A
febre amarela é provocada por um vírus que foi trazido da África há, pelo
menos, três séculos. O vírus, adaptado a primatas (macacos e humanos) é
transmitido exclusivamente por algumas espécies de mosquitos. A doença não é
transmitida de um ser humano para o outro, do macaco para o homem, ou
vice-versa.
A
maioria das pessoas é resistente ao vírus e, se infectadas, apresentam
eventualmente sintomas brandos. Entretanto, pessoas não resistentes podem
adoecer gravemente e falecer em poucos dias. Por isso é considerada uma doença
de alto risco.
Como
o vírus se instala, principalmente, no fígado, provocando morte das células
hepáticas, pacientes em estado grave desenvolvem uma hepatite, que se manifesta
na cor amarelada da pele e olhos, donde vem o nome “febre amarela”.
No
Brasil são conhecidos dois ciclos da febre amarela, o ciclo urbano e o ciclo
silvestre. O vírus é o mesmo, mas o que difere são os vetores (mosquitos) e
hospedeiros (humanos ou macacos). No ciclo urbano o vetor é o Aedes aegypti e o hospedeiro
é o ser humano, enquanto no ciclo silvestre são conhecidos dois gêneros de
mosquitos como vetores (Haemagogus
e Sabethes) e a
virose é, usualmente, transmitida dos mosquitos contaminados para os macacos.
Chama-se ciclo silvestre (de selva) porque ocorre em áreas de matas onde
existem os vetores e hospedeiros. Oficialmente a febre amarela urbana foi
extinta no Brasil no ano de 1942, mas o vírus continuou circulando no ciclo
silvestre, principalmente na região amazônica.
A
partir da década de 2000 surtos extra-amazônicos da febre amarela começaram a
se intensificar, alcançando estados do Centro-Oeste e oeste de Minas Gerais.
Entre 2008 e 2009 um grande surto atingiu o sul do Brasil e países limítrofes,
resultando na morte de, pelo menos, 2.000 macacos no Rio Grande do Sul, mas foi
de baixo impacto para a população humana, com a morte de nove pessoas pela
doença.
A
partir da primavera de 2016 um surto de febre amarela silvestre alcançou a Mata
Atlântica do sudeste brasileiro, provocando a morte de milhares de macacos,
principalmente nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, com o registro de
717 casos e 135 mortes humanas pela doença nesses dois estados, até agosto de
2017. Amplamente noticiado pela imprensa nacional e estrangeira, este foi
considerado o maior surto de febre amarela silvestre da história do Brasil.
Com
a queda da temperatura em meados de 2017 e consequente declínio das populações
de mosquitos, a virose permaneceu silenciosa por alguns meses, deixando dúvidas
se retornaria à Mata Atlântica no verão seguinte. A resposta veio em dezembro,
quando novas mortes de macacos por febre amarela foram confirmadas em São
Paulo, Rio de janeiro e Minas Gerais. Este novo surto, a exemplo de 2017,
também traz consigo o paradoxo de ser um ciclo silvestre que atinge regiões metropolitanas,
inclusive as grandes capitais do Sudeste. Apesar disso, como a doença envolve
macacos e, certamente, mosquitos que ocorrem em matas, consideramos tratar-se
do ciclo silvestre.
Certamente
estamos diante de um novo fenômeno epidemiológico que precisa ser mais bem
estudado e compreendido. Uma doença que até recentemente era tratada como coisa
do passado, isolada nos rincões do Brasil, hoje invade as metrópoles do
Sudeste. Profissionais da saúde, virologistas, zoólogos e ecólogos precisam se
unir para dissecar o fenômeno.
A
população humana pode e deve ser protegida com a vacina, que é considerada de
alta eficácia. Entretanto, o bloqueio vacinal chegou tarde, por exemplo, em
alguns municípios de Minas Gerais, considerando que a virose encontra-se no leste
de Minas desde 2016. Não se justifica que, nessa região, pessoas ainda estejam
adoecendo e morrendo de febre amarela.
Quanto
aos macacos, infelizmente, uma vez que o surto é instalado, quase nada se pode
fazer. Mesmo se tivéssemos uma produção de vacinas para esses animais,
tecnicamente é inviável capturar e vacinar milhares de macacos Brasil afora.
Uma vacinação poderia ser útil em casos muito específicos, ou seja, para uma
pequena população isolada, de uma espécie criticamente em perigo de extinção.
Não
bastasse a morte impiedosa de milhares de macacos pela febre amarela, agora
temos testemunhado várias denúncias de que pessoas, por ignorância, estão
matando esses inocentes animais. Além de ser crime ambiental e não ajudar na
prevenção da doença, essa atitude pode agravar a situação, inclusive por
confundir o sistema de vigilância epidemiológica, já que a morte epidêmica de
macacos sinaliza por onde a febre amarela está passando.
Nos
estado do Espírito Santo e Minas Gerais temos pesquisado o impacto do surto da
febre amarela sobre as populações de diferentes espécies de primatas, visando
propor medidas que ajudem a restabelecer as populações dizimadas. Conforme
esperado, já podemos constatar que em matas maiores há uma maior chance de
sobreviverem alguns macacos, dando a esperança de que venham a se
restabelecer. Em matas pequenas e isoladas, entretanto, é comum sucumbir
toda a população de macacos, provocando a extinção local.
Enquanto
a vacinação é a melhor solução para prevenir a doença nos seres humanos, para a
proteção dos macacos precisamos investir na educação da população humana e nas
pesquisas que possam ajudar na compreensão desse fenômeno devastador. Com o
conhecimento científico, poderemos nos preparar para possíveis surtos futuros e
investir na recuperação das espécies da nossa fauna que estão sendo impactadas
pela doença.
Sérgio
Lucena - biólogo, diretor do Instituto Nacional da Mata Atlântica e membro da
Rede de Especialistas em Conservação da Natureza
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