As expectativas de aceleração do crescimento econômico eram elevadas no início de janeiro de 2020. A capacidade ociosa acumulada nos anos de recessão, articulada com a aprovação da reforma da previdência e a aceleração da agenda de reformas, com destaque para a administrativa e a tributária, geravam a perspectiva de um crescimento do PIB entre 1,5 e 1,8% ao final do ano, o que, se ainda distante dos melhores anos já vividos pela economia brasileira, apontava para a superação da maior recessão das últimas décadas, que ceifou milhões de empregos, fechou inúmeros negócios e elevou a desigualdade em função do aumento da pobreza.
As notícias vindas da Ásia, a partir da segunda quinzena de janeiro, suscitavam preocupações em relação à possibilidade de quebra das principais cadeias produtivas globais, dada a dependência de grande parte dos países em relação aos fornecedores daquele continente, com destaque para a China. Durante algum tempo, em função, dentre outros motivos, da demora da OMS em considerar a COVID19 como uma pandemia, os principais analistas imaginavam que essa crise, no mundo ocidental, estaria restrita à oferta, sem impactos adicionais sobre a demanda e projetando uma normalização a partir da retomada da economia chinesa.
Com
a elevação dos níveis de contaminação se disseminando na Europa e nos EUA,
todas as projeções para a economia, este ano, passaram a sofrer ajustes
severos, com o fantasma da recessão passando a fazer parte de considerável
parcela dos modelos nas mais variadas economias do planeta, a partir do momento
que formou-se um consenso na área médica que o distanciamento social se
constituía como a forma mais adequada de reduzir os índices de contaminação e,
em um prazo médio determinado, possibilitar a retomada, ainda que gradual, das
atividades. A partir desse momento, a crise se tornou também de demanda,
afetando o mercado consumidor a partir do fechamento de empresas, escritórios,
comércio, escolas, repartições públicas dentre outros.
Essa
postura mais defensiva e reativa em relação à crise sanitária se espraiou pelo
mundo e também foi verificada no Brasil. Nosso país tinha vantagem de, a partir
da observação de experiências internacionais (aquelas que foram bem-sucedidas,
mas também aquelas que não lograram êxito), calibrar uma estratégia de
distanciamento social que nos possibilitaria superar a crise em menor tempo,
com a perspectiva de estruturar um plano de saída, em etapas, de modo a
minimizar as perdas de vidas, em primeiro lugar, a disseminação da
contaminação, a preservação de empregos e a saúde das empresas.
Os
problemas de coordenação e as questões políticas que permearam as ações desde o
início nos fizeram desperdiçar essa oportunidade. O Brasil fazia parte do
último grupo de países nos quais o vírus chegou com mais força, dando a
oportunidade de aprender com as experiências de outros países. A desarticulação
da resposta à pandemia gerou muita desinformação, além da descontinuidade de
algumas estratégias inicialmente traçadas (e que seguiam um rumo correto), o
que pode ser comprovado na constante troca de ministros da saúde e de outros
membros de primeiro escalão do governo federal.
Os
impactos na economia foram imediatos, com o atraso no socorro às empresas
(principalmente as micro e pequenas), além de todos os problemas operacionais
de socorro às famílias mais carentes e aos trabalhadores informais. O cenário
interno conturbado (com a pandemia ainda em expansão), aliado ao
comprometimento da imagem externa do país, seja pela demora na apresentação de
soluções eficazes para a crise, seja pela elevação da tensão política, projetam
para uma queda do PIB inédita no país desde que as estatísticas do
comportamento desta variável começaram a ser calculadas, no início do Século
XX. A saída da crise, no Brasil, será mais demorada do que em outros países,
que já ensaiam a ignição dos motores da economia, principalmente quando os
efeitos do fim do auxílio emergencial começarem a ser sentidos, no último
trimestre do ano.
Na
segunda quinzena de julho o Ministério da Economia, pressionado pelo
protagonismo do Congresso Nacional e pela fragilidade política do governo,
apresentou sua proposta inicial de reforma tributária, com a sinalização de
retomada da propalada agenda de reformas (tributária, administrativa, renda
básica). Ainda que fatiada, a proposta se mostra mais tímida do que a PEC 45,
que unifica 5 tributos federais, estaduais e municipais, e mexe com o ICMS, o
principal tributo brasileiro e um dos mais complexos do planeta em termos de
legislação e alíquotas, com a criação da CBS (Contribuição sobre Bens e
Serviços). A proposta apresentada pelo governo trata apenas da unificação do
PIS e da Cofins, criando um tributo sobre valor agregado (o imposto sobre bens
e serviços (IBS)) com aumento de alíquota, onerando principalmente o setor de
serviços (à exceção dos bancos). Da mesma forma que ocorreu com a reforma da
previdência, a sociedade ficou sem entender porque razão o governo abdicou de
aproveitar a PEC 45 (mais ampla e efetiva na proposta de reforma, além de mais
madura nas discussões políticas), e apresentou uma versão mais tímida, ainda
que fatiada.
A
segunda etapa da proposta governamental de reforma tributária deve trazer a
versão século XXI da CPMF, disfarçada com o codinome de “imposto sobre
transações eletrônicas”. A despeito das discussões políticas sobre a criação de
mais um imposto no país com a maior carga tributária para nosso nível de renda
serem difíceis a partir das primeiras manifestações das principais lideranças
do Congresso Nacional, vale destacar que se trata de um tributo que gera distorções
alocativas sérias, além do encarecimento do preço do produto final. Uma
alternativa poderia ser o fim de vários incentivos fiscais, assim como a
elevação da tributação sobre renda, lucros e ganhos de capital, o que tornaria
o sistema brasileiro mais próximo da equidade tributária, garantindo o aumento
da progressividade e reduzindo a incidência do ônus tributário sobre bens e
serviços que, proporcionalmente, oneram mais as camadas de menor renda da
sociedade. A eventual proposta de criação de novos tributos, em um ano de
recessão profunda como 2020, deve ser rejeitada pela sociedade e pelo Congresso
Nacional.
Fonte: Ricardo Balistiero - Economista,
Mestre em Economia, Doutor em Administração com ênfase em Gestão de Negócios
Internacionais e Coordenador do curso de Administração do Instituto Mauá de
Tecnologia. Especialista em Economia Brasileira, Economia Mundial, Sistema
Financeiro e Economia do Setor Público.
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