como se a
Semana de 1922 fosse um novo 22 de abril de 1500. “O Brasil teve um século
pujantemente moderno nas artes visuais, na arquitetura, na música, na
literatura, no pensamento, e isso é o que faz sentido celebrar”, diz o curador.
“Independentemente de quem
tentou se apropriar, os Brasis conseguiram se manter originais dentro de suas
territorialidades”, defende Marcello Dantas. “A cultura brasileira se revela
fascinantemente não apenas antropofágica, mas também autofágica, capaz de
regurgitar a si mesma além de qualquer outro que se apresente à sua frente”,
completa. Nesse sentido, o visitante poderá estabelecer laços entre as missões
de pesquisa organizadas por Mário de Andrade, para o registro de manifestações
culturais populares nos anos 1930, e as obras, entre outros, do escritor Ariano
Suassuna, autor de A pedra
do Reino (1971), e Antônio Nóbrega e o Teatro Brincante.
Espaço Redondo
contará com atrações para o público
Os diferentes percursos do
labirinto de Cem Anos
Modernos conduzem o visitante para um ambiente comum: o Espaço
Redondo do MIS, onde será projetada, no amplo espaço circular com pé-direito
alto, uma filmagem em 360 graus do Theatro Municipal de São Paulo. As paredes
do Theatro, única testemunha “viva” dos acontecimentos da Semana de 1922, se
transformam em uma obra própria, como no filme Amar Elo, de Emicida.
“Nesse filme, Emicida
reivindicou o teatro, porque as mãos dos trabalhadores, em grande parte negra,
nunca tinham pisado nele”, explica Dantas. “No fundo, estamos querendo dizer
que a luta por essa busca de identidade é um processo absurdamente pertinente,
ativo, e as tentativas de hoje em dia, como a Anitta, estão inclusas neste
processo”, comenta o curador.
No Espaço Redondo do MIS, há
um conteúdo original do projeto, com trilha composta por José Miguel Wisnik com
Alê Siqueira e imagens de Leandro Lima. São cerca de 20 minutos com uma espécie
de releitura de cem anos de arte brasileira, buscando resgatar a potência da
cultura brasileira e de seus criadores. A visitação simultânea desse espaço
será de cerca de 50 pessoas.
Realização
A iniciativa faz parte do
programa Modernismo Hoje,
criado pelo Governo de São Paulo para celebrar o centenário da Semana de 1922.
“Cem anos modernos
completa o circuito de exposições que produzimos, com muita dedicação e atenção
à multiplicidade de olhares, sobre a Semana de Arte Moderna. No MIS Experience,
o público pode conferir a megaexposição Portinari
para todos, a maior já feita em homenagem a Candido Portinari. Já o
Paço das Artes está em cartaz com a mostra Modernismo
desde aqui, que busca trazer uma leitura descolonizante da cultura
e das artes no Brasil”, afirma Marcos Mendonça, diretor geral da ACCIM –
Associação Cultural Ciccillo Matarazzo, que gere o MIS, o MIS Experience e o
Paço das Artes.
A programação é uma
realização do Governo Federal, Ministério do Turismo, Secretaria Especial da
Cultura, Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura e
Economia Criativa de São Paulo. Conta com patrocínio do Bradesco, Sabesp, Vivo,
EMAE e Comolatti e apoio institucional da Kapitalo, Bain&Company,
TozziniFreire Advogados, Shimano e PWC por meio da Lei Federal de Incentivo à
Cultura.
SOBRE O MIS
O Museu da Imagem e do Som de
São Paulo, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo
do Estado de São Paulo, foi inaugurado em 1970. Sua coleção possui mais de 200
mil itens, como fotografias, filmes, vídeos e cartazes. Hoje é um dos mais
movimentados centros culturais da cidade de São Paulo. Além de grandes
exposições nacionais e internacionais, oferece grande variedade de programas
culturais, com eventos em todas as áreas e para todos os públicos: cinema,
dança, música, vídeo e fotografia estão presentes na vida diária do
Museu.
SERVIÇO
Exposição: Cem Anos Modernos
Local: Museu da Imagem e do Som (MIS) – Av.
Europa, 158, Jd. Europa – São Paulo/SP
Funcionamento: Até 28/08/2022, de terça a domingo,
das 11h às 19h com permanência até às 20h.
Ingressos: R$ 30,00 (inteira) R$ 15,00
(meia-entrada). Gratuito às terças-feiras.
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