A Odontopediatria vem ganhando cada vez
mais importância num cenário em que, aos 12 anos, mais da metade dos
brasileiros tem uma ou mais lesões de cárie. Ao longo do tempo, inclusive,
houve toda uma transformação do papel do odontopediatra. Muito mais do que um
cirurgião-dentista “com jeito para lidar com crianças”, trata-se de um
profissional que tem sob sua responsabilidade, em grande parte, todo o
desenvolver de um comportamento que poderá resultar em um adulto com dentes saudáveis.
Os cuidados com a dentição infantil começam
ainda na gestação. Cabe ao odontopediatra orientar as mamães sobre o que podem
fazer – desde incorporar novas rotinas de higiene e alimentação, até mudar
determinados hábitos nocivos à dentição das crianças – para que seus filhos
nasçam com tendência a formar dentes fortes e saudáveis. A periodontite
(inflamação na gengiva), por exemplo, vem sendo associada ao nascimento de
prematuros e a recém-nascidos com baixo peso. Sendo assim, tudo começa já nos cuidados
com a gestante.
Ainda há muitos pais, infelizmente, que
também desconhecem a importância de tratar da saúde bucal da criança desde seu
nascimento. Consideram que dente de leite não tem importância porque vai cair
mesmo e que a preocupação em levar o pequeno ao cirurgião-dentista começa por
volta dos oito a dez anos. Mas isso é um grande engano. Hoje, o odontopediatra
tem uma nova perspectiva sobre a primeira dentição. Ao cuidar desde cedo dos
dentes da criança, estimulando-a à correta higienização já nos primeiros anos
de vida, também está prospectando um futuro mais saudável para essa pessoa.
Vale dizer que existe consenso em preservar
o máximo possível os dentes decíduos (primeira dentição) para evitar uma série
de problemas, como: desalinhamento resultante da extração precoce de um dente
de leite; lesões de cárie que avançam nos dentes permanentes quando não
tratadas logo na dentição provisória; infecções; problemas que resultarão na
necessidade futura de um tratamento ortodôntico etc. Além do aspecto
preventivo, tratar os dentes desde a primeira infância possibilita eliminar um
dos grandes obstáculos que encontramos ainda hoje: muito adulto tem “medo de
dentista”.
Quando a criança se acostuma a frequentar
desde cedo o consultório odontológico, incorpora isso naturalmente à sua rotina
e passa a tratar o cirurgião-dentista como os demais profissionais de saúde, a
exemplo do pediatra. Mais do que isso, crianças acostumadas desde cedo a cuidar
da saúde bucal tratam a todos como amigos, desenvolvendo uma saudável relação
de confiança. Afinal, há toda uma preocupação por parte dos odontopediatras em
receber essas crianças de forma lúdica e acolhedora. Oferecer um ambiente
colorido, livros e brinquedos para diferentes idades é uma delicadeza que mostra
ao público infantil o quanto ele é importante e contribui para deixar as
crianças mais à vontade, mais calmas para compreender o porquê dos
procedimentos clínicos.
Ao transformar os cuidados com a saúde
bucal numa experiência agradável para a criança, o odontopediatra contribui
para que ela cresça cuidando bem dos dentes e se alimente corretamente – o que
resultará num adulto com boa saúde bucal, com baixa incidência de cárie e
outros problemas resultantes da falta de cuidados e escovação apropriada. Uma
das primeiras medidas é advertir os pais de que a criança jamais deve ser
colocada para dormir com a mamadeira no berço ou na cama. Apesar de parecer
familiar para a maioria das pessoas, isso está errado. Seja a fórmula que for,
ou ainda um suco, se a criança não higienizar a boca logo depois de mamar, o
acúmulo de açúcar contribuirá muito para o aumento de bactérias nocivas na
cavidade bucal, levando à formação de lesões de cárie mesmo nos dentes
decíduos.
Até mesmo por isso, os odontopediatras
costumam avaliar os hábitos alimentares da família e da criança. Por exemplo,
alguns pais costumam colocar achocolatados e sucos de caixinha nas lancheiras,
mas precisam ser advertidos de que também esses líquidos são prejudiciais à
saúde bucal. Da mesma forma que o açúcar presente em doces, pães e bolachas, o
açúcar dessas bebidas se transforma em ácido e ataca o esmalte dos dentes,
provocando cárie e até mesmo inflamações. Grosso modo, os mesmos
cuidados que os pais têm para proporcionar uma alimentação mais saudável a seus
filhos e evitar a obesidade infantil – que aumenta de modo alarmante no Brasil,
superando problemas como a desnutrição – contribuem para que os menores
desenvolvam dentes mais saudáveis e um sorriso bonito.
Finalmente, ensinar crianças e adultos a
escovar corretamente os dentes, pelo tempo mínimo necessário para promover uma
limpeza ideal da boca, também é papel do odontopediatra – que, com paciência e
gentileza, costuma reforçar essa mensagem a cada consulta. Até que a criança
atinja três anos, os pais serão orientados sobre a melhor forma possível de
promover essa higienização/escovação. Mas, como a coordenação motora é
desenvolvida aos poucos, caberá aos pais supervisionar os rituais de limpeza
bucal de seus filhos até que completem 10 ou 11 anos. Isto não quer dizer que,
depois disso, poderão eliminar a preocupação com a saúde bucal de seus
filhos. Ainda caberá aos pais checar o bom estado das escovas de dente,
agendar consulta com o cirurgião-dentista para aplicação do selante e vigiar os
hábitos de seus filhos.
Ao menor sinal de ranger de dentes, estalar
de mandíbula ou permanecer tempo demais com a boca aberta, vale a pena buscar
ajuda especializada. Como as crianças costumam adquirir os mesmos hábitos que
os adultos, seu comportamento deve ser constantemente avaliado pelo
odontopediatra para checar se o excesso de preocupação e estresse não está
impactando a formação e saúde dos dentes. Enfim, esse profissional deverá fazer
um acompanhamento bastante personalizado até que essa criança se transforme em
adulto – de preferência, com um sorriso saudável e bonito.
Sandra Kalil -
professora do curso de pós-graduação em Odontopediatria da FAOA – Faculdade
de Odontologia da APCD (Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas). www.faoa.edu.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário