Como ponto de partida, o artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal brasileira, estabelece que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, de maneira que a utilização das algemas deve observar, prioritariamente, este princípio constitucional.
Sempre houve uma lacuna legislativa sobre o uso de algemas. Desde 1984, a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210), em seu artigo 199, dispõe que “o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”, sem estabelecer, contudo, qualquer regramento quanto à utilização das algemas no país.
Somente em 2008, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante nº 11, estabelecendo o uso de algemas apenas em determinadas situações excepcionais, desde que justificadas. Vejamos o que decidiu o STF: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Naquele mesmo ano de 2008, a Lei nº 11.689 incluiu o § 3º no artigo 474 do Código de Processo Penal, proibindo o uso de algemas durante o julgamento no plenário do júri, exceto se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
Foi somente em 2016, que se regulamentou o tema, pelo Decreto nº 8.858. Esta é a regra geral legislativa em vigor atualmente no Brasil.
Ainda de forma tímida, o artigo 2º do referido Decreto estabeleceu que o uso de algemas só seria permitido em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, desde que justificada a sua excepcionalidade por escrito.
Já o artigo 3º da mesma norma, proibiu o emprego de algemas nas mulheres presas, em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional, durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.
Inspirada no dispositivo acima, no ano passado, a Lei nº 13.434 acrescentou o parágrafo único ao artigo 292 do Código de Processo Penal, a fim de proibir que mulheres sejam algemadas durante o parto.
O que se observa, de forma unânime, nos dispositivos legais mencionados, é o caráter excepcional da utilização de algemas.
Na prática, o que se espera, no que diz respeito às algemas, é o bom senso da autoridade ou do agente, em observância aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante, previstos na nossa Constituição Federal, bem como o respeito à integridade física e moral do preso, também resguardado pela Carta Magna, além das disposições legais sobre a matéria, sob pena de responsabilização disciplinar, civil e penal do agente do Estado que atuar em desacordo com a lei.
Vale lembrar, por fim, que se a utilização de algemas não for imprescindível ou necessária, poderá caracterizar um abuso de autoridade, previsto na Lei nº 4.898/1965, devendo sempre o Poder Judiciário punir os excessos na utilização dos grilhões, pois, mesmo com o aval da opinião pública, tal utilização jamais poderá se transformar em um espetáculo dantesco.
Adriana Filizzola D’Urso – Advogada criminalista, mestre e doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), pós-graduada em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal), e em Ciências Criminais e Dogmática Penal Alemã pela Universidade Georg-August-Universität Göttingen (Alemanha), é membro da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa, e também da Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas.
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