Autistas adultos com grande comprometimento intelectual ainda são invisíveis na sociedade. Para muitas famílias, a escolha por uma instituição que ofereça hospedagem é uma maneira de ofertar qualidade de vida aos filhos
O
Dia Mundial do Orgulho Autista, celebrado em 18 de junho, é um momento para
celebrar a neurodiversidade e lutar por uma sociedade mais inclusiva e justa
para todas as pessoas com autismo. No Brasil, os números sobre o transtorno são
preocupantes. O Ministério da Saúde estima que mais de 2 milhões de pessoas
sejam autistas, o equivalente de 1 a 2% da população. Apesar de muito difundido
em campanhas, o autismo ainda enfrenta diversos preconceitos, como o da
invisibilidade e da exclusão.
O
transtorno do espectro autista (TEA), também conhecido como autismo, é um
distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por alterações comportamentais
que afetam a comunicação e a interação social. Com início nos primeiros anos da
infância, o TEA pode acometer indivíduos em variados graus, dificultando o
diagnóstico precoce e também chegando a comprometer fortemente a capacidade
desses indivíduos de conviver em sociedade.
Nos
últimos anos, o número de pessoas com autismo vem crescendo de forma alarmante.
Segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) nos Estados
Unidos, estima-se que 1 em cada 36 crianças tenha autismo, o que significa que
cerca de 73 milhões de pessoas no mundo vivem com a condição.
Níveis
O psiquiatra André Luís Pires e diretor do Censa Betim, referência em atendimento às pessoas com autismo severo e deficiência intelectual, ressalta que o autismo se manifesta em diferentes necessidades de apoio. O autismo leve, ou nível 1, pode se apresentar com dificuldades na comunicação social e interação social, mas as pessoas com esse grau geralmente conseguem viver de forma independente.
Já o autismo moderado pode trazer desafios na
comunicação verbal e não verbal, além de comportamentos repetitivos e
interesses restritos. No autismo severo, as pessoas apresentam necessidades
mais complexas de suporte e comunicação, com dificuldades significativas na
comunicação e interação social, comportamentos repetitivos e interesses
restritos. “É importante deixar claro que cada pessoa é única e vai apresentar
sinais e comportamentos variados. O diagnóstico clínico é baseado na observação
direta do comportamento do paciente e de entrevista com os pais”, afirma.
Diagnóstico
O diagnóstico precoce tem papel fundamental no
tratamento e na melhoria da qualidade de vida das pessoas afetadas. O quanto
antes uma criança recebe o diagnóstico, mais cedo pode dar início a atividades
que estimulem os estímulos para o desenvolvimento dela. No entanto, nem sempre
foi fácil a compreensão do autismo e até mesmo por especialistas.
A microempresária Estela Mares Guillen, 61 anos,
mãe de Alexandre Guillen, atualmente com 37 anos, passou por dificuldades para
fechar o diagnóstico do filho. “Na época não havia muita informação sobre
autismo. No começo os médicos achavam que ele era surdo. Ele tinha crises muito
fortes e muitos pensavam que era birra dele. Cheguei a ouvir coisas horríveis
como “esse menino não vai dar em nada”, “ele precisa de chineladas”. Só
conseguimos o diagnóstico quando ele estava com quase quatro anos. Era autismo
severo”, lembra.
Autistas adultos
Em
meio às campanhas e discussões sobre o autismo, existe um grupo que tem sido
ainda mais marginalizado: o dos autistas adultos grau 3, ou seja aquelas
pessoas com comprometimento severo, associado a outras comorbidades e que
demandam muito mais apoio nas atividades da vida diária.
“Enquanto
muito se fala em autismo em crianças, pouco se discute sobre o TEA na
adolescência, na fase adulta ou mesmo em idosos. Essa invisibilidade gera
diversos desafios como a falta de diagnóstico precoce, o isolamento social, a
falta de acesso à educação e saúde de qualidade e a dificuldade de encontrar um
lugar adequado para cuidar dessas pessoas”, comenta Natália Costa, psicóloga e
diretora do Censa Betim, uma instituição que acolhe autistas adultos.
Para
a psicóloga, a grande pergunta é sobre quem vai cuidar desses autistas severos.
“A família, nem sempre, tem condições e estrutura para cuidar deles, não por
falta de amor ou carinho, mas por necessidade de apoio transdisciplinar. Neste
contexto, espaços que assegurem a dignidade e permitam estimular o
desenvolvimento desses indivíduos são de essencial importância para autistas
severos e suas famílias”, relata.
A difícil decisão
Para a família de autistas severos, a opção por instituições especializadas pode ser o caminho viável para o tratamento do filho. “Autistas com grande comprometimento, muitas vezes, precisam de apoio integral desde a hora que levantam até o momento que vão dormir. São pessoas que necessitam de ajuda, por exemplo, para manter a rotina diária de higiene, como escovar os dentes, pentear os cabelos, tomar banho. Eles carecem de cuidados, acompanhamento e monitoramento 24 horas por dia durante toda a vida”, explica a psicóloga.
Para dar qualidade de vida ao filho, Estela foi à luta. Ela chegou a fundar a Associação de Pais e Amigos de Pessoas Especiais (APAPE) há 20 anos e foi presidente da instituição. “Existe um terror quando se fala em casos severos”, desabafa.
Apesar de difícil, a decisão de escolher uma instituição parceira para cuidar do filho foi para Estela, a mais acertada. Até escolher o Censa para atender seu filho Alexandre em Betim, Estela chegou a peregrinar por três lugares. “No Censa nós encontramos apoio, carinho. Meu filho é respeitado, lá ele tem outros colegas, com patologias iguais ou parecidas”, afirma.
Para as famílias de autistas severos, compartilhar
os cuidados dos filhos com uma instituição especializada é um ato de amor
e representa tranquilidade e conforto. Estela relata que hoje em dia sua
família consegue viver uma rotina mais tranquila. “Temos uma vida mais dentro
do normal, de poder dormir, fazer uma refeição tranquilamente, atividades até
então impossíveis de se realizar em casa. A gente sabe que o Alexandre
está sendo bem cuidado e estamos juntos sempre. Ele é muito guerreiro. Com ele
aprendemos a ter humildade, perseverança, amor, carinho, igualdade, respeito à
diferença”, conta. E acrescenta. “Muitas vezes os autistas severos são tidos
como loucos e nestas horas a família tem de se unir e apoiar ainda mais uns aos
outros”, conclui.
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