O grande médico e pintor português Abel Salazar, que viveu entre 1889 e 1946, dizia que “o médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe”. Sua afirmação quase centenária mostra-se cada vez mais sólida e, arrisco dizer, mais apropriada para os tempos atuais do que para o contexto em que resolveu pronunciá-la pela primeira vez.
Diferentemente
do que existia naquele tempo, a medicina atual está bastante avançada, ainda
que necessite seguir em permanente evolução. Isso torna a atenção médica mais
focada na realização de procedimentos que inequivocadamente aumentarão as
chances de cura dos pacientes. Mas ainda falta algo, uma sustância que não
aparece nas práticas científicas e que não são exigidas nas escolas de
medicina. Falta amor.
Não me
refiro ao amor fruto de um discurso piegas, romantizado. Tampouco
motivada por uma falsa elegância ou marketing pessoal. Mas a verdade
é que a ciência alcançou um ponto em que sobra medicina, mas que ainda carece
de humanismo. As relações instantâneas e digitalizadas do mundo globalizado não
entram em cena quando se está com uma seringa à mão, apontando para o braço de
uma criança aos prantos ou para a pele fina de um idoso. À frente do
profissional encontra-se um ser humano que deposita confiança, respeito e
esperança no seu trabalho, mas que não abre mão da sua sensibilidade.
Por isso, de
pouco serve o alto pedestal de um médico, qualquer que seja sua especialidade,
quando não se solidariza com as lutas e as dores de um paciente. A medicina é
para os humanos, e, reiterando as palavras de Abel Salazar, o médico que não
consegue compreender isso hoje sequer está preparado para exercer sua função.
Ainda que tenha um currículo recheado de mestrados, doutorados e PhDs em
Harvard, Oxford, Cambridge ou em Melbourne.
Não se
trata, portanto, de titulação, mas de uma boa dose de empatia. Por mais
desafiador que seja, o médico contemporâneo precisa dominar e aplicar
habilidades inatas como comunicação, compaixão e respeito. E esses valores
devem coexistir à técnica, ao conhecimento médico. O foco não é sobre a doença
nem sobre seu tratamento, mas sobre o bem-estar do indivíduo que está diante dele.
A partir desse olhar, que é assustadoramente recente, é que o profissional se
imbui de valores que vão para muito além da formação.
Essa
concepção sobre a medicina não ocorre de maneira aleatória. É, na verdade, o
reconhecimento da importância da relação médico-paciente e de seus efeitos no
alcance de resultados clínicos. Criar laços positivos com a pessoa assistida é
uma etapa essencial para que haja uma integração do paciente com o tratamento,
fortalecendo suas expectativas em torno do procedimento.
Cada
indivíduo tem sua história, seus medos e frustrações, e considerar todos esses
aspectos durante o período de internação é uma condição importante para que ele
se sinta mais acolhido física e emocionalmente. Essa descoberta tem um valor
científico tão valioso quanto qualquer outra, com a diferença de que o paciente
efetivamente sente seus efeitos imediatamente. Até porque um sorriso e uma
palavra agradável também são um ótimo remédio para quase todo mal.
Dr. Felipe Villaça - cirurgião plástico da FVG Cirurgia Plástica e diretor técnico do Hospital São Rafael
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