A chegada do tratamento para a Distrofia Hereditária da Retina (DHR) relacionada ao gene RPE65, marca uma nova era para a medicina no País, representando a possibilidade de novas alternativas terapêuticas para pessoas com doenças raras
A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou hoje o registro da primeira terapia
gênica de dose única no Brasil para pacientes com perda de visão decorrente da
Distrofia Hereditária da Retina (DHR) causada pela presença de uma mutação em
ambas as cópias do gene RPE65, que tenham ainda suficiente quantidade de
células de retina viáveis. Este é um marco para a medicina nacional, já que
representa a entrada da terapia gênica como um tratamento disponível no País.
Terapia gênica é uma
modalidade inovadora[1], que poderá apoiar principalmente pacientes de doenças
genéticas raras[2] que, anteriormente, não possuíam opções terapêuticas
disponíveis; como os pacientes com DHR com mutação em ambas as cópias do gene RPE65
.
Essa técnica age
fornecendo o gene saudável no paciente, visando à correção da mutação causadora
de doença presentes no DNA do paciente, com a introdução do material genético
em tecidos e em células com fins terapêuticos. Ela pode atuar simplesmente na
adição de genes ativos (porções do DNA responsáveis pela síntese de proteínas para
o bom funcionamento do organismo), ou na modificação ou supressão de genes
defeituosos no código genético, visando à produção de proteínas funcionais[1,
2]. Para que a técnica seja possível, são utilizados vetores virais
recombinantes (tornando o vírus completamente inofensivo e sem potencial
patogênico) que permitem o transporte do gene terapêutico saudável para o
interior das células e dos tecidos alvo[1-4].
"A terapia gênica
representa uma nova era na medicina. Talvez a melhor oportunidade que a ciência
pode oferecer para as doenças raras, fundamentada em mais de quatro décadas de
pesquisas científicas, durante as quais o processo foi desenvolvido, testado e
aperfeiçoado por especialistas", afirma o médico geneticista Roberto
Giugliani, Professor Titular do Departamento de Genética da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e Membro Titular da Academia Brasileira de
Ciências e da Sociedade Brasileira de Genética Médica.
"Traçando um
paralelo com grandes marcos da inventividade humana, podemos dizer que, com a
terapia gênica, está se iniciando um novo capítulo na história da medicina.
Hoje, de fato, o Brasil entra no século das terapias avançadas, inaugurando uma
nova fronteira da medicina, da biologia e da genética", complementa.
Uma nova alternativa
para o tratamento de doença rara da retina
No Brasil, as DHRs são
a segunda causa de baixa visão em crianças até 15 anos de idade[5]. A perda de
visão decorrente da mutação em ambas as cópias do gene RPE65 é uma
doença genética hereditária que afeta a retina causando cegueira noturna e
perda de sensibilidade à várias condições de luminosidade[6]. Pessoas nascidas
com essa condição podem experimentar significativa perda de visão desde muito
cedo, com a maioria dos pacientes diagnosticados com cegueira lega até os 18 de
idade, progredindo para a cegueira total[6]. A cópia correta do gene RPE65
fornecida por meio da terapia gênica, permite ganho de visão funcional e dá
mais autonomia a crianças e adultos que tenham quantidade suficiente de células
de retina viáveis[7].
"Trabalho há
muitos anos estudando as doenças da retina e os genes envolvidos em seu
funcionamento. No processo de desenvolvimento dessa terapia gênica, passamos
por uma etapa de identificação das mutações nos genes relacionados a essas
doenças e chegamos à estratégia de inserir na célula da retina uma cópia
correta do gene que está mutado", diz a Dra. Juliana Sallum,
oftalmologista e geneticista, professora afiliada da Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP) - Universidade Federal de São Paulo. "Vários genes
estão sendo pesquisados, mas o RPE65 é o primeiro a ter uma medicação
aprovada para aplicação através de uma cirurgia. Certamente a forma mais
adequada de tratar uma doença genética é corrigir o defeito genético e
restabelecer a função, neste caso, a visão", define.
Com a aprovação do
registro pela Anvisa, um dos próximos desafios é a conscientização quanto à
importância do diagnóstico assertivo das DHRs. No início da doença, os
pacientes podem sofrer de cegueira noturna (nictalopia) e perda da visão
periférica[6, 8]. O bebê acometido tem dificuldade de fixação do olhar e
apresenta movimentos repetitivos e involuntários dos olhos, chamado
nistagmo[7,9]. Estes pacientes podem ser diagnosticados, por exemplo, com
subtipos de amaurose congênita de Leber ou retinose pigmentar, sendo necessário
um teste genético para confirmar que a perda de visão é causada por mutações no
gene RPE65 [6, 8].
Para os pacientes, a
chegada da tecnologia traz nova esperança no tratamento da doença. "Esse é
um momento especial. É quase inacreditável que estejamos falando da chegada
dessa terapia tão esperada, devido à complexidade dessa doença rara. Aguardamos
há décadas por isso", salienta Maria Júlia Araújo, presidente da Retina
Brasil, ONG destinada a apoiar e informar pessoas com doenças da retina e seus
familiares.
Bruno Nogueira - Senior Associate, Client Experience
Referências:
• High KA, et al. N
Engl J Med. 2019 Aug 1;381(5):455-464.
• Goswami R, et al.
Front Oncol. 2019; 9: 297.
• Hudry E, et al.
Neuron. 2019 Mar 6;101(5):839-862
• Naso MF, et al.
BioDrugs. 2017; 31(4): 317-334.
• Haddad MA, J Pediatr
Ophthalmol Strabismus. 2007;44:232-40.
• Chung DC, et al. Am
J Ophthalmol. 2019 Mar;199:58-70.
• Maguire AM, et al.
Ophthalmology. 2019;126(9):1273-1285.
• Chao DL, et al. 2019
Nov 14. GeneReviews® [Internet]. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK549574/
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