Brumadinho
já se tornou uma das piores tragédias sociais e ambientais que vivenciamos em
nossa história. O rompimento da barragem, que aconteceu no interior do estado
de Minas Gerais, na tarde do dia 25 de janeiro de 2019, destruiu casas e
lavouras, deixando um dano ambiental sem precedentes e centenas de mortos. Os
impactos do desastre ainda levarão dias, meses e até anos para serem totalmente
mensurados. Diante desse cenário, nós como sociedade nos sentimos completamente
perplexos e totalmente impotentes.
Mas,
apesar dos prejuízos irreparáveis, do ponto de vista das empresas e dos
governos certamente ficam muitas lições e perguntas importantes a serem feitas,
no sentido de criar medidas e ações de prevenção e combate aos agentes de risco
em um cenário futuro. Partindo desse ponto, gostaria de trazer a minha visão
sobre a importância do profissional de relações governamentais nos dias de
hoje, e o papel que ele pode ter diante de uma tragédia como essas.
Em primeiro lugar é importante elucidar que o
profissional de relações governamentais tem se tornado, cada vez mais, uma peça
fundamental dentro das empresas. Seja pelo fato de que, no Brasil, o governo
tem um caráter totalmente intervencionista nas atividades empresariais (independentemente
do segmento da empresa), como também graças aos recentes acontecimentos
políticos e escândalos de corrupção no país.
Nesse
contexto, o principal papel desse profissional é fazer a intermediação das
relações entre as empresas e os órgãos governamentais em todas as suas esferas
(Executivo, Legislativo e até o Judiciário em alguns casos) e instâncias
(municipal, estadual e federal), incluindo as entidades de classe e agências
reguladoras.
Imagine,
como exemplo, o cenário onde uma indústria deseja construir uma nova planta
fabril. A negociação com os órgãos do governo vai desde à adequação do terreno,
impacto ambiental, definição de impostos, criação de infraestrutura, segurança
etc. Essa negociação precisa ser gerenciada com a prefeitura local, com o
estado e, em alguns casos, até mesmo com o governo federal. Sem falar na
interlocução constante com as agências reguladoras e comunidade do entorno.
Além
disso, o gerenciamento desses interesses, por ambos os lados, deve ser feito de
maneira lícita, cumprindo com todas legislações e requisitos pré-estabelecidos
pelos órgãos públicos e reguladores, bem como mantendo a empresa dentro das
regras de Compliance e transparência.
Assim,
podemos destacar como características comportamentais essenciais à profissão, a
habilidade de comunicação, poder de persuasão, resiliência e criatividade,
ótimo relacionamento interpessoal, diplomacia e, acima de tudo, caráter ético.
Importante
elucidar, também, que para desempenhar essa interlocução entre as empresas e os
governos de forma mais efetiva e eficaz, o profissional de relações
governamentais precisa desenvolver, em sua rotina básica de trabalho, as
seguintes atividades e competências: profundo conhecimento com relação ao
mercado/segmento em que a empresa atua e sobre o cenário político brasileiro,
identificando quem são seus principais stakeholders internos e externos;
mapeamento de todas as agendas reativas e criação de agendas positivas;
construção dos melhores caminhos e estratégias para execução dos projetos e
defesas dos interesses da empresa, bem como monitoramento de legislação e
projetos de lei que possam impactar o negócio.
Outra
atividade importante e inerente ao cargo, e que está diretamente relacionada à
tragédia referida nessa matéria, é a prevenção e gestão de crise, visando
defender a imagem e reputação da empresa no mercado. Também faz parte do escopo
de todo profissional de relações governamentais, com base num conhecimento
profundo do negócio ao qual a empresa está inserida, o levantamento e
identificação de todos os seus potenciais riscos, visando criar, juntamente com
as áreas técnicas, medidas preventivas e reativas de segurança.
Como
principais ações preventivas, podemos destacar: mapeamento e listagem de todos
os riscos inerentes ao negócio, criação de medidas e protocolos de segurança
dentro do Compliance da empresa, bem como monitoramento e controle constante,
por parte de um grupo específico de stakeholders, desses fatores de
riscos.
Quando
todos os mecanismos de prevenção falham e uma crise é instaurada, novamente o
papel do profissional de relações governamentais ganha importância dentro e
fora da empresa, pois ele será um dos principais protagonistas por fazer a
gestão da crise.
Suas
atribuições nesse momento vão desde a participação na criação de um comitê de
gestão de crise, passando pela construção de todas as medidas reativas e de
redução dos danos (no curto, médio e longo prazo), em conjunto com outros stakeholders
importantes da empresa, até a interlocução e relacionamento com todos os
agentes públicos, órgãos reguladores e sociedade.
Importante
ressaltar, também, que é fundamental em todo processo de gestão de crise o
estabelecimento de uma comunicação clara e de total transparência por parte do
porta-voz escolhido pelo comitê, bem como a colaboração total da empresa com os
órgãos públicos para que, o quanto antes, seja descoberto o tamanho do problema
e se consiga atuar na causa do problema, e não apenas nos sintomas.
Assim,
como conclusão desse artigo, conseguimos enxergar a relevância do profissional
de relações governamentais perante as corporações, governo e sociedade, bem
como o impacto do seu papel e atuação em tragédias como essa.
Não
obstante possíveis adversidades que podem driblar os mais rigorosos mecanismos
de prevenção à riscos, quanto mais as empresas enxergarem a necessidade de
tornar suas áreas de relações governamentais cada vez mais robustas, com
profissionais altamente qualificados e dentro dos padrões de Compliance,
certamente veremos menos casos como o de Brumadinho.
Raul
Cury Neto - advogado especializado em
recrutamento e seleção e sócio da VITTORE Partners, consultoria de recrutamento
especializada nos mercados Jurídico, Tributário, Compliance e Relações
Governamentais.