O mapa mostra o nível socioeconômico dos diferentes distritos administrativos do município de São Paulo de acordo com o índice GeoSES, usado no estudo. As regiões em vermelho são as de pior nível socioeconômico e, as áreas em azul, são as com melhor classificação segundo o indicador (imagem: reprodução do artigo)
Moradores de bairros como Parelheiros
ou Capão Redondo, ambos situados nas franjas da capital paulista, correram, em
média, 50% mais risco de morrer de COVID-19 entre os meses de março e junho do
que os paulistanos que residem em vizinhanças centrais e de alto nível socioeconômico,
como Vila Mariana ou Moema.
A análise, baseada em dados do
Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, foi feita
com apoio da FAPESP por
pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). Os resultados foram divulgados na plataforma arXiv, em artigo ainda não revisado por pares.
“A diferença no risco de morrer entre
os bairros paulistanos de menor e maior nível socioeconômico pode chegar a 66%
no período analisado caso sejam incluídos na conta os óbitos suspeitos, muitas
vezes não confirmados por falta de testes”, diz à Agência FAPESP Francisco Chiaravalloti-Neto,
professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP) e coordenador da pesquisa.
Como levantamentos
anteriores já sugeriam, o padrão de mortalidade observado no estudo da FSP-USP
foi se modificando com o passar dos meses. Até meados de abril, o risco de
morrer por complicações causadas pelo novo coronavírus era maior nos bairros
paulistanos centrais e de maior poder aquisitivo. A tendência se inverte na
semana epidemiológica de número 16 – de 12 a 18 de abril – e, a partir desse
momento, ter um bom nível socioeconômico passou a ser um fator de proteção
contra a doença.
“Nossa
análise indicou ainda que os óbitos por COVID-19 na cidade de São Paulo
atingiram o pico na semana epidemiológica de número 20, entre 10 e 16 de maio.
Depois disso é possível observar uma tendência de estabilização, que ainda não
sabemos se vai se manter”, afirma Chiaravalloti-Neto.
Metodologia
Para chegar às conclusões descritas
no artigo, os pesquisadores correlacionaram os registros de óbitos por COVID-19
– confirmados e suspeitos – com informações sobre o nível socioeconômico do
local de moradia. Foram analisados os dados do SIM extraídos da base TabNet, da
Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), e os solicitados por meio do Sistema
Eletrônico de Informação ao Cidadão (e-SIC), também da PMSP.
“Embora
menos atualizado, o e-SIC nos forneceu dados com informação sobre as áreas
de ponderação do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] onde
residiam os óbitos. Então correlacionamos a mortalidade por COVID-19 com as
informações das áreas de ponderação do IBGE, que congregam setores censitários
contíguos e trazem dados sobre escolaridade e renda, entre outros”, explica
Chiaravalloti-Neto.
No estudo, o nível socioeconômico de
cada local da cidade foi definido com base no Índice Geográfico do Contexto
Socioeconômico para Estudos Sociais e Saúde (GeoSES), desenvolvido pela
geógrafa Ligia Vizeu Barrozo,
professora da USP e coautora do artigo. O indicador, que leva em conta
variáveis como renda, escolaridade, riqueza e grau de segregação, varia de -1
(nível socioeconômico mais baixo) a 1 (nível socioeconômico mais alto).
“Observamos
que o risco de morrer aumentou com maior intensidade nas áreas periféricas da
cidade com o passar das semanas. Em todo o período analisado, vimos que o
aumento de uma unidade no índice GeoSES [de -1 para 0, por exemplo] representou
uma redução de 25% no risco de morrer por COVID-19 quando considerados os
óbitos confirmados. Se incluirmos os óbitos suspeitos a redução foi de 33%”,
conta o pesquisador. Seguindo o mesmo raciocínio, a redução seria,
respectivamente, de 50% e 66% com a variação de duas unidades no índice GeoSES,
ou seja, quando se passa de um extremo ao outro do indicador.
“Esse tipo
de análise, que mostra a evolução da mortalidade semana a semana, pode indicar
para o gestor público onde é preciso investir mais para combater a doença.
Também revela áreas em que há excesso de óbitos suspeitos e, portanto,
possíveis barreiras relacionadas ao controle da epidemia, como falta de acesso
a testes diagnósticos, dificuldade de obter orientações e recursos para
proteção individual e coletiva e menor acesso à internação e ao tratamento. O
estudo enfatiza a necessidade de reconhecimento e enfrentamento da estreita
relação entre os determinantes sociais e as condições de vida com o risco de
morrer”, avalia Chiaravalloti-Neto.
O artigo Spatiotemporal dynamic of COVID-19 mortality in the city of São
Paulo, Brazil: shifting the high risk from the best to the worst socio-economic
conditions pode ser lido em https://arxiv.org/abs/2008.02322.
Karina Toledo
Agência
FAPESP
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