Não sei de onde me veio a ideia de que o STF fosse
local de infatigável labor. Talvez do exíguo número de ministros, apenas onze
para aquelas montanhas de processos. O mais recente dado que encontrei
mencionava 77 mil deles. "Uma pela outra" como se dizia antigamente,
dá algo como sete mil processos por gabinete. Não há como cumprir essa tarefa
sem imensa dedicação ao trabalho, mormente se todos tiverem consciência de que
qualquer atraso nas decisões é um freio de mão puxado na justiça ou um acelerador
pisado na injustiça. Sempre há algo essencial para todos, para muitos ou para
alguém, pendente de decisão. Essa imagem que eu fazia do STF como local de
trabalheiras e canseiras se reforçava com a convicção de que as estantes
repletas de processos aguardando vez através dos anos, não raro das décadas, haveria de causar angústias no ânimo funcional da Corte e de seu quadro de
servidores. Carmem Lúcia, atual presidente, confirmando esse sentimento em
recente programa de TV, desabafou: "São onze ministros sem poder
parar".
Talvez
ainda se agregasse, para formar a imagem de um local de febril agitação, o
numeroso cortejo de servidores. São 1135 efetivos em atividade e
aproximadamente 1200 terceirizados, totalizando 2335 pessoas; novamente
"uma pela outra", 212 por
ministro. Tudo a um custo previsto de R$ 687 milhões, conforme Orçamento Geral
da União para 2017.
Pois
bem, outro dia, olhos grudados na TV assistindo o julgamento pelo TSE do
recurso contra a chapa Dilma/Temer (matéria que há mais de dois anos tramita
naquele órgão da Justiça Eleitoral), fiquei sabendo que, junto com o prazo
adicional pedido para apresentação de novas provas, o retardo seria ainda maior
em virtude de viagem do ministro Gilmar Mendes. Não se iluda, leitor.
Não se
trata de um bate-volta de Sua Excelência, com assento nas duas cortes (ele
preside o TSE e é ministro do STF). Não, Gilmar faz uma conferência em Portugal
e acompanhará as eleição francesa, ficando vários dias fora do Brasil graças a
esses dois importantíssimos e inadiáveis compromissos internacionais. O
ministro está em férias? Não, leitor. Os dois meses de férias a que têm direito
os magistrados seguem outra agenda e ela não coincide com os feriados
prolongados nem compromete o recesso de duas semanas no final do ano.
Não meço titulares de poder como se
fossem servidores públicos. Não são.
Por isso não recebem vencimentos, mas
subsídios. Mas o excesso de regalias escancara a porta para abusos e
saracoteios como esse do ministro Gilmar Mendes. Enquanto promove encontros em
Lisboa para discutir Direito, levando junto Dias Toffoli e três ministros do
STJ, a Justiça se arrasta no Brasil pelo caminho tão ajardinado quanto lento da
leniência dos prazos nos tribunais superiores. O evento é uma iniciativa
periódica do Instituto Brasiliense de Direito
Público (IDP), do qual Mendes é fundador, e do Instituto de Ciências
Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Tem
patrocínio da Associação das Empresas de Saneamento Básico
Estaduais (Aesbe), Itaipu Binacional e Federação do Comércio do Rio de Janeiro
e apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), FGV,
Fundação Peter Härbele, Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Em primeiro lugar, Gilmar Mendes In Concert. O Brasil fica para a volta.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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