O home office (trabalho em casa) e o teletrabalho (trabalho em localidades fora da empresa com utilização de meio tecnológicos) transformaram-se nas principais alternativas para muitos profissionais e empresas em todo o mundo. No Brasil, não foi diferente. A pandemia e o necessário isolamento social foram responsáveis pela adoção, em grande escala, do trabalho em casa. A necessidade do trabalho via "home office" ou teletrabalho para algumas profissões apresentam pontos positivos e negativos. Para aqueles que conseguem efetivamente controlar o seu tempo de trabalho, desconectando-se do trabalho; aproveitando o convívio familiar, entre outras necessidades do humano, a experiência parece ter andado bem. Contudo, há aqueles que, pela exigência empresarial ou pela ausência do próprio autocontrole, acabam ficando horas e horas além do tempo que deveria ser dedicado ao trabalho e sofrem consequências sérias como doenças posturais, oculares, ou até mesmo psíquicas em razão do excesso de trabalho.
Esse
processo acelerado de adaptação ao teletrabalho ou ao “home office” reavivou a
discussão sobre uma legislação mais rígida e clara sobre os direitos dos
trabalhadores que estão sob esse modelo. As regras do teletrabalho, em
especial, estão nos artigos 75-A a 75-E da CLT, em razão da alteração
legislativa realizada pela lei 13.467/2017, a reforma trabalhista, tendo como
significado "a prestação de serviços preponderantemente fora das
dependências do empregador, com utilização de tecnologias da informação e de
comunicação, que por sua natureza, não se constituam como trabalho
externo". Existem correntes que defendem um endurecimento da lei e outro lado,
importantes vozes destacando que a regulação se dará por categoria via
instrumentos coletivos. Independente do caminho que será seguido, o importante
é que se preservem os direitos fundamentais dos trabalhadores e se mantenha
ativa a possibilidade da atividade empresarial.
Além
disso, é importante destacar que, apesar de muitas empresas sinalizarem que vão
adotar o teletrabalho mesmo no pós-pandemia, nem todo profissional
pode exercer suas atividades nessas circunstâncias. Inúmeros cargos de
gestão exigem a presença do profissional para reuniões constantes, interações e
tarefas de supervisão muitas vezes despontam como atividades presenciais
necessárias. Há ainda, os trabalhadores que estão a desempenhar trabalhos em
localidades específicas que tornam inviável o teletrabalho, como a atuação na
construção civil, indústrias de vários segmentos, como a química, montadores de
veículos, entre outras tantas. Outro fator complicador é a necessidade de uma
estrutura digital na empresa para o trabalho à distância funcionar bem, sem
deixar espaços que comprometam a atuação do empregado com clientes,
prestadores, e sobretudo com cuidados relacionados a própria ergonomia do
trabalhador quando distante da empresa.
Vale
ressaltar também que nem todos profissionais e empresas estavam preparados para
essa nova realidade repentina. Muitos não contam com os equipamentos
necessários para manter um trabalho online ou autodisciplina que é necessária
para manter a produtividade em casa. A Pesquisa Potencial do teletrabalho na
pandemia, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revelou que no
Brasil o trabalho em especial na modalidade “home office” é possível para 22,7%
das ocupações.
O
essencial é que a relação à distância funcione na questão produtiva e
qualitativa, até porque há uma interessante e significativa redução de custos
de aluguel dos espaços empresariais, por exemplo. Segundo recente Pesquisa de
Gestão de Pessoas na Crise de Covid-19, realizada pela Fundação Instituto de
Administração (FIA), cerca de 94% das empresas brasileiras afirmam que
atingiram ou superaram suas expectativas de resultados com o trabalho home
office. No entanto, 70% dessas empresas pretendem encerrar ou reduzir a prática
para apenas 25% dos funcionários quando a pandemia terminar.
E
de olho nesse cenário novo nas relações trabalhistas, o Ministério Público do
Trabalho (MPT) publicou uma nota técnica com 17 recomendações para o
teletrabalho para empresas, sindicatos e órgãos da administração pública. Entre
os pontos abordados pelo MPT estão a preservação da privacidade, reembolso de
despesas, infraestrutura para o trabalho remoto, informação sobre desempenho,
ergonomia, pausa para descanso, ajuste de escala para as necessidades
familiares e controle de jornada. As orientações do MPT são bem colocadas e
interessantes e visam em certa medida proteger o humano, mas acredito que
referidas regras serão claramente firmadas apenas pelos sindicatos das
respectivas categorias.
E
mesmo com essas preocupações e recomendações, na prática não acreditamos que
sempre haverá uma tendência a melhora do trabalho em razão do home office, pois
há inúmeras variáveis que se apresentam, como: tratamento recebido pelo
empregado da empresa para a qual presta serviços, tempo que anteriormente
ficava no trânsito, organização pessoal, entre outros.
O
controle da jornada de trabalho, por exemplo é um dos grandes desafios
especificamente do teletrabalho. A flexibilidade da jornada é comum nesse
regime, não obstante a própria CLT exclua em tese através do inciso III do artigo
62 do regime de teletrabalho o pagamento das horas extras, a atividade poderá
ser questionada em razão do princípio da realidade que norteia as relações de
emprego, de modo que poderá ser flexível e sem qualquer controle,
parcialmente flexível, ou ter horários rígidos.
É
comum em diversas áreas os funcionários serem avaliados com base na
produtividade e entrega de projetos, sem a necessidade de manter uma rotina
fixa. A sociedade, de modo geral, ainda guarda resquícios do período industrial
quanto ao controle de trabalho acreditando, ainda, que o real controle está na
visualização do empregado enquanto esse produz, que isso o fará mais ativo.
Entretanto, parece ser uma visão já relativizada. O forçoso isolamento social
serviu para mudar essa concepção da presença física do chefe para determinadas
profissões. E, por outro lado, existem aqueles que extrapolam os seus horários
por conta de grande demanda ou por pressão da empresa. É preciso encontrar um
equilíbrio.
A
discussão será contínua. Nesse caminho sem volta, o equilíbrio significa o
reconhecimento de que o antigo cartão de ponto deve ser substituído pelo
autogerenciamento do tempo de trabalho. O ideal é que essa nova relação não
seja tóxica e nem prejudique a saúde do trabalhador. O progresso na comunicação
e na tecnologia não pode significar uma regressão nos direitos e ao mesmo tempo
não pode ser uma negativa do avanço.
Ricardo Pereira de Freitas
Guimarães - advogado, especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da
cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da
especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da
FADISP-SP
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