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terça-feira, 6 de março de 2018

QUEM DEVEMOS ALGEMAR?



Provocou grande polêmica a utilização, por parte da Polícia Federal, de algemas nos tornozelos e nos punhos do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, quando conduzido ao Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba, para realização de exame de corpo de delito. Diante deste episódio, novamente se atenta para este tema, que diz respeito às garantias constitucionais asseguradas pelo Estado de Direito, e aos Direitos Humanos.

Como ponto de partida, o artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal brasileira, estabelece que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, de maneira que a utilização das algemas deve observar, prioritariamente, este princípio constitucional.

Sempre houve uma lacuna legislativa sobre o uso de algemas. Desde 1984, a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210), em seu artigo 199, dispõe que “o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”, sem estabelecer, contudo, qualquer regramento quanto à utilização das algemas no país.

Somente em 2008, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante nº 11, estabelecendo o uso de algemas apenas em determinadas situações excepcionais, desde que justificadas. Vejamos o que decidiu o STF: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Naquele mesmo ano de 2008, a Lei nº 11.689 incluiu o § 3º no artigo 474 do Código de Processo Penal, proibindo o uso de algemas durante o julgamento no plenário do júri, exceto se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.

Foi somente em 2016, que se regulamentou o tema, pelo Decreto nº 8.858. Esta é a regra geral legislativa em vigor atualmente no Brasil.

Ainda de forma tímida, o artigo 2º do referido Decreto estabeleceu que o uso de algemas só seria permitido em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, desde que justificada a sua excepcionalidade por escrito.

Já o artigo 3º da mesma norma, proibiu o emprego de algemas nas mulheres presas, em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional, durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.

Inspirada no dispositivo acima, no ano passado, a Lei nº 13.434 acrescentou o parágrafo único ao artigo 292 do Código de Processo Penal, a fim de proibir que mulheres sejam algemadas durante o parto.

O que se observa, de forma unânime, nos dispositivos legais mencionados, é o caráter excepcional da utilização de algemas.

Na prática, o que se espera, no que diz respeito às algemas, é o bom senso da autoridade ou do agente, em observância aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante, previstos na nossa Constituição Federal, bem como o respeito à integridade física e moral do preso, também resguardado pela Carta Magna, além das disposições legais sobre a matéria, sob pena de responsabilização disciplinar, civil e penal do agente do Estado que atuar em desacordo com a lei.

Vale lembrar, por fim, que se a utilização de algemas não for imprescindível ou necessária, poderá caracterizar um abuso de autoridade, previsto na Lei nº 4.898/1965, devendo sempre o Poder Judiciário punir os excessos na utilização dos grilhões, pois, mesmo com o aval da opinião pública, tal utilização jamais poderá se transformar em um espetáculo dantesco.





 

Adriana Filizzola D’Urso – Advogada criminalista, mestre e doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), pós-graduada em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal), e em Ciências Criminais e Dogmática Penal Alemã pela Universidade Georg-August-Universität Göttingen (Alemanha), é membro da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa, e também da Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas.


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