Empresas podem sofrer ações legais, como o
pagamento de indenização por dano moral, em casos de constrangimento
Em
2018, o Supremo Tribunal Federal reconheceu por unanimidade que pessoas
transexuais ou travestis podem alterar o nome e o gênero no registro civil sem
que se submetam a cirurgia ou autorização judicial. A decisão foi regulamentada
pelo Provimento 73 do Conselho Nacional de Justiça e essa alteração passou a
ser realizada diretamente em um Cartório de Registro Civil.
Desde
então, 12.067 pessoas trans fizeram a alteração de gênero em cartórios, segundo
dados divulgados pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais
(Arpen/Brasil), entidade que reúne todos os 7.741 Cartórios de Registro Civil
do Brasil.
Embora
os direitos desta população tenham sido ampliados nos últimos 20 anos, ainda
não há legislação específica que garanta o uso do nome social no ambiente de
trabalho, por exemplo. No Estado de São Paulo, o que existe é o Decreto
55.588/10, que impôs a utilização do nome social e sua designação de gênero
para cidadãos e funcionários da administração pública. Em 2016, o decreto
federal 8.727 determinou a mesma medida.
O advogado Osmar Golegã, coordenador do Contencioso Civil do escritório
Natal & Manssur, explica que
embora não exista legislação específica para empresas em âmbito privado – já
que decreto não é lei e sim um ato típico da administração pública – é
recomendável que as empresas efetuem a adequação que o trabalhador solicitar.
“Independente
da alteração na certidão de nascimento ou de demais documentos, a recomendação
é a utilização no nome social em todos os atos publicizados, ou seja, em
assinaturas de e-mails, crachás, placas e quaisquer outros locais com a
nomeação ao público. Enquanto os documentos internos, como ficha de aplicação,
contrato e carteira de trabalho, devem respeitar os atos constantes das
certidões e documentos oficiais, enquanto o funcionário não realizar a
alteração dos seus documentos”, detalha Golegã.
A advogada Lívia Moraes, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da
OAB/SP - Subseção do Butantã e líder do Comitê de Diversidade e Inclusão do
escritório Barcellos Tucunduva,
reforça: “A Constituição Federal é clara quando trata da defesa contra a
discriminação, direito à liberdade de opinião e expressão, argumentos
utilizados pelos magistrados em decisões sobre o tema na Justiça do Trabalho”.
Ela
explica que as empresas devem, sobretudo, estabelecer políticas claras que
reconheçam o uso do nome social em todos os documentos internos e identificações,
além de punições aplicáveis em caso de descumprimento. “É importante também a
adequação de sistemas e plataformas internas para permitir o registro e uso do
nome social, bem como a criação de canais adequados para que funcionários
possam reportar qualquer situação indevida. Em paralelo, diversas ações podem
auxiliar no processo de conscientização: workshops e palestras com
especialistas em diversidade e inclusão, principalmente sobre a comunidade
LGBTQIAP+, campanhas constantes de comunicação interna, treinamentos de
educação contínua em módulos, criação de grupos de afinidade, parcerias com
organizações especializadas, entre outras. É necessário que todos os
funcionários entendam a importância do respeito ao nome social e à identidade
de gênero em tratativas internas ou até mesmo com clientes”, detalha.
Punições
Apesar
de não existir punição específica considerando a ausência de lei, a
jurisprudência demonstra que empresas que deixam de adotar as medidas adequadas
para o uso correto do nome social no ambiente corporativo – físico ou digital –
podem sofrer punições. “As empresas podem sofrer ações legais que estabeleçam o
pagamento de indenização por danos morais em razão do constrangimento causado
ao empregado, seja quando da negativa de uso do nome social ou uso inadequado,
por exemplo, ter o crachá com o nome social, mas manter a exigência de uso de
nome civil em sistema corporativo”, destaca Lívia Moraes.
Osmar
Galegã enfatiza que o decreto federal 8.727 tem sido utilizado de base para
emissão de todos os documentos com a inclusão do nome social, sendo RG, CPF,
título de eleitor e carteira de trabalho, emitidos com ambos os nomes, tanto o
civil quanto o social, por meio de pedido específico do interessado perante os
órgãos responsáveis pelas emissões.
Projetos de lei
Em
tramitação no Congresso Nacional, existem alguns projetos de lei, inclusive
prevendo reserva de vagas de trabalho para pessoas LGBTQIAP+. No entanto, na
opinião da advogada Lívia Moraes, a comunidade ainda é carente de direitos
muito básicos e ambientes corporativos ainda em discussões muito cruas sobre o
assunto. “Nos ambientes de trabalho em si é visível o aumento das discussões
sobre temáticas envolvendo a comunidade LGBTQIAP+, seja pela existência de
população interna engajada sobre o tema ou por orientações top-down, pelos mais
variados motivos. Apesar disso, o avanço ainda é lento e não são raras as
empresas resistentes ao processo de aprendizagem necessário para garantia de
direitos das pessoas LGBTIQAP+”, finaliza.
Fontes:
Lívia Moraes - advogada especializada em Privacidade e
Proteção de dados, Direitos da Personalidade e Propriedade Intelectual,
especialista em Diversidade & Inclusão com foco na comunidade LGBTQIAP+. É
Presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/SP - Subseção do Butantã e
líder do Comitê de Diversidade e Inclusão do escritório Barcellos Tucunduva.
Osmar Golegã - advogado pós-graduado em Direito
Processual Penal e Processo e Direito do Consumidor. É coordenador de
Contencioso Cível no escritório Natal & Manssur.
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