Em breve teremos o
aniversário dos 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança que foi
adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989
Em breve teremos o aniversário dos 30 anos da
Convenção sobre os Direitos da Criança que foi adotada pela Assembleia Geral da
ONU em 20 de novembro de 1989.
E o que mudou em termos legislativos e
comportamentais no Brasil? Nesses 30 anos convivemos com acertos e desacertos.
Muitos acertos legislativos, como os conselhos tutelares, mas também eventos de
involução advindos do Estado e da sociedade civil.
Recentemente um concurso de beleza infantil causou
polêmica nas redes sociais. O conhecido programa Silvio Santos apresentou um
concurso de beleza infantil no qual as crianças concorrentes eram avaliadas por
suas pernas, colo e outros quesitos mais afeitos a concurso de beleza de
adultos.
O que teria levado os pais dessas crianças a
exporem suas filhas em um programa de televisão nessas condições? Sucesso,
fama, retorno financeiro ou mesmo vaidade? Não se sabe.
Também é desconhecido o fato de como um experiente
comunicador e empresario não notou que tal concurso era absolutamente
inconveniente ou mesmo ilegal, por expor crianças impúberes como se adulto
fossem.
Não falta legislação protetiva e diretrizes de
comportamento.
E ali está, logo no início do texto, o artigo 1º,
que apresenta uma polêmica afirmando que entende-se por criança todo ser humano
menor de 18 anos de idade:
Artigo 1º - Para os efeitos da presente Convenção,
entende-se por criança todo ser humano menor de 18 anos de idade, salvo se, em
conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.
Mas se o adolescente com menos de 18 anos não pode
ser considerado criança, certamente com 10 anos não há a menor dúvida que seja
criança.
E é exatamente o que informa o Estatuto da Criança
e do Adolescente, conhecido como ECA:
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta
Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre
doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei,
aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um
anos de idade.
Ou seja, abaixo de 12 anos a lei considera o ser
humano como criança.
No plano constitucional o artigo 227 resume a
Convenção da ONU ao definir os direitos da criança:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Destaque-se que criança deve ser tratada como
criança, e a dignidade da criança é o conjunto de direitos do ser humano como
direitos fundamentais. Nesse sentido, reproduz-se o princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana como um dos princípios estruturantes da Nação.
Portanto, não se trata de norma programática ou de
baixa densidade, mas dotada de comando que norteia toda a ordem normativa
inferior. E sem dúvida, princípio dotado de eficácia vertical e horizontal,
pois o artigo 227 da Constituição é expresso ao afirmar que é dever da
sociedade, família e Estado cuidar das crianças.
Por sua vez, o ECA dispõe no mesmo sentido:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da
criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Não é só em concurso de beleza que encontramos
crianças em exposição inadequada, há concursos de culinária nos quais há
superexposição de crianças e toda a sorte de pressão psicológica decorrente.
No caso de concurso de beleza, com crianças em
trajes de banho, evidente que não estamos diante de trabalho artístico em
concursos de artes, música, novela, mas da exposição massiva dos corpos de
criança para apreciação de um público adulto.
Se considerarmos que a participação nesta espécie
de concurso seria trabalho a situação tende a piorar.
A Convenção 138 da Organização Internacional do
Trabalho, ratificada pelo Brasil, determina que atividades que possam
prejudicar a saúde, a segurança e a moral do jovem ficam proibidas ao menor de
dezoito anos (Art. 3º. 1.).
De certa forma, encontramos algo parecido com essa
exceção no Brasil que estabelece no artigo 7º, XXXIII, da Constituição da
República, a idade mínima de 14 (quatorze) anos para o trabalho do menor
aprendiz.
No artigo 403 da CLT está declarado como proibido
qualquer trabalho de menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de
aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos. E há uma complementação disso no
parágrafo único, o qual dispõe que o menor não poderá realizar esse trabalho em
locais prejudiciais a sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico,
moral e social e, em horários e locais que não permitam que ele frequente a
escola.
É de se destacar que o Estatuto da Criança e do
Adolescente também proíbe no artigo 67, III, ao adolescente empregado,
aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em
entidade governamental ou não governamental, o trabalho realizado em locais
prejudiciais a sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e
social.
Concurso de beleza infantil nos faz lembrar o filme
“Pequena Miss Sunshine” (2006) que era o nome de um competitivo concurso de
beleza na Califórnia retratado nesse trabalho. Além de todos os outros aspectos
muito interessantes a serem observados na obra, fica bastante claro que uma
criança é bela exatamente por ser criança.
Sob qualquer ponto de vista, seja ele de mera
apresentação artística ou trabalho, a exposição de crianças em trajes de banho
em concurso de beleza na TV é absolutamente incompatível com a legislação
vigente no país.
Cássio Faeddo - Advogado. Mestre em Direitos
Fundamentais. MBA em Relações Internacionais. Autor da obra “Erradicação do Trabalho Infantil”,
Editora Lesto, São Paulo.
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