Álcool em gel, máscara, distanciamento social. Para muitos, isso tudo é novidade. Nunca passou pelo imaginário coletivo vivenciar algo tão sem precedentes como o que estamos vivendo agora, e que, em muitos momentos, se parece com cenas de um filme.
Porém,
há uma fatia da população que já conhece bem tudo isso: que nunca sai de casa
sem álcool em gel na bolsa, que não pode ficar próximo fisicamente de outras
pessoas que têm a mesma doença, e que vai continuar usando máscaras em muitos
momentos. São as pessoas que têm fibrose cística, doença genética rara, ainda
sem cura e que, por conta de um defeito na condução de uma proteína no organismo,
apresenta sintomas como tosse crônica, dificuldade para ganhar peso e estatura,
diarreia, pólipos nasais e suor mais salgado do que o normal.
Quase
6 mil brasileiros têm fibrose cística, doença que pode ser identificada no
teste do pezinho e ter seu diagnóstico confirmado no teste do suor. Ainda sem
cura, demanda tratamento diário e constante, que engloba a ingestão de
medicações como antibióticos, corticoides, suplementos vitamínicos, enzimas
digestivas, além de fisioterapia respiratória diária, atividade física e
inalações, entre outros cuidados. Em média, pessoas com fibrose cística dedicam
duas horas diariamente para executar todas as etapas do tratamento. Estimativas
indicam que um a cada 10 mil nascidos vivos possam ter fibrose cística, e que um
a cada 50 indivíduos são portadores do gene para a doença - que é recessiva,
portanto, a pessoa precisa herdar um alelo recessivo do pai e um da mãe para
efetivamente ter a doença.
E
por que a gente te entende tão bem?
Sabemos
que ficar longe de quem a gente ama, por exemplo, não é nada fácil. Que perder
a liberdade, mesmo que momentaneamente, é muito ruim. Nós, pessoas
com fibrose cística, precisamos vivenciar estes isolamentos quando ficamos
internados em hospitais para fazer algum tratamento medicamentoso ou para
controlar algum quadro de infecção, de complicação de saúde. Usar máscara faz
parte da nossa rotina médica, a cada ida ao hospital ou a laboratórios. O
álcool em gel também já é nosso velho aliado na missão de tentar se proteger de
vírus e bactérias que, para quem não tem a doença podem parecer
inofensivos, para nós podem ser fatais. Ter fibrose cística é um desafio
diário.
Eu
convivo com essa realidade há 11 anos, desde que fui diagnosticada tardiamente
aos 23 anos, em 2009. Antes disso, foram dezenas de pneumonias, infecções,
complicações, cirurgias e internamentos, sem saber exatamente o que eu tinha.
Boa parte da minha infância, adolescência e juventude foi marcada por idas e
vindas de hospitais. E, somente aos 23 anos, após uma grave pneumonia que
demandou um dos meus internamentos mais longos, quase dois meses
respirando por aparelhos, recebi enfim o diagnóstico que mudou toda a minha
vida: fibrose cística.
Hoje,
com o tratamento adequado, usufruo de uma melhora na minha qualidade de vida,
se comparado a antes do diagnóstico, mas ainda lido, quase que diariamente, com
os altos e baixos impostos por essa doença.
Setembro
Roxo – Mês Nacional de Conscientização sobre a fibrose cística
Dias
antes de descobrir que eu tinha fibrose cística, durante um
internamento, tive um sonho no hospital. Sonhei que estava embaixo de uma
árvore, em um campo bem verde, conversando com as pessoas sobre a importância
que temos que dar para o ar que respiramos, e não somente quando sentimos a
falta dele durante uma crise de asma, uma pneumonia, uma infecção respiratória.
Acordei, anotei o sonho e comecei um projeto para auxiliar pessoas com
problemas respiratórios. Quando soube que tinha fibrose cística, comecei
estudar a doença com afinco e descobri que tudo o que eu tinha vivido até então
era por falta de diagnóstico e tratamento, e imediatamente comecei a pensar em
quantas pessoas estariam na mesma situação que eu, ou que já não estavam mais
aqui, porque não tiveram a chance de serem diagnosticadas e tratadas. Nascia,
então, o Unidos pela Vida, que hoje é o Instituto Brasileiro de Atenção à
Fibrose Cística, reconhecido atualmente como a Melhor ONG de Pequeno Porte do
Brasil dentre as 100 Melhores do País.
Hoje,
nossa missão é fortalecer o ecossistema da fibrose cística no Brasil, através
de ações que impactem diretamente na qualidade de vida de quem tem ou convive
com a doença. Desenvolvemos nacionalmente projetos que visam conscientizar a
população sobre a patologia, acolher novas famílias e pacientes, orientar e estimular
a pesquisa e educação no país, atuar por políticas públicas e defesa de
direitos, desenvolver e profissionalizar outras organizações sociais e
incentivar a prática da atividade física.
Um
dos projetos do Instituto é o Setembro Roxo - Mês Nacional de Conscientização
sobre a fibrose cística, que em 2020 contará com diversas ações online para
informar a sociedade sobre os sintomas, diagnóstico e tratamento da doença.
Além de levar a mensagem de que nós, pessoas com fibrose cística, entendemos o
que todos estão passando, e que com resiliência, força e coragem é possível
enfrentar momentos difíceis como esse que todos estão passando.
Convido
você a conhecer, compartilhar e nos apoiar nesta campanha que pretende salvar a
vida de muitas pessoas por meio da informação. Acesse: www.unidospelavida.org.br/setembroroxo2020
Verônica
Stasiak Bednarczuk de Oliveira - psicóloga, especialista em análise do
comportamento, fundadora e diretora geral do Unidos pela Vida - Instituto
Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, membro do Grupo Brasileiro de Estudos
em Fibrose Cística. Foi diagnosticada aos 23 anos, é casada e tem uma filha um
ano e nove meses.
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