O
relacionamento entre marcas e consumidores já passava por ampla transformação
antes do novo coronavírus. Inegavelmente, no entanto, a pandemia acentua e
consolida tendências de maneira categórica e provavelmente irreversível.
O primeiro e mais evidente
impacto é o digital, no amplo sentido que o termo representa. Embora o nível de
maturidade varie de acordo com o segmento e a TV ainda oriente boa parte das
narrativas dominantes, tudo está mais “digital” agora do que há alguns meses,
ainda que por necessidade.
Empresas e instituições se
vêem obrigadas a acompanhar uma nova dinâmica tanto interna (setores como
atendimento ao cliente atuando remotamente do dia para a noite), quanto
externamente, onde a estratégia de marketing digital muitas vezes concentra todos
os mecanismos de interação com o consumidor. O marketing digital como
departamento é transitório e provavelmente vai migrar do mais importante ao
inexistente. Faz cada vez menos sentido a distinção off/on, uma vez que todas
as funções de marketing são ou possuem componentes majoritariamente digitais.
Não escapam nem mesmo os eventos, classicamente um exemplo do offline.
O cenário atual
ressignificou clássicos modelos do mundo dos negócios, como o “B2B ou B2C” para
fortalecer estratégias de relacionamento entre pessoas. O H2H (human to
human) se faz
necessário, especialmente em segmentos que passaram a fazer parte do dia a dia
dos brasileiros com mais intensidade nos últimos meses, como empresas da área
da saúde, ciência e biotecnologia, fabricantes de respiradores e farmacêuticas.
Mais do que nunca, a melhor estratégia atende pelo nome de empatia.
Comunicar nunca foi tão
importante e complexo, inclusive para empresas que não cultivavam o hábito de
se relacionar diretamente com o consumidor final, mas que concordam que pessoas
estão no centro de tudo. A abundância de informação em uma crescente quantidade
de canais exige das marcas relevância, frequência e muita, muita criatividade,
para se manterem ativas nas mentes das pessoas, especialmente quando tomadas
por pautas tão dominantes como a pandemia. Se sobra pouco espaço para falar de
qualquer-outro-assunto, independentemente do mercado de atuação, como e o que
comunicar?
Estruturar cada canal para
cada assunto e público-alvo e ser assertivo contrasta com a necessidade de se
manter onipresente de certa forma. É impreterível permitir a interação dos
clientes como e quando eles quiserem e, portanto, o omnichannel precisa deixar de ser apenas uma
aspiração. Roupagens de marketing de conteúdo em abordagens com fins comerciais
ficam expostas e portanto, ele, o conteúdo, torna-se o pilar mais importante da
estratégia. A expectativa do consumidor é evidente e comprovada por estudos
realizados durante a pandemia: os brasileiros esperam que as marcas sejam
úteis, práticas, realistas, e liderem mudanças.
Ainda mais atual, talvez
pela natureza agnóstica da COVID-19, acentuou-se a preocupação social. A
identificação passa agora também pela afinidade de valores. Como a marca tem se
engajado com causas sociais, defendido a bandeira da diversidade e inclusão,
atuado de maneira sustentável e, mais recentemente: o que ela tem feito pela
sociedade em meio à pandemia? Mais do que as palavras, atitudes revelam a real
natureza das marcas e despertam o reconhecimento.
O ciclo de marketing mudou
e faz tempo. Deixou de ser linear e fez nossos funis se materializarem de
variadas formas. Na atual conjuntura, é essencial compreender que a conversão
definitivamente abandona o aspecto de interruptor (liga/desliga) e passa a ser
a jornada em si, na qual qualquer possibilidade de interação é uma oportunidade
ímpar de nutrição. Afinal, a própria jornada já consolidou o entendimento que a
venda está longe de ser o final do funil, podendo na realidade ser apenas o
início para o próximo, ainda mais complexo: a fidelização.
Se encantar o cliente já
era um mantra do marketing, o caminho se tornou mais desafiador. Qualidade por
produtos ou serviços já não satisfazem e há expectativa por experiências
verdadeiramente transformadoras.
Por fim, e não menos
importante, o papel do consumidor, em meio a ou talvez em consequência de tudo
isso, também é outro. Além de toda revolução comportamental e do expressivo
aumento de exigências, ele está absolutamente mais instruído e potencialmente
influente. Não há como prever o que irá viralizar amanhã e, portanto, as marcas
precisam estar preparadas para tudo: confirmar seu posicionamento, se retratar
e assumir eventual deslize e ocasionalmente acolher inesperado protagonismo.
A coletiva preocupação com
a pandemia e cuidados com a saúde em geral, a adoção de um novo vocabulário
popular que inclui testagem e padrão-ouro e a descoberta de um novo alfabeto
com RT-PCR, IgM e IgG nos aproximaram de públicos não antes vislumbrados. Foi
preciso adaptar e adotar o H2H horizontalmente, uma vez que das personas ao cliente interno, tudo mudou.
Assim, as estratégias de marketing digital e relações públicas tornaram-se tão
cruciais como dinâmicas, os planos pré-pandemia, repensados, a agenda de mídia,
reorganizada e toda a estratégia, adaptada.
Ciclos mais curtos de
planejamento. Valores da marca em prática. Conteúdo valioso. Empatia e
humildade. Máscara e álcool gel.
Nicolas Marchon - executivo sênior de marketing para a América Latina da
Thermo Fisher Scientific
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