Voltou à pauta, no Congresso Nacional, a proposta de criação do estado do Tapajós, a partir da divisão do estado do Pará, objeto de projeto de lei em discussão na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado. A ideia não é nova – já foi rejeitada pela população paraense em plebiscito realizado em 2011 – e remete a uma discussão maior: a questão do gigantismo da máquina pública brasileira.
Segundo a proposta do senador Siqueira Campos
(DEM-TO), o novo estado do Tapajós ocuparia 43% do atual território do Pará,
cerca de 538 mil km², e teria 23 municípios, onde vivem hoje cerca de 1,05
milhão de habitantes. O Produto Interno Bruto da região é de R$ 18 bilhões,
segundo dados de 2018.
Os defensores do projeto defendem que a
população da região do novo estado não é beneficiada pela pujança econômica do
Pará e precisa ser melhor atendida. É uma pretensão legítima, mas pouco se fala
do custo dessa medida. O estado do Tapajós teria 3 senadores, 8 deputados
federais e 24 deputados estaduais. Isso significa a criação de uma Assembleia
Legislativa, com todas as despesas inerentes ao órgão. No Executivo, haveria um
governador, um vice-governador, cerca de 20 Secretarias de Estado – com seus
titulares, adjuntos, chefes de Gabinete e assessores. Demandaria, ainda, a
criação de Departamentos, Polícia Militar, Polícia Civil, estatais, autarquias
e tantos outros órgãos estaduais, além de Tribunal de Contas do Estado,
Ministério Público Estadual, Justiça Estadual e postos da Justiça Federal.
É imensa a estrutura necessária para a
criação de um novo estado. Prédios, funcionalismo, veículos oficiais,
mobiliário, maquinário, equipamentos, redes lógicas, insumos, combustível,
consumo de água, energia elétrica, telefone e internet, eis uma nova máquina
pública para consumir os recursos advindos dos impostos pagos pela população.
Matematicamente falando, em uma fração em que o numerador (as receitas
tributárias) permanece igual e o denominador é aumentado (mais estados e
maiores custos da máquina pública), temos como consequência inexorável menor
quociente (serviços à população).
Resultado que não interessa ao brasileiro.
Levar adiante a proposta de criação de mais um estado significa darmos
outro passo na direção errada. Basta tomarmos como exemplo a farra da criação
de municípios ocorrida após a promulgação da Constituição de 1988. Quando a Constituição
Cidadã entrou em vigor, o Brasil tinha 4.128 municípios. No ano 2000, portanto
apenas 12 anos depois, esse número passou para 5.507 municípios. E hoje temos
5.570. Assistimos, inertes, à germinação de máquinas públicas caras, quase
sempre ineficientes, e sem capacidade de se auto-sustentar. É simples: 66,7%
dos municípios brasileiros têm população inferior a 8.400 habitantes e, desses,
a maioria é dependente de repasses do governo federal (FPM: IR e IPI) e dos
governos estaduais (ICMS e IPVA). Apenas 71 cidades são responsáveis por 50% do
PIB o que significa, em leitura inversa,que 5.499 cidades ficam com os 50%
restantes.
A realidade é que o dinheiro do cidadão acaba sendo
utilizado para custear essa anomalia. O Atlas dos Estados Brasileiros 2018, do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que o Brasil gasta 13,4% do PIB
nacional com os servidores públicos. Desse total, os estados respondem por
5,31% do PIB (outros 4,74% são dos municípios e 3,35%, da União). É um volume
enorme de recursos. Tomando-se por base o PIB 2020, de R$ 7,4 trilhões, temos
R$ 991,60 bilhões comprometidos somente com as despesas relativas ao
funcionalismo público.
Outro dado alarmante: no período entre 2003 a 2015,
o custo da máquina pública cresceu 125% em valores reais – já deflacionados
pelo IPCA -, enquanto a variação do PIB foi de apenas 44,65%. Boa parte disso é
resultado de aumentos salariais muito acima da inflação, sem nenhuma correlação
sobre produtividade e crescimento do PIB, penduricalhos para burlar o teto
salarial de R$ 39,2 mil/mês, pagamentos de diárias, indenizações, gratificações
e auxílios diversos.
Em outra ponta, professores, médicos e outros
profissionais da saúde e agentes da segurança pública continuam tendo
remuneração não condizente com a relevância dos serviços que prestam.
A distorção é inaceitável. Em 2019, segundo os
números oficiais, os gastos com a máquina pública, proporcionalmente ao PIB
nacional, superaram os investimentos em educação (6%), saúde (3,9%) e
saneamento (0,21%). Tais despesas somaram 10,1% do PIB, bem menos que os 13,4%
consumidos com a máquina administrativa.
Trata-se de um modelo equivocado e nefasto à nação.
Os tributos precisam ser destinados para as atividades-fim (Educação, Saúde,
Segurança, Habitação e Infraestrutura) e não para atividades-meio (custeio das
máquinas administrativas).
É necessário olharmos o País sob outra ótica. A
recorrente justificativa dos governos de que sofremos com a escassez de
recursos financeiros não pode mais ser aceita, porque é irreal. O problema do
Brasil não é a falta de recursos, mas o gigantismo do Estado, que não cabe mais
no PIB nacional. O Estado arrecada muito, porém gasta mal e esta é uma das
razões para o cenário nacional de serviços públicos escassos, de má qualidade,
acessíveis apenas a uma parte da população.
Reduzir o tamanho do Estado, combater a corrupção,
acabar com os privilégios, reduzir as desigualdades sociais e regionais,
promover as reformas política e tributária, estabelecer um plano de metas e
refundar o princípio federativo são as verdadeiras necessidades do Brasil.
Qualquer iniciativa contrária a essas premissas não
contribuirá para o País reencontrar o rumo do desenvolvimento e melhorar a vida
dos cidadãos. Toda a população merece ser bem atendida pelo Estado,
independentemente da região onde viva. Entretanto, aumentar despesas não é o
melhor caminho para se atingir esse objetivo. Colocar mais uma estrela na
bandeira nacional está muito longe das prioridades nacionais.
Samuel Hanan - engenheiro, com
especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e
finanças; empresário e ex-vice-governador do Amazonas (1999-2002)
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