Ainda que o Brasil possua um insuficiente e
disfuncional sistema de investigação preliminar que, como regra, tem por base o
questionável modelo do "inquérito policial", a manutenção desse
formato, pelo insuficiente Código de Processo Penal brasileiro de 1941, exige
repensar o "lugar" e o funcionamento da polícia investigativa (Civil
e Federal), impropriamente ainda denominada pela obsoleta legislação nacional
de "Polícia Judiciária".
Por mais que a polícia investigativa brasileira não
possua o "monopólio" da apuração das infrações penais, cabe a essas
instituições, como regra, a apuração da grande massa de delitos que ocorrem no
território nacional, a partir do que há de se exigir condições administrativas,
estrutura humana e arranjo técnico-operacional que possibilite o atingimento
dos resultados esperados para a persecução penal.
Não se discute a elevada responsabilidade,
complexidade e importância que é conduzir a investigação preliminar no Brasil.
Embora vinculada ao Poder Executivo, e normalmente a ele administrativamente
subordinada, não resta dúvida de que tanto a Polícia Civil como a Polícia
Federal precisam dispor de estrutura e relativa autonomia administrativa e de
gestão para que possam bem cumprir os seus afazeres de apurar a materialidade,
autoria e circunstâncias de fatos supostamente criminosos.
Nesse sentido, é de se esperar que agentes
policiais não estejam vulneráveis e enfraquecidos na relevante missão de
desvendamento de ilícitos, em especial para as investigações que, pelo
potencial de impactarem os poderes constituídos, natureza dos crimes apurados e
posição dos próprios suspeitos ou investigados, tramitam por certo período em
sigilo e não raro envolvem trabalho de "inteligência", inclusive com
a possibilidade do uso de meios de obtenção de provas diferenciados e
extraordinários.
Da mesma forma que o Delegado de Polícia pratica
atos administrativos com potencial de impactar direitos fundamentais e deve
fundamentar a lavratura de uma prisão em flagrante, a representação por uma
prisão temporária ou preventiva ou mesmo um indiciamento, não se admite que a
vinculação originária das polícias ao Poder Executivo possibilite a prática de
atos que, sem qualquer justificativa técnico-operacional, aumentem o risco de
ilegal e indevida influência político-partidária para inviabilizar ou mesmo
dificultar o cumprimento da missão constitucional dada aos agentes policiais em
geral. Ainda que editada sob singular contexto, parte dessa preocupação já está
contemplada no parágrafo quinto do artigo 2o da Lei 12.830/13, segundo o qual
somente pode haver remoção da autoridade policial de uma determinada
investigação por ato fundamentado.
É nesse contexto que se mostra salutar todo e
qualquer aprimoramento legislativo que, longe de consagrar mero ato de
"interesse corporativo" na disputa de poder institucional no campo
penal, preocupe-se em estabelecer parâmetros efetivos objetivos que permitam
que as polícias cumpram seu papel com o menor risco de interferência ilegal
alheia ao interesse público.
Márcio Soares Berclaz - doutor em Direito, é professor de Processo
Penal na Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.
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