A felicidade também pode ter uma função tóxica para o ser humano quando se trata de uma emoção forjada. Na verdade, a prática dessa busca incansável por felicidade e positividade pode ser prejudicial. A ditadura da felicidade nega a natureza humana, que é composta por altos e baixos. A pessoa passa a se culpar por não ser sempre otimista e estar sempre feliz, o que gera mais negatividade.
Nosso corpo e nossa mente respondem
pior ao estresse quando negamos o que estamos sentindo. É impossível estarmos
bem quando estamos em guerra com nós mesmos. Todos sentimos dor, tristeza,
raiva, inveja, ciúme. Essas são emoções transitórias que fazem parte da
natureza humana. Mas a pressão para estar sempre bem, invalida a grande gama de
emoções que experimentamos. Logo, quando sentimos qualquer tipo de desconforto
emocional — como a raiva e a tristeza — está subentendido que fracassamos e que
somos inadequados ou fracos.
A felicidade também pode ser nociva
se estiver relacionada à chamada ‘positividade tóxica’. Positividade tóxica é a
crença que um estado feliz e otimista é desejável, possível e apropriado em
todas as situações. Ela resulta na negação, minimização e invalidação da
experiência emocional humana autêntica, deslegitimando a existência de certas
emoções e sentimentos, que fazem parte da nossa experiência genuína. Isso já
existia antes das redes sociais.
O pensamento positivo é um bem de
consumo que alimenta um mercado multimilionário de filmes, livros, treinamentos
e palestras há muitas décadas. Mas, certamente, a positividade tóxica encontrou
um aliado nas redes sociais. Porque quando o ser humano se expõe socialmente, é
natural que exista um esforço para que o outro o veja com bons olhos. Fica mais
claro se lembrarmos que, em termos evolutivos, a sobrevivência do indivíduo
humano depende do suporte do seu grupo. Por isso, nosso cérebro desenvolveu um
mecanismo, conhecido pelos pesquisadores como sociômetro, cuja função é julgar
ou imaginar qual será a percepção dos outros ao nosso respeito. As pesquisas
mostram que fazemos isso o tempo todo, inclusive sem termos consciência. Quando
percebemos que somos admirados, a nossa autoestima aumenta, reforçando a
atitude que gerou admiração. Quando percebemos que somos ou podemos ser mal
vistos, nossa autoestima diminui.
E mais. Nós desejamos status,
reconhecimento e aprovação social. As pessoas passam horas trabalhando em seus
perfis sociais, construindo uma imagem que não condiz com quem realmente são.
Já que a felicidade é reconhecida na nossa sociedade como um troféu, elas
passam a divulgar apenas os momentos felizes. As redes sociais popularizam a
ideia de que é possível ter uma vida livre de sofrimento. Raramente as pessoas
publicam suas falhas ou destacam seus erros. Seguimos vidas artificialmente
fabricadas e, como resultado, ficamos com a impressão de que todos estão
lidando com tempos difíceis ‘melhor do que nós’, e isso promove uma sensação de
solidão, vergonha e constrangimento. Quando o perfeito se torna normal, o bom
se torna descartável.
Não tem nada de errado em vermos o
lado positivo. Pelo contrário, é saudável entendermos a natureza multifacetada
dos eventos e das pessoas. A positividade saudável reconhece emoções autênticas
e rejeita o entendimento de que uma situação é necessariamente só boa ou só
ruim. Emoções opostas podem acontecer simultaneamente. Ou seja, você pode ficar
triste por perder seu emprego e ter esperança de encontrar um novo emprego no
futuro. Algumas décadas de pesquisa mostram que a capacidade de ressignificar
eventos é um dos principais fatores que suportam a resiliência humana. Ou seja,
quando construímos sentido a partir das adversidades, tirando lições
proveitosas do que nos acontece, conseguimos crescer a partir dos nossos
desafios em vez de ficarmos piores por causa deles.
Adriana
Drulla - Mestre em Psicologia Positiva, pela
Universidade da Pennsylvania, é especialista em Compaixão e Autocompaixão.
Estudou com Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e
outros pesquisadores referência neste campo nos Estados Unidos e no
mundo. Formada em Conscious Parenting por Shefali Tsabary, psicóloga
referência em parentalidade e autora do método que une psicologia,
parentalidade e espiritualidade, é também especialista em Mindfulness e
Autocompaixão pela Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA) e pela USP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário